‘Campos Conquistados’: as árbitras que ousaram ir além dos rótulos

Quando se fala em arbitragem de futebol, é quase instintivo imaginar a figura de um homem apitando uma partida. Isso não é coincidência: por muito tempo, a presença feminina em espaços públicos, especialmente no universo esportivo,​ foi vista como inadequada ou até inaceitável. No futebol, esse ideal se manifestou dentro e fora das quatro linhas: nas arquibancadas, nos bastidores e, sobretudo, no centro do campo.

Campos Conquistados, documentário dirigido por Jéssica Gomes, surge justamente para confrontar esse imaginário coletivo e dar visibilidade às mulheres que, ao pisarem no gramado, desafiam estruturas históricas de exclusão. Batizado em homenagem à árbitra Léa Campos, uma das primeiras árbitras reconhecidas oficialmente no Brasil, a produção nasceu como um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), mas logo ultrapassou os muros da universidade. Com exibições em festivais como o Festival de Vassouras e o Cinefoot, Campos Conquistados agora integra a Caravana do Futebol Feminino Petrobras, ganhando cada vez mais destaque e reconhecimento.

Assista ao teaser de Campos Conquistados

Logo nos primeiros minutos do filme, acompanhamos a jovem árbitra Carol D’Eleutério, que relata enfrentar, já nos passos iniciais de sua carreira, um ambiente marcado por desconfiança e resistência à presença feminina. O documentário articula essas tensões com sensibilidade, construindo um diálogo intergeracional ao entrelaçar a trajetória de Carol com a de árbitras veteranas como Renata Ruel.

 

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O filme alterna entre passado e presente de forma fluida, evidenciando que os obstáculos enfrentados por Carol não são exceções, mas parte de um ciclo persistente de desigualdade estrutural. “Muita gente diz que você não está ali por competência”, afirma Renata Ruel, em uma das falas mais contundentes do filme, sintetizando o viés de gênero que ainda condiciona o reconhecimento profissional das mulheres na arbitragem.

Carol D’Eleutério, árbitra de futebol. Foto: Reprodução/Campos Conquistados

A narrativa também incorpora conceitos da teoria social, como o de violência simbólica, formulado por Pierre Bourdieu. Esse conceito refere-se às formas sutis e naturalizadas de dominação que se manifestam no cotidiano. Nesse contexto, o depoimento da especialista social Renata Esteves é incisivo.

Ao afirmar que “é como se não fizesse parte do que se espera de uma mulher”, ela mostra que a competência das árbitras é frequentemente questionada por estereótipos de gênero. O relato também evidencia que a autoridade feminina ainda precisa ser legitimada em um espaço que, mesmo inconscientemente, associa liderança e credibilidade ao masculino.

Renata Esteves, especialista social. Foto: Reprodução/Campos Conquistados

Campos Conquistados mostra que, embora o cenário tenha avançado em alguns aspectos, os desafios enfrentados pelas mulheres na arbitragem ainda se repetem. Mais do que um registro documental, o filme constrói um retrato que é, ao mesmo tempo, denúncia e celebração. Denúncia de uma estrutura resistente à equidade de gênero, e celebração da coragem e das conquistas das mulheres que insistem em ocupar espaços que historicamente lhes foram negados.

No fim, fica claro que, mesmo que haja o apito final, a luta continua fora de campo.

Serviço: Campos Conquistados

Em exibição na Caravana do Futebol Feminino até dezembro de 2025.

Sinopse

Campos Conquistados é um documentário que investiga a trajetória das árbitras brasileiras de futebol que ousaram ir além dos rótulos, dos limites e de todos os estigmas que as reprimem dentro do esporte mais popular do mundo.

Ficha Técnica

Direção: Jéssica Gomes
Roteiro: Lauro Víctor
Produção Executiva: Jéssica Gomes
Produção: Daiane Gomes, Jéssica Gomes e Thalles Ribeiro
Edição: Jéssica Gomes e Lauro Víctor
Pessoas Entrevistadas: André Hernan, Angélica Angelo, Carol D’Eleutério, Renata Esteves e Renata Ruel
Duração: 30min
Produtora: Madam Filmes e Overdead Company