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O Comentarista do Futuro ícone blog O Comentarista do Futuro Ele volta no tempo para dar aos torcedores (alerta de!) spoilers do que ainda vai acontecer

Leônidas, o ‘Santos Dumont’ da Bola

1932: Cronista vai a jogo do Bonsucesso em que Leônidas da Silva marca seu primeiro Gol de Bicicleta e revela futuro do craque com méritos não reconhecidos

O rádio, o avião, o relógio de pulso, a fotografia e a máquina de escrever são algumas invenções às quais vocês, queridos leitores e leitoras de 1932, já foram apresentados e que chegarão ao próximo século ainda como ‘orgulho nacional’, por terem sido criadas por brasileiros – nem todas elas, adianto, com paternidade atestada ou aceita no resto do mundo. Até lá, se juntarão a essa lista o ‘carro hidramático’ (com câmbio automático), a ‘radiografia’ (uma foto do interior do corpo humano), o ‘escorredor de arroz’ (para evitar pias entupidas) e outras novidades difíceis de explicar, como ‘urna eletrônica’, ‘cartão telefônico’, o ‘walkman’ e a ‘escova progressiva’.

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Pois saibam que nasceu ontem, no campinho da Estrada do Norte, no Rio, durante a goleada de 5 x 2 aplicada pelo Bonsucesso no Carioca F.C., mais uma contribuição verde-e-amarela para a Humanidade: o ‘Gol de Bicicleta’, acrobático movimento em que o jogador, de costas para a meta, se lança num salto para chutar a bola. Foi para testemunhar este momento histórico que viajei até aqui, deixando 2022, graças a uma Máquina do Tempo – que não terá sido inventada, mas da qual serei único e privilegiado proprietário. O autor da façanha é um ainda pouco conhecido jovem atacante do rubro-anil carioca, Leônidas da Silva. Guardem bem este nome, pois será um dos maiores craques de bola de todos os tempos. Pena que, assim como alguns inventos nacionais, não reconhecido.

Não vou iludir ninguém: no futuro o próprio Leônidas dirá que não foi ele o ‘inventor’ da jogada. Mas graças à recorrência e, principalmente, à exuberância com que a executará, seu nome vai quase virar sinônimo do arrojado movimento. Oficialmente, a primeira vez que o lance foi testemunhado numa partida teria sido em 1914, proeza de um espanhol naturalizado chileno, Ramón Unzaga, que provavelmente aprendeu a acrobacia nas ‘peladas’ de marinheiros em portos do Chile e Peru, junto ao Oceano Pacífico. Daí que, pelas próximas décadas, países de língua
espanhola chamarão o ‘Gol de Bicicleta’ – que assim se consagrará entre nós – de ‘Chilena’. Com exceção do Peru, onde adotarão ‘Chalaca’ (por defenderem que foi criação de um jogador do Chalaca F.C), da Argentina e Equador, onde mais comum será se referir ao lance como ‘Tijera’ (tesoura). Só pra cortar nosso barato…

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Time do Bonsucesso, do Rio de Janeiro, com Leônidas da Silva -
Time do Bonsucesso, do Rio de Janeiro, com Leônidas da Silva –

Como muitos vão querer ser o ‘pai da criança’, muitos também serão seus nomes:

  • Para os ingleses, ‘Bicycle Kick’ ou ‘Scissors Kick’ (tesoura), mesma referência que vai ser adotada pelos franceses (‘Ciseaux Retourné’) e gregos ‘Psalidaki’;
  • Para os alemães, mais cartesianos, ‘Fallrückzieher‘ (chute retrocedente);
  • Batismo descritivo também na Polônia, ‘Przewrotka’ (chute sobre a cabeça), na Holanda, ‘Omhaal’ (chute de reviravolta) e na Itália, ‘Rovesciata’ (chute inverso).

Mas a importância decisiva que o jovem Leônidas terá na popularização da jogada pode ser melhor medida pela forma como será conhecida na Noruega: ‘Brassespark’ (chute brasileiro). E revelo a todos o motivo: daqui a seis anos, na terceira edição da Copa do Mundo, que vai acontecer na França, o arrojo e a plasticidade da ‘Bicicleta’ serão apresentados ao mundo, para assombro e aplausos, por ninguém menos que este talentoso jovem (19 anos) baixinho (1,65m) do Onze da Leopoldina carioca. Sim, já a partir do próximo mundial, 1934, na Itália, Leônidas estará defendendo nossa pátria. Anotem: fará 9 gols nos dois Mundiais, um deles com o pé descalço, sendo o artilheiro e melhor jogador eleito na disputa em terras francesas. Pela Seleção Brasileira, alcançará a lendária marca de 21 gols em 19 jogos, sendo em 2022 ainda a melhor média de um artilheiro do escrete nacional. Sinto informar, porém, que uma nefasta Guerra que eclodirá na Europa o impedirá de mostrar ainda mais seu talento ao Mundo, pois não teremos Copa em 1942 e 1946. Réch-tégui falei! Desculpem, piada interna…

Àqueles que não perceberam o garoto entre os cariocas que venceram o Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais do ano passado, aviso que, já em dezembro próximo, Leônidas terá a primeira chance no selecionado nacional, por conta de uma contusão de um de nossos principais atacantes. E vai fazer bonito: dois tentos na vitória (2 x 1) que alcançaremos sobre os campeões do mundo (Uruguai) em pleno Estádio Centenário. Em 1934, depois de marcar o único gol – infelizmente – brasileiro no Mundial, troca o ‘Bonsussa’ pelo Peñarol, onde será anulado não por zagueiros uruguaios mas por uma contusão no joelho, voltando no mesmo ano. E será aí, anotem, que inicia sua fase de ouro nos gramados, atuando em Vasco, Botafogo, Flamengo e São Paulo. E conquistando títulos por todos, principalmente pelo tricolor do Morumbi, onde erguerá cinco estaduais em sete que vai disputar. Serão ao todo 429 gols em jogos profissionais. Muitos ‘de bike’!

