Quem deu o ‘troco’ do ‘Maracanazo’?
20/07/1952: cronista vê jogo em que todo brasileiro torceu pelo Fluminense (3 x 0 Peñarol), que festejava 50 anos e acabaria campeão (mundial?) da Copa Rio
Tem ou não tem Mundial? Essa será uma pergunta frequente na ‘zoação’ (palavra do futuro, algo como ‘provocação saudável’) entre torcedores dos ‘times grandes’ do futebol brasileiro. E revelo aqui para vocês, caros leitores e leitoras de 1952, que até 2022, de ‘quando’ venho, seis clubes poderão ‘tirar onda’ (outro neologismo que vem por aí, ‘se vangloriar’) de ter este título e o troféu em suas prateleiras: Santos (2 conquistas); São Paulo (3); Corinthians (2); Grêmio (1); Flamengo (1); e Internacional (1). Já imagino que vocês estejam se perguntando: “Como assim? E o Palmeiras, campeão da Copa Rio ano passado?” Pois é, amigos e amigas, sinto informar que daqui a exatos 70 anos – deixei o Século 21 às vésperas de um 20 de julho – a conquista do alviverde paulista ainda não será oficialmente (e popularmente) aceita. Assim como pouco ou nenhum reconhecimento vai ser dado ao triunfo deste ano, que, alerta de ‘spoiler’ (essa não sei como traduzir…), será do Fluminense, que ontem se classificou para a Fase Final batendo o poderoso Penãrol, do Uruguai (3 x 0). E pensar que esses mesmos rivais que amanhã diminuirão o feito estavam na arquibancada tricolor, desejando e comemorando a vitória sobre os uruguaios, entre eles seis jogadores que fizeram o Maracanã e o Brasil inteiro chorarem há dois anos, no ‘Maracanazo’. Ontem lavamos a alma. Mas torcedores de outros times, claro, têm memória curta. Para tricolores e palmeirenses, a Fifa também terá.
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É compreensível o desânimo que se abateu sobre todos nós, brasileiros, após a decepção da Copa de 50. Daí o gostinho especial na goleada de ontem. A notícia boa que trago do Amanhã é que estes recentes confrontos (e triunfos) internacionais de nossos clubes na Copa Rio (o Corinthians também vai fazer bonito este ano, mas, outro ‘spoiler’, perderá a final pro Flu) serão um marco, iniciando-se aqui um maior intercâmbio com clubes de outras praças esportivas e uma interminável série de conquistas brasileiras em torneios continentais ou mundiais. A primeira prova disso foi o título da Seleção, em abril, no Pan-Americano, sem dúvida a primeira conquista relevante no exterior do nosso escrete. Ou a recente excursão (a primeira em sua história) do Corinthians à Europa, de onde voltou com 12 vitórias em 15 jogos. Daqui a dez anos, podem anotar, será o Santos a alcançar o tão desejado (no futuro será bem mais) título mundial de clubes. Já Palmeiras e Fluminense, sinto, seguirão debatendo a validade dos triunfos com a Fifa, esta teimosa.
Jules Rimet, atual presidente da entidade, não teve dúvida em chancelar a realização do torneio, que foi antecipado em um ano por pedido do Fluminense, que amanhece hoje classificado e festejando 50 anos de serviços prestados ao esporte – quando retornar ao futuro, será véspera dos 120 anos desta instituição que ainda vai dar muitas contribuições ao Futebol brasileiro, não ficando apenas nos méritos que já acumula, como liderar a profissionalização do futebol e erguer a primeira casa da Seleção, o estádio das Laranjeiras. Foi o clube carioca, aliás, que organizou, praticamente sozinho, esta segunda Copa Rio. ‘Bancou’ (do verbo ‘bancar’, será sinônimo de financiar) tudo, fez os convites às agremiações do Brasil e do exterior… Ter assumido o evento – por desistência da Prefeitura do Rio, que patrocinou ano passado, e ausência de verba da CBD – será um dos argumentos contra a ‘autenticidade’ do título mundial, sacado do bolso pelo torcedores de outros times. Sim, aqueles mesmo que ontem gritavam a todos pulmões: “Neeeeeenseeeee….!”
Apesar da recusa de equipes importantes – como Barcelona, Real Madrid, Juventus (campeã na Itália) e Racing (campeão na Argentina) –, estamos recebendo, no Rio (Maraca) e em São Paulo (Pacaembu), esquadrões de respeito e relevância no futebol mundial. Do Penãrol, ‘atropelado’ ontem, nem preciso falar… O Uruguai, todos sabem, é a grande potência do Mundo da Bola, já acumulando dois títulos nas quatro Copas realizadas. E o ‘onze’ aurinegro é hoje o melhor time e atual campeão nacional. Seis jogadores, como já disse, vestem a camisa dos ‘carboneros mirasoles’ e foram ‘cúmplices’ naquele tiro mortal que sofremos há dois anos. Inclusive ele, vocês sabem, aquele ponta-direita cujo nome começa com ‘G’ e prefiro não citar aqui. E tem o Corinthians (campeão paulista), o Grasshopper (campeão suíço), Sporting (campeão português), Saarbrucken (finalista do campeonato alemão), Libertad (líder do campeonato paraguaio) e o Austria Viena (que também lidera o campeonato austríaco este ano). A parada é dura. Mas bom mesmo foi este ‘troco nos uruguaios’. E deixo aqui uma frase que, desde já permito sua adaptação no futuro para outros contextos: “Ganhar é bom, mas ganhar do Uruguai é muito mais gostoso!” Vai que é tua, Galvão Bueno! (mensagem cifrada ao futuro, leitores, desculpem…)
O jogo será tão marcante para o Fluminense que daqui a 68 anos, em 2020, numa enquete realizada pelo jornal ‘O Globo’, a torcida o elegerá como o mais importante de toda a história do clube. ‘Vitória do meio século!’, foi a sugestão que dei para ser manchete do jornal ‘Diário da Noite’, numa referência ao cinquentenário do Flu. E acho que eles gostaram… Os mais de 63 mil que viram o time da camisa verde-branco-e-grená em campo ontem – não foram apenas tricolores, já disse – sabem que é mesmo o favorito a ‘melhor do mundo’. Quem tem a defesa com Castilho, Píndaro e Pinheiro (a chamada ‘Santíssima Trindade’) e ainda Didi, Bigode, Telê e Orlando Pingo de Ouro merece respeito de qualquer adversário. E faltou isso ao Peñarol. Acharam que era só ser uruguaio e jogar no Maraca que tudo ia dar certo. ‘Nã-nã-ni-nã-nones…’ (eles vão entender!)
