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As desastradas aventuras de Adhemar, o ‘canhão do ABC’, por Stuttgart

O bem-humorado ídolo do São Caetano, que neste 27 de abril completa 51 anos, enfrentou dificuldades em sua breve passagem pelo futebol alemão

O aniversariante deste 27 de abril fez história no futebol brasileiro na virada do milênio. De tão potente que eram seus chutes de perna direita, Adhemar ganhou o apelido de “canhão do ABC” ao brilhar pelo São Caetano. O ex-jogador de 51 anos foi o artilheiro da Copa João Havelange, o Brasileirão de 2000, torneio que revelou para o mundo não só ele como o próprio Azulão, vice-campeão em uma controversa decisão diante do Vasco.

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Adhemar, jogador do São Caetano, em 2006
Adhemar, jogador do São Caetano, em 2006

Maior artilheiro da história do São Caetano com 68 gols, Adhemar jamais atuou por um clube grande do país. Teve proposta do São Paulo em 2001, mas acabou preferindo a oferta do Stuttgart, da Alemanha. Bem-humorado, o atacante nascido em Tatuí (SP) recebeu a reportagem de PLACAR em novembro de 2001 e contou sobre as trapalhadas que aprontou em solo alemão, como as gafes com o idioma e enganos em lojas e rastaurantes.

“Uma empresa de telefonia, patrocinadora do time, fez uma publicidade com uma foto do técnico Felix Magath gritando para um Adhemar que parecia pouco entender. A frase do anúncio era uma ironia: Kommunikation ist alles!, ou comunicação é tudo, em bom português”, dizia o trecho da reportagem de Marco de Bari.

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Na Alemanha, Adhemar marcou nove gols em 42 jogos antes de retornar ao São Caetano, clube que seguiu sua sina de surpreender gigantes (foi vice-campeão brasileiro de 20021 e da Libertadores de 2002 e campeão paulista de 2004) antes de iniciar uma derrocada. Atualmente, o Azulão disputa a Série A3 do Paulista e está sem divisão no Brasileirão. A história escrita por Adhemar e seus colegas, no entanto, é eterna.

O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera algum tesouro de nossos arquivos, reproduz abaixo a reportagem na íntegra:

Sabe a última do Adhemar?

O ex-atacante do São Caetano só apronta em Stuttgart. Faz trapalhadas com o alemão, compra uma piscina inútil, tenta fazer sauna na estação de trem…

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Marco de Bari, de Stuttgart (Alemanha)

Você se lembra do Adhemar? O centroavante do São Caetano, vice-campeão brasileiro de 2000 e dono de um chute poderosíssimo. Destaque da Copa João Havelange, seu passe foi disputado por quase todos os grandes clubes de São Paulo. Pois é, foi parar na Alemanha, na fria cidade de Stuttgart, jogando pelo time que leva o mesmo nome. No Campeonato Alemão, o Stuttgart ocupa a oitava posição, bem melhor do que na temporada passada, quando quase foi rebaixado.

O atacante não está arrebentando, entra em um jogo, faz um golzinho aqui, outro ali. Também não chega a ser uma decepção. O que poucos sabem é que Adhemar é um sujeito muito engraçado, embora muitas das suas graças sejam involuntárias. Logo em sua chegada, em pleno inverno europeu, Adhemar, com o nariz grudado na janelinha do avião, comentava com seus amigos os absurdos de um país rico.

“Como é que pode! Enquanto tanta gente passa fome os caras aqui gastam um dinheirão na lavagem da pista do aeroporto. Você acha que precisa todo esse monte de sabão encostado nos cantos?” Nesse momento, os companheiros já passavam mal de tanto rir e resolveram lhe contar que aquilo era a neve. “Ah, eu sabia, tava só brincando”, respondia ainda com o rosto ruborizado.

E não pára por aí. Em uma loja ficou impressionado com o baixo preço de uma piscina. Não deu outra: comprou e montou em seu jardim. Só não o avisaram que o preço do aquecedor e a despesa com consumo de água tinham um preço proibitivo. Além disso, mesmo com aquecimento, só deu para usar a piscina poucas vezes durante o verão. “Tá tudo lá desmontado”, diz um irritado Adhemar.

