‘Liberta’, que serás grande!
Início da fase de grupos da Libertadores leva cronista a 1976, na conquista do Cruzeiro, primeiro time nacional a vencer o torneio após o Santos de Pelé
A excitação (heroica) pelo Futuro; ou o apego (romântico) ao Passado. Talvez esteja aí uma das principais dialéticas (Uau!!! ‘Dialética’ numa resenha esportiva!) que a curiosidade filosófica nos impõe. Eu sou de 2023 – isso mesmo, vim do Século 21, retrocedi 47 anos numa Máquina do Tempo – e ‘lá’, volta-e-meia, me aperta um saudosismo por estes anos dourados que vocês, queridos leitores e queridas leitoras de 1976, não percebem mas estão vivendo. O Futebol ainda é apenas o Futebol, ou ao menos nos enganamos ser assim. No futuro, não haverá atitudes ou palavras públicas (já então rebatizadas de ‘manifestação nas redes sociais’, que muitos de vocês ainda hão de conhecer…) que não virem gatilho para algum debate comportamental sobre temas como ética, racismo, respeito… Fico a imaginar o que diriam os guardiões do que é certo ou errado (doravante chamados de ‘politicamente corretos’) fosse em 2023 este lance de Joãozinho que, ontem, na vitória (3 x 2) sobre o River Plate, deu ao Cruzeiro o primeiro título da Libertadores da América a um clube do Brasil depois do Santos de Pelé (espécie de ‘Clóvis Bornay’ do esporte, ‘hors-concours’), encerrando hiato de 13 anos. Que se danem as jogadas ensaiadas, a ordem do treinador e as estatísticas a favor do cobrador de faltas oficial do time. Aos 46 minutos da Etapa Final, e sem dar tempo de reação ao poderoso ‘canhão’ de Nelinho, lá foi Joãozinho bater o tiro direto, na entrada da área. Pronto: Cruzeiro campeão! Um gol com a cara da disputa: Libertário!
Nos próximos 50 anos, serão cada vez maiores a importância, o encanto e o interesse no Brasil pela Libertadores da América. E vamos conseguir reduzir substancialmente o poderio absoluto das equipes argentinas na principal competição interclubes do Continente (sete triunfos nas últimas 8 edições). Placar em 2023, em títulos: Argentina 25 x 22 Brasil (11 x 7 pro Brasil, considerando-se apenas o Século 21). A ‘arrancada’ brasileira, porém, ainda demora a ter início: nos anos 1970, só a Raposa vai chegar lá. Mas a vitória de ontem prova que podemos, sim, ser campões continentais sem Pelé – desde que em campo tenhamos jogadores como Joãozinho, Nelinho, Palhinha, Piazza e o ‘Furacão’ Jairzinho, entre outros vencedores. E mesmo com a ausência do lesionado Dirceu Lopes (que ficou de fora do torneio) e, ainda mais sentida, de Roberto Batata, vítima em desastre de carro logo após a volta de Lima, na vitória sobre o Alianza, do Peru. Grande Batata…
O River, registre-se, também tinha seus desfalques. Chegou a Santiago (CHI) para o terceiro jogo da decisão (após perder de 4 x 1 no Mineirão e vencer por 2 x 1 em Buenos Aires) sem o goleiro Fillol, machucado, Perfumo, Passarella e Héctor López. Ou seja: com a defesa reserva. Mas fizeram jogo duro. Aliás, o que não vai diminuir com o Tempo será a ‘catimba’ e a truculência das partidas entre sul-americanos. Quando tudo caminhava pro 2 x 2, até o Destino, este ‘gozador’, foi surpreendido: não contava com a coragem e o atrevimento de Joãozinho, no que será eternamente chamado de ‘Gol da Molecagem’. Liberta!!!
Os 2 x 0 alcançados aos 10 minutos da Segunda Etapa deram a falsa ilusão de que o jogo estava dominado, só que não! Veio o empate e mesmo após o gol ‘moleque’ do arisco ponta-esquerda a tensão não deixava o gramado. Quarenta e blau: falta perigosíssima para o River na risca da grande área cruzeirense. E foi quando viu-se novo desvario em campo: Lacerda, o preparador físico do time mineiro, invadiu a cancha e deu um bico na bola, indo às arquibancadas. O pau quebrou, claro, mas a interrupção aplacou a pressão portenha. Certo? Errado? Vale tudo no esporte? Outra interessante dialética – olha ela aí de novo na crônica esportiva; requisitarei registro ao Guinness!
