O primeiro brasileiro campeão do mundo (2)
Na parte final da resenha que fez em 1934, após ver ‘Filó’ pela Itália na Copa, cronista fala de nacionalismo, mercenários do Grupo Wagner e técnicos portugueses no Futebol
“Imagine there’s no countries”, o tal verso de futura canção pacifista – com sucesso intergaláctico – que citei ao abrir esta resenha, não será integrado às decantadas “apenas 17 regras do Futebol” pela todo-poderosa Fifa. Ao contrário: serão muitas as restrições no futuro, queridos leitores e queridas leitoras de 1934, inclusive a que proibirá qualquer jogador que já tenha atuado três vezes por uma seleção nacional defenda outro país em competições oficiais*. E que se dane outro verso pacifista de mais um talentoso cantor do Amanhã, este brasileiro, e baiano: “É proibido proibir!” – que vocês conhecerão em setembro de 1968, quatro meses depois de intensas manifestações de universitários franceses nas ruas de Paris com a faixa ‘Il est interdit d’interdire’, uma alusão ao ‘É proibido colar cartazes’, lei de 1881.
Em 2023, de quando venho, o mundo real, que veremos nas ruas, já terá misturado todos os povos, uma salada linda, saborosa, os primeiros sinais de que este é o Amanhã inexorável: um só planeta. Mas a geopolítica e interesses de poder e dinheiro manterão as linhas imaginárias, a construção de muros nas fronteiras, a deportação de “forasteiros”, tidos como “intrusos”. Estrangeiro para entrar no nosso país?”, perguntarão. Só com dinheiro no bolso. Ou sendo bom de futebol, claro. Saibam que já na virada do Milênio teremos uma Seleção nacional com mais jogadores que atuam na Europa do que no Brasil. E por aqui pelo menos a metade dos grandes clubes comandados por treinadores estrangeiros, basicamente de Portugal. Pena que a canção de John Lennon vai defender o fim das fronteiras bem além do Futebol.
Jogador e técnico com certeza serão as únicas atividades à qual não será dada a opção de tomar decisões em função do dinheiro, e não pela “paixão”. “Mercenário!”, gritará o torcedor e boa parte da opinião pública, sempre que alguém, bom no que faz, deixe seu clube de coração por uma proposta profissional melhor. A propósito, deixei 2023 em meio a uma polêmica desse tipo envolvendo futuro treinador, português obviamente, do Botafogo. (Nota da Redação da Placar em 2023: Luís Castro, que semana passada deixou o clube para treinar um time árabe). Por mais que filósofos identifiquem nas competições futebolísticas entre países uma forma da Humanidade dar vazão a sua fome atávica por Guerras, existe, ou melhor, existirá Nacionalismo no Futebol?
Até a Copa de 2022, serão 24 os jogadores brasileiros que já terão entrado em campo em Mundiais com uniformes de outra República (ou Monarquia, que ainda vai ser o regime de governo em 42 Estados). Depois do habilidoso ‘Filó’, que ontem defendeu a Itália na estreia no Mundial, e, mais uma vez garanto, será o primeiro brasileiro campeão do mundo, teremos em 1962, dois novos casos: Angelo Sormani, paulista de Jaú, pelo Chile; e Mazzola, de Piracicaba, também assumindo a cidadania italiana nos gramados. Com um detalhe: quatro anos antes, saibam, o mesmo Mazzola terá sido Campeão do Mundo como titular do Brasil na Copa de 1958. A Fifa ainda não tinha ‘proibido’ situações assim.
Quanto mais avançarmos no Futuro, mais serão os exemplos de brasileiros nos selecionados de outros países. Para vocês terem uma ideia, na Copa de 2018, além dos 22 convocados do Brasil, outros três atletas nascidos aqui estarão perfilados ouvindo o Hino diante de outras bandeiras. Anotem seus nomes: Mário Fernandes (Rússia); Thiago Cionek (Polônia); Rodrigo Moreno (Espanha); Diego Costa (Espanha, em 2014 também); e Pepe (Portugal, 2010, 2014, 2018 e 2022). A Península Ibérica terá os, digamos, ‘exércitos da bola’ que mais convocarão brasileiros, ao todo 5 por Portugal (Deco, em 2006 e 2010; Liédson, em 2010; Matheus Nunes e Otávio, em 2022, além do já citado Pepe) e 3 pela Espanha (Marcos Senna, em 2006; além dos citados Rodrigo Moreno e Diego Costa).
Pau a pau com o Escrete do Japão: Wagner Lopes (na Copa de 1998); Alex Santos (2002 e 2006); e Marcus Tulio Tanaka (2010). Mas pasmem: também arregimentarão o ‘talento nacional’ do brasileiro com a bola países de diferentes continentes, como: Itália (Thiago Motta, em 2014); Alemanha (Cacau, em 2010); México (Sinha, 2006); Bélgica (Luis Oliveira, 1998); Estados Unidos (Benny Feilhaber, 2010); Croácia (Jorge Sammir e Eduardo da Silva, 2014); Tunísia (José Clayton, 1998 e 2002, e Francileudo Santos, em 2006; e Costa Rica (Alexandre Guimarães, 1990). Uma Legião Estrangeira da Bola.
Mais poderosa que o tal Grupo Wagner, que exportarão violência, e não Futebol. Em 2023, sinto informar, ainda estaremos precisando ouvir muito John Lennon. E, quem sabe, então, enfim o mundo será como um só… (“And the world will live as one”, Lennon)
*Nota da Redação da Placar em 2023: desde de 2020, a regra da Fifa indica três jogos oficiais antes dos 21 anos ou apenas amistosos em qualquer idade.
PARA LER A PRIMEIRA PARTE DA RESENHA DO CRONISTA EM 1934
PARA VER LANCES DO ÚNICO JOGO DO BRASILEIRO NA CONQUISTA ITALIANA
PARA VER CAETANO CANTANDO ‘É PROIBIDO PROIBIR!’
FICHA TÉCNICA
ITÁLIA 7 x 1 ESTADOS UNIDOS
Competição: Copa do Mundo de 1934 (primeira rodada)
Data: 27 de maio de 1934 (primeiro dia do Mundial)
Estádio: Estádio Nacional do Partido Fascista
Local: Roma (Itália)
Árbitro: René Mercet (Suíça)
ITÁLIA: Combi; Rosetta, Allemandi; Pizziolo, Monti, Bertolini; Guarisi, Meazza, Schiavio, Ferrari e Orsi
Técnico: Vittorio Pozzo
ESTADOS UNIDOS: Hjulian; Czerkiewicz, Moorhouse; Pietras, Gonsalves, Florie; Ryan, Nilsen, Donelli, Dick e McLean
Técnico: David Gould
Gols: Primeiro Tempo: Schiavio, aos 18’ e aos 29’; Orsi, aos 20′; Segundo Tempo: Donelli, aos 12’; Ferrari, aos 18′; Schiavio, aos 19′; Orsi, aos 24′; e Meazza, aos 45′