O jogo que fez Ronaldo virar o ‘Fenômeno’
Cronista vai ver Inter de Milão 3 a 0 Lazio, na final da Copa da Uefa de 1998, e dá spoilers sobre outros fatos após 25 anos da temporada marcante na carreira do craque
Para quem gosta de Futebol, poucas conversas são tão divertidas e instigantes quanto o velho e bom “quem é melhor, fulano ou sicrano?”. Zico ou Maradona? Ronaldinho ou Romário? Pelé ou Pelé? O Tempo, esse ‘safadinho’, tem o poder de melhorar, e muito – na memória do senso comum –, a qualidade de jogadores apenas razoáveis, bons ou ótimos; assim como aplacar a admiração sobre alguns ‘cracaços’ que passaram pelos gramados do mundo. Sou um comentarista do Futuro, vindo de 2023 – até o fim desta crônica, provarei isso – e digo a vocês, queridos leitores e queridas leitoras de 1998, que daqui a 25 anos me surpreenderei com certa amnésia que acometerá torcedores, principalmente os mais jovens, sobre a grandeza e o patamar extraordinário do nosso Ronaldinho, que ontem nos ofereceu um espetáculo eterno na vitória (3 a 0) da Internazionale de Milão sobre a Lazio, pela final da Copa da Uefa. Haverá, dentro de um quarto de século, quem aponte essa atuação como a melhor da carreira do atacante em clubes. Informo a todos que, por esta performance, de hoje em diante a imprensa italiana e depois o Planeta vão rebatizar o jogador, que passará a ser chamado de Ronaldo ‘Fenômeno’. E pensar que o diminutivo surgiu por motivos bem menos técnicos: pela presença na seleção brasileira de outro Ronaldo, o Ronaldão, vigoroso zagueiro do São Paulo. O novo nome será reforçado, em breve, a partir do ano que vem, pela chegada ao escrete de outro Ronaldo, o Ronaldinho Gaúcho, este garoto que estreou no Grêmio há dois meses. E no próximo século, muitos provocarão: “Quem foi melhor, Ronaldo ou Ronaldinho?” Ronaldão não será citado.
Claro que a alcunha de ‘Fenômeno’ virá a reboque da carreira vertiginosa que Ronaldinho vem escrevendo na Europa. Foram 51 gols em 54 jogos pelo PSV e depois 47 gols em 49 jogos pelo Barcelona. Sem falar nos títulos dado ao ‘Barça’ (Copa da Uefa, Copa do Rei e Supercopa da Espanha) e os prêmios recentes (Melhor do Mundo da FIFA, em 1996 e 1997; e artilheiro do Campeonato Espanhol nas mesmas temporadas). Daí os 28 milhões de Euros (recorde) pagos pela Inter. Em Milão, a história não será diferente. Vestindo a camisa 10 (já que a tradicional 9 já estava com Zamorano), Ronaldinho, ou melhor, Ronaldo Fenômeno fará, apenas nessa sua primeira temporada pelos ‘nerazzurri’, 34 gols em 47 partidas. Até deixar o clube, o que ocorrerá em 2002, serão 59 gols em 99 jogos, mas com números afetados por uma lesão da qual nada revelarei (Nota da Redação da Placar em 2023: em 12 de abril de 2000, contra a mesma Lazio, Ronaldo deslocou o joelho, o que quase o tirou da Copa de 2002). Sucesso mais que anunciado! Vale lembrar que ainda no Brasil, pelo Cruzeiro, foram 56 gols em 58 jogos. Quem é melhor? Ronaldo Fenômeno ou qualquer outro jogador? Ronaldo, ao menos para a Fifa, que, podem anotar, ao fim do ano o elegerá pela segunda vez o melhor do mundo.
A vitória de ontem – que pôs fim ao jejum de quatro anos sem conquistas e enterrou o trauma da final do ano passado, quando a Inter perdeu a Copa da Uefa para o Schalke 04, nos pênaltis, em Milão! – começou, na véspera, na concentração do clube milanês. Dividindo quarto com o também brasileiro Zé Elias, o ‘Fenômeno’ calhou de ver na TV entrevista coletiva de dois jogadores da Lazio, Alessandro Nesta e Roberto Mancini, que disseram que seriam eles os campeões, pois mereciam mais, já que não tinham perdido um jogo sequer na competição, com folga, enquanto a Inter salvara resultados com viradas inesperadas. A reação do craque foi imediata: “Zé, esses caras estão falando muita besteira. Amanhã eu vou deixá-los p***, vou acabar com eles”, prometeu ao companheiro na cama ao lado. E assim foi: Internazionale campeã da Copa da Uefa pela terceira vez.
Foram tanto dribles e jogadas geniais de Ronaldo ‘Fenômeno’ que Mancini, da Lazio, chegou a apelar: “Não é para fazer isso aqui!” E como resposta viu Ronaldo fazer o gesto de ‘silêncio’ com o dedo: “Cala a boca! Fica quieto, porque ontem você falou um monte de coisas. Agora, você vai me ver jogar”. E como viu! Pena que, daqui a dois meses, na Copa da França, um problema de saúde, sobre o qual manterei sigilo (Nota da Redação da Placar em 2023: convulsão, no dia da final contra os franceses), será mais lembrado do que esta partida no marcante ano de 1998 para o craque. Mesmo assim, em 2023, não terei dúvida se alguém me perguntar: “Quem foi melhor, Ronaldo ou Zidane?”. O ‘Fenômeno’, claro!
PRA VER LANCES E GOLS DO JOGO
FICHA TÉCNICA
LAZIO 0 x 3 INTERNAZIONALE
Competição: Final da Copa da Uefa de 1998
Data: 6 de maio de 1998 (quarta-feira)
Horário: 15h45
Estádio: Parc des Princes
Local: Paris (França)
Público: 44.412 pagantes
Árbitro: Antonio López Nieto (Espanha)
LAZIO: Marchegiani; Grandoni (Gottardi), Nesta, Negro e Favalli; Fuser, Venturin (Almeyda), Jugovic e Nedved; Casiraghi e Mancini
Técnico: Sven-Göran Eriksson
INTER DE MILÃO: Pagliuca; Fresi; Colonnese, West e Zanetti; Winter (Cauet), Zé Elias, Djorkaeff (Moriero) e Simeone; Ronaldo e Zamorano (Sartor)
Técnico: Luigi Simoni
Gols: Primeiro Tempo: Zamorano, aos 5′; Segundo Tempo: Zanetti, aos 15′ e Ronaldo, aos 25’
Cartões vermelhos: Almeyda; West