Nos treinos ele se lembra rindo do treinador gritando “Crekche! Crekche!” Adhemar não tinha a menor idéia do comando, passava pela frente do técnico e fazia gestos de que não estava entendendo. A ajuda veio do colega português Rui Marques que explicou que crekche significava carrinho. Adhemar reclamou com o treinador. “Se é para dar carrinho, eu dou, só não reclame se eu for expulso.”

A falta de entendimento com o técnico fez Adhemar passar boa parte da temporada no banco de reservas e somar um pouco mais de folclore em sua passagem alemã. Uma empresa de telefonia, patrocinadora do time, fez uma publicidade com uma foto do técnico Felix Magath gritando para um Adhemar que parecia pouco entender. A frase do anúncio era uma ironia: Kommunikation ist alles!, ou comunicação é tudo, em bom português.

Dentro de campo Adhemar cometeu pequenas gafes. Nada tão grave. Após uma entrada mais dura em um adversário, como bom atleta, foi pedir desculpas ao adversário que, acostumado ao estilo alemão de jogo, nada sentiu e se levantou rapidinho. Adhemar insistiu nas desculpas e chamou o jogador Knorr. O jogador ficou mais irritado. Pior que tomar um sarrafo é ouvir o seu nome trocado. O adversário não tinha nome de caldo de galinha, e sim Akonor.

No trânsito ele quase atropelou duas senhoras porque nem desconfiava que na Alemanha o pedestre tem a total preferência em faixas de segurança. Adhemar não acreditou: fez um teste em uma rua. Esperava um carro chegar perto e ameaçava atravessar a rua só para ver se os carros paravam. Em restaurantes cansou de quebrar a cara na escolha dos pratos. Determinado, resolveu levar camarões para o jantar da família. Para seu espanto, seus calamares não passavam de lulas ” e ele odeia lulas. Sua mulher sugeriu trocar o prato, mas Adhemar não quis correr o risco de outra confusão. “É capaz de não me entenderem e me darem mais um prato de lulas!”

No turismo Adhemar não deixou por menos. Cansado de ver em placas a palavra Banhof, resolveu conferir como seriam as tais casas de banho. Foi duro compreender porque as placas sempre davam na estação de trem… Dos hábitos brasileiros e de boleiros, Adhemar mantém a mania de dar apelidos a todos os jogadores. O goleiro Hildebrand virou Leonardo Di Caprio, por exemplo.

Adhemar arrumou tempo ainda para estudar alemão. Só não teve muito critério para escolher o professor. O porteiro do clube ensinou uma série de palavras sacanas do dialeto da região e se diverte quando o ex-atacante do São Caetano as pratica entre os colegas. Não foi preciso passar muitos dias em Stuttgart para comprovar que Adhemar realmente é uma figura. Todos os jogadores que passavam por nós durante a sessão de fotos provocavam Adhemar dizendo que iria nevar. Sua mulher e os dois filhos não suportaram a distância e o frio e passam uma temporada no Brasil. Adhemar também pode voltar, diz que está com vontade de deixar a Alemanha. Seus empresários negociam com o Palmeiras. Mas Adhemar, que ainda tem dois anos de contrato, acha difícil a liberação do Stuttgart.

Ah, já ia esquecendo da última, a última mesmo do Adhemar. Comprei uma bela camisa do Stuttgart, mandei personalizar “De Bari” nas costas, com o número 17. Já me imaginava jogando minhas peladas e alguns amigos mortos de inveja do meu uniforme exclusivo. Na despedida da entrevista, Adhemar tentou ser simpático: “Me dá a camisa aqui que vou autografar.” Não consegui recusar. O autógrafo é bem legal, tem até a frase “Deus é Fiel”, mas, sinto muito, Adhemar, eu não jogo com camisa autografada, até por que ela desbota com a lavagem. Guardei de relíquia e lembrança de uma grande figura chamada Adhemar.

Adhemar, do São Caetano, comemorando um gol contra o Fluminense, pela Copa João Havelange, no Estádio do Maracanã, em 2000
Adhemar, do São Caetano, comemorando um gol contra o Fluminense, pela Copa João Havelange, no Estádio do Maracanã, em 2000
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