Menos famoso, talvez mais predestinado, o ponta Marinho (já foi ‘Mário Pedro’), que em janeiro veio de Bauru (SP) para as Laranjeiras, foi o grande nome do jogo, com dois gols. Serão ao todo 44 tentos com sua assinatura num total de 91 jogos com a camisa tricolor. Vai terminar a competição como artilheiro (5 gols, mesmo número de Orlando Pingo de Ouro), mas nunca será endeusado como merece. Talvez pelo eterno não reconhecimento da Fifa à conquista ou, quem sabe, por vir a ser ofuscado pelo seu substituto a partir de 1955. Anotem aí: Waldo, será o maior artilheiro da história do clube, maior até que o ‘maior de todos’, Fred, outro que vocês ainda não conhecem mas também vai ser bom nesse negócio de botar a bola dentro. Como Marinho ontem, que abriu e fechou o placar! Palmas eternas pra ele!
O Maraca estava cheio mas era grande a descrença no Fluminense, que decepcionara a todos nas duas primeiras partidas do torneio (0 x 0 com o Sporting , campeão português, e 1 x 0 suado contra os campeões do ‘ferrolho suíço’, o Grasshopper). Só a vitória daria a classificação ao clube brasileiro, enquanto ao Penãrol, pobres uruguaios (Rá-rá!), bastava o empate e mesmo derrotados seguirão em frente – mas perdem do Corinthians na semifinal, posso garantir. Pena que, sinto informar, essa é apenas a primeira ‘revanche’ do ‘Maracanazzo’, pois a tragédia (e a possível ‘forra’) será lembrada toda santa vez que brasileiros estiverem frente a à frente com os uruguaios, seja por clubes ou na Seleção.
Seguem mais algumas sugestões de títulos que deixo para meus ‘coleguinhas’ de jornais: “Triunfo para a história do Fluminense”, seria a manchete do “Jornal dos Sports” hoje, fosse eu o editor. E sigam pelo caminho do ufanismo os demais veículos que hoje enaltecerão a conquista do ‘título mundial’, pois assim o tratam, como ‘Última Hora’ ou o ‘Diário de Minas’. Não teremos nunca uma terceira edição da pioneira Copa Rio – que poderá perfeitamente ser apontada como a ‘mãe’ das competições interclubes continentais e mundiais ainda a serem criadas, como um torneio chamado ‘Libertadores da América’ e disputas em ligas europeias. São exatamente esses ‘filhotes’ que vão ocupar o espaço hoje da Copa Rio no Futebol. Coisas do tempo…
É bem mais tênue que a linha da grande área o fio que no futuro vai separar o que é uma conquista oficial ou não-oficial. Em 2022, saibam, ainda não haverá consenso sobre o melhor formato de um ‘mundial de clubes’ e a própria Fifa, tão ‘oficialesca’, já estará estudando uma competição mais robusta que carregue e conceda este título. Só não posso garantir se 100 depois da criação deste novo formato ainda considerarão ‘oficiais’ e ‘válidos’ os seis triunfos brasileiros em mundiais de clubes que estão por vir. É que minha Máquina do Tempo é e sempre será como a administração e organização do Futebol: só anda pra trás.
Pelo título, pelos hoje 50 e, em 2022, 120 anos de história: Parabéns, Fluminense!
PRA VER LANCES DO JOGO
https://www.youtube.com/watch?v=0a_0R7eBAfc&ab_channel=FabianoArtiles
PRA VER IMAGENS DA FINAL ENTRE FLUMINENSE E CORINTHIANS
https://www.youtube.com/watch?v=NobkfLVcFVs&ab_channel=FabianoArtiles
FICHA TÉCNICA
FLUMINENSE 3 X 0 PEÑAROL (URU)
Competição: Copa Rio de 1952
Data: 20 de julho de 1952
Local: Maracanã, Rio de Janeiro
Público: 63.536 (51.436 pagantes)
Renda: Cr$ 1.445.643,30
Juiz: Eugen Dinger (Alemanha)
FLUMINENSE: Castilho; Píndaro e Pinheiro; Jair, Édson e Bigode; Telê, Didi, Marinho, Orlando Pingo de Ouro (Villalobos) e Róbson
Técnico: Zezé Moreira
PEÑAROL: Nattero; Davoine e Colturi; Rodríguez Andrade, Nardeli e Romero; Ghiggia, Hohberg, Romay (Míguez), Schiaffino (Abadie) e Vidal
Técnico: Juan Lopez
Gols: Primeiro Tempo: Marinho, aos 36’; Orlando Pingo de Ouro, aos 44’; Segundo Tempo: Marinho, aos 30’
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