Já com a taça, os jogadores cruzeirenses se ajoelharam em círculo e rezaram (ou ‘oraram’, caso algum seja evangélico; até nisso seremos policiados no futuro) em memória de Roberto Batata. Justiça ao elenco que teve o ataque mais positivo na Fase Inicial do torneio, com 20 gols (o dobro do River), e o artilheiro, Palhinha, com 13. E uma campanha que teve largada histórica, naquela revanche da derrota da final do Brasileiro do ano passado, em março último (dia 7), em vitória de 5 x 4 sobre o Internacional de Porto Alegre. Em 2023, informo, ainda será tida por muitos como a maior partida entre times brasileiros no Mineirão. Números da epopeia: 13 jogos, 11 vitórias, um empate e uma derrota (aproveitamento de 87,2%); 46 gols feitos e 17 sofridos; em casa, seis vitórias em seis jogos. Cruzeiro!
⚽🏆 O gol da #GloriaEterna do @Cruzeiro!
🎥 A magistral cobrança de falta de Joãozinho na final contra o #RiverPlate entrou para a história celeste há 4️⃣5️⃣ anos e deu ao clube o título da CONMEBOL #Libertadores 1976. Heroico! pic.twitter.com/PxG6Js3kIH
— CONMEBOL Libertadores (@LibertadoresBR) July 30, 2021
Se você é cruzeirense, querido leitor ou querida leitora de 1976, sugiro que não leia este último parágrafo, para não estragar o clima de festa que toma Beagá e interior do Estado. Sinto informar que daqui a 47 anos a vida não estará assim tão azul para o clube. Retornando à Série A do Brasileiro (após 3 anos na Série B, creiam-me), desclassificado para a Finais do estadual e em meio a uma polêmica curiosa: após ver o seu fabricante de material esportivo, a Adidas, publicar anúncio chamando o rival Atlético (outro vestindo três listras) de “maior de Minas”, o clube da Toca da Raposa vai pedir a rescisão do contrato. Mas o mundo inteiro estará meio loucão, discutindo nova dialética (Três! Posso pedir música!) que será trazida pelo avanços tecnológicos: os perigos da chegada e aplicação avassaladoras da ‘Inteligência Artificial’ (aguardem!). Com computadores capazes de praticamente tudo, estaremos correndo o risco de, até no Futebol, não saber mais o que é real ou virtual (fake) nas imagens do esporte. E retomo a frase de abertura deste texto: Excitação pelo Futuro x Apego ao Passado. O Gol de Joãozinho, agora que estive aqui em 1976, posso garantir: foi real! E o ‘moleque’ será um eterno Rei para a imensa torcida celeste. ‘Libertas Quae Sera Tamen’ (Liberdade Ainda Que Tardia), está na bandeira de Minas. Mais do que nunca!
PARA VER LANCES E GOLS DO JOGO
FICHA TÉCNICA
CRUZEIRO 3 x 2 RIVER PLATE
Competição: Copa Libertadores da América de 1976 (Final)
Data: 30 de julho de 1976 (sexta-feira)
Estádio: Nacional
Local: Santiago (CHI)
Público: 35.182 pagantes
Renda: Cr$ 653.331,00 (cruzeiros)
Árbitro: Alberto Martinez Gonzáles (CHI)
Assistentes: José Martínez Bazan e César Orozco
CRUZEIRO: Raul, Nelinho, Moraes, Darci, Vanderley, Piazza (Valdo), Eduardo, Zé Carlos, Ronaldo, Palhinha e Joãozinho. Técnico: Zezé Moreira
RIVER PLATE: Landaburu, Comelles, Lonardi, Artico, Urquisa, Sabela, Merlo, Alonso, Pedro González, Luque e Oscar Más (Crespo). Técnico: Angel Labruna
Gol: Primeiro Tempo: Nelinho, aos 24′; Segundo Tempo: Eduardo, aos 10′; Oscar Más, aos 14′; Urquiza, aos 19′; e Joãozinho, aos 43’
Cartões amarelos: Darci Menezes (Cruzeiro); Merlo e Artico (River Plate)
Cartões vermelhos: Ronaldo (Cruzeiro) e Alonso (River Plate)
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