‘Apliquei a regra’: aquele Flamengo x Galo de 1981, nas palavras de Wright
Em entrevistas a PLACAR, árbitro recordou as expulsões de atleticanos no Serra Dourada, pela Libertadores de 81, sem jamais ter demonstrado arrependimento
Flamengo e Atlético Mineiro fazem no próximo sábado 30, a partir das 19h, no Maracanã, um jogo que pode ser decisivo para os rumos do Brasileirão de 2021. Buscando encerrar um jejum de 50 anos na competição, o Galo é o líder com 59 pontos (dez a mais que o segundo colocado Palmeiras) e 13 a mais que os rubro-negros, que, no entanto, tem dois jogos a menos. O duelo entre cariocas e mineiros é cercado de rivalidade, talvez a maior entre inimigos interestaduais do país. José Roberto Wright é um dos principais responsáveis por essa animosidade. Em 1981, o árbitro carioca roubou a cena em um duelo válido pela Libertadores, que, posteriormente, acabaria nas mãos do Flamengo.
Em entrevistas a PLACAR, Wright sempre defendeu a postura que adotou na ocasião, no Serra Dourada, em Goiânia.
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O encontro foi válido como “jogo-extra” para definir o líder do grupo 3 da Libertadores, que, além dos clubes brasileiros, contavam com Cerro Porteño e Olímpia. No regulamento da edição, apenas o campeão das chaves passavam para a fase seguinte e tanto Atlético quanto Flamengo tinham oito pontos marcados. O palco do embate, o Serra Dourada, já causou infelicidade antes mesmo da bola rolar por parte dos alvinegros, assim como a escolha do árbitro José Roberto foi contestada, pelo mesmo ser carioca. A rivalidade entre as equipes já estava em alta, tendo em vista que ambas definiram o Brasileirão de 1980 e a vitória foi flamenguista, após 3 a 2 no Maracanã, também repleto de polêmicas pelo árbitro José Roberto Aragão expulsar três atletas atleticanos.
No duelo de 1981, o estádio estava lotado com mais de 60.000 torcedores e o famoso gramado do Serra Dourada estava cortado com desenhos geométricos um tanto bizarros. Eram dois belos times em campo. Do lado carioca, Zico era a principal estrela de um esquadrão que tinha também Nunes, Júnior e Leandro. Do lado mineiro, praticamente uma seleção, com Éder, Toninho Cerezo, Palhinha e Reinaldo. Porém, o que tinha tudo para ser uma exibição de bom futebol, virou um pandemônio de violência e estresse de todas as partes, inclusive do árbitro.
Para a classificação flamenguista bastaram apenas 33 minutos de bola rolando, até Reinaldo acertar Zico por trás e ser expulso por José Roberto Wright. Depois, a confusão se tornou generalizada e a bola não mais rolou. Entre idas e vindas de campo, policiamento e confusões, o árbitro expulsou Eder, Palhinha e Chicão, o que não faria o jogo acabar. Porém, indignados, os jogadores do Galo decidiram tirar de Wright a possibilidade de prosseguir com o jogo: o goleiro João Leite se jogou no chão e fez “cera”. Ponto final. Cinco expulsos e W.O. Vitória flamenguista em meio ao caos.
Naquela mesma edição, o Flamengo foi campeão da Libertadores ao bater o Cobreloa e posteriormente do mundo, ao vencer o Liverpool. O Atlético Mineiro guardou ressentimento e isso apimenta até hoje qualquer confronto entre as equipes, tanto que, em entrevista a PLACAR em 1987, José Roberto Wright afirmou: “Para ser normal (um novo Atlético Mineiro x Flamengo), tem que ser jogado na União Soviética, com portões fechados e o Hulk de juiz”, disse, se referindo, claro, ao super-herói verde, não ao atual atacante do Galo, nascido um ano antes.
Em setembro daquele intenso ano para as equipes, o carioca Wright passou a apitar jogos pela federação gaúcha e se tornou atração no sul – o que lhe dava imensa satisfação. ‘Eu sou a atração’, confidenciou em reportagem de PLACAR intitulada “Ladrão em Minas, Sua Senhoria no Sul”. Escalado para partidas sem tanta expressão dos estaduais, levou público até a um São Borja x Grêmio, na divisa com a Argentina. Exaltado por todas as partes, José Roberto conseguiu ser unanimidade até entre partes do GreNal, recebendo elogios dos técnicos das equipes. Na mesma edição, o árbitro ainda disse que as pessoas dariam razão a ele pelas atitudes naquele Flamengo x Atlético Mineiro.
Na entrevista a Marcelo Rezende, em 1981, Wright relembrou aquela polêmica e justificou seu estilo disiciplinador. “Quando entro em campo, o jogador já pensa: ‘O Wright expulsa, é melhor nem olhar pra ele’” Sobre o Galo, debochou dos atletas expulsos. “Já vendeu Chicão e Palhinha. O tempo me deu razão. Hoje concordam que agi certo”.
Mantendo a característica, Wright ainda cutucou a imprensa e os ‘cartolas’ sobre o conhecimento das regras de jogo: “50% dos jornalistas não entendem. Entre os dirigentes, a proporção pode chegar em 100%”. Por fim, admitiu estar curtindo a fama em Porto Alegre. “Esse negócio de que juiz não deve aparecer é bobagem. Sou atração no Sul. Sou peça promocional, como se fez no Rio com o duelo Zico x Maradona”.
Já em dezembro de 1987, depois de uma arbitragem “desastrada”, segundo definição de PLACAR na época, na qual validou um gol irregular do Cruzeiro contra o Santos, impedindo as chances do São Paulo de conquistar a Copa União, Wright concedeu a nós outra entrevista a – na qual manteve seu estilo durão.
O repórter Carlos Orletti o apresentou assim: “esse ex-goleiro juvenil do Fluminense, clube do seu coração, 43 anos, quatro filhos, é lembrado por trapalhadas como a expulsão de cinco jogadores do Atlético num jogo que não chegou ao fim contra o Flamengo”, entre outras citadas.
Sobre aquela partida, Wright foi taxativo ao ser perguntado se manteria aquelas expulsões: “Com muita tranquilidade. Na ocasião, apliquei a regra. O time do Atlético não queria jogar e eu fui obrigado a botar para fora vários jogadores”. Na entrevista, ao ser questionado se voltaria atrás, negou e ainda desaprovou uma remota e antiga possibilidade de VAR. “Se eu tivesse uma televisão, o que não é possível, poderia mudar ideia. No entanto, não aprovo tal método”. Após a aposentadoria dos campos, Wright, hoje com 77 anos, tornou-se um famoso comentarista de arbitragem da TV Globo, cargo que deixou em 2012.