Leônidas, Friedenreich e Pelé: três gênios do futebol brasileiro -
Leônidas, Friedenreich e Pelé: três gênios do futebol brasileiro –

Pelo Flamengo, executará a jogada uma única vez, em 1939, mas num confronto marcante, contra o Independiente da Argentina. Pelo São Paulo, serão cinco gols de ‘Bicicleta’, o primeiro daqui a dez anos, em 14 de junho de 1942, contra o Palestra Itália, em derrota por 2 a 1. O segundo, que será o mais famoso e imortalizado numa foto de Alberto Sartini, acontece em 13 de novembro de 1948, em goleada de 8 x 0 sobre o Juventus. Aproveitem, portanto, caros torcedores e torcedoras de 1932, pois tenho pena dos pobres mortais do futuro, tão poucos serão os
registros em filme deste craque em campo. Por sorte, num longa-metragem de ficção que será rodado em 1951, ‘Suzana e o Presidente’, o já quase quarentão Leônidas, pela gigantesca popularidade conquistada, fará participação como ator. Dando ‘bicicleta’ e tudo.

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É até difícil descrever a estatura que este baixinho em breve alcança no futebol brasileiro – ainda mais pra mim que, sei muito bem, já sou lido com descrédito ao me apresentar como alguém que veio do futuro. Pelas habilidades com a bola, ganhará dois apelidos: ‘Homem Borracha’ (no Uruguai) e, o mais famoso, ‘Diamante Negro’ (dirão que ideia de um jornalista, Raymond Thourmagen, após a performance na Copa da França: 8 gols em 7 jogos). Se não foi exatamente o pai da ‘Bicicleta’, outros créditos terão que obrigatoriamente ser creditados a ele. Como o de primeiro ídolo negro do esporte nacional ou o de primeiro jogador de futebol do país a extrapolar os campos, tornando-se ícone de campanhas de publicidade em todo o país. Até uma grande marca de alimentos vai rebatizar com a alcunha mais popular uma de suas barras de chocolate, que em 2022 seguirá deliciosa e entre as mais vendidas no mercado. Logo, logo, aviso mas não recomendo, muitos dos senhores e das senhoras estarão a usar relógios e fumar cigarros ‘Leônidas’, a conferir…

Não é só. A música brasileira também vai se render à genialidade e ao carisma do atacante, com canções-homenagem. Uma delas expressará bem o fascínio coletivo que ele encerrará: “Eu só queria fazer com a cabeça o que o Diamante Negro faz com os pés”. E deixo aqui uma sugestão de letra para Nelson Petersen usar e a nossa querida Carmem Miranda cantar: ‘Você pensava que o ‘Diamante’ fosse joia de mentira para tapear/ Você pensava que o ‘Caboclinho’ fosse negro de senzala para se comprar/ Só porque viu que ele tem um pé que deixou o mundo inteiro em revolução/ Quando ele bota aquele pé em movimento, chuta tudo para dentro e não tem sopa não.’ Que tal?

Por essas e outras, a futura transferência do Flamengo para o São Paulo vai custar ao clube paulistano uma  dinheirama capaz de comprar três casas de quatro quartos na Avenida Lorena, região nobre da cidade. E pouco importa se foi ou não o inventor da ‘Bicicleta’, até porque essa história ainda vai mais alto. Outro jogador chileno, Davis Arelhano, também entrou no páreo há cinco anos, quando, atuando pelo Colo Colo em excursão à Espanha, executou o malabarismo e, pela novidade, acaba contratado pelo Valladolid. Mesmo aqui no Brasil, outros jogadores, como Petronilho de Brito e Belfort Duarte, já tinham executado o salto antes do lance de ontem, mas na defesa, para afastar a bola de sua meta. O próprio Unzaga, ‘pai no papel’, também o utilizava defensivamente, pois era centromédio. Um dia arriscou no ataque e … Pimba! Nasceu a criança. E registre-se no cartório.

Até 2022, teremos momentos sublimes do chute de ‘Bicicleta’ pelos pés de futuros jogadores como – anotem os nomes – Rivaldo (no Barcelona, contra o Valencia, em 2001), Cristiano Ronaldo (pelo Real Madrid, contra a Juventus, em 2018) e Enzo Francescoli (pelo River Plate, contra a Polônia, em 1986). Listas com os mais belos gols de ‘Bicicleta’ de todos os tempos esquecerão Leônidas, pela falta de registro em filmes de suas jogadas. O espevitado atacante – que ainda brilhará como comentarista esportivo na vida – será imortalizado na futura letra do Hino do Bonsucesso e  batizando o estádio do clube – o mesmo de ontem, remodelado. É pouco para quem tem nome de Imperador e o mais brasileiro dos sobrenomes. Rogo aqui que no futuro esqueçam a coreografia do lance e jamais fiquem de costas para Leônidas da Silva. Ontem foi apenas o primeiro salto. Assim como nosso compatriota Santos Dumont, ele ainda vai voar alto.

PARA VER LEÔNIDAS FAZENDO ‘GOL DE BICICLETA’ COMO ATOR NUM FILME DE 1951

PARA VER IMAGENS RARAS DE LEÔNIDAS EM AÇÃO

PARA VER IMAGENS DA ESTREIA DO BRASIL NA COPA DE 1938

PARA OUVIR ENTREVISTA DO CRAQUE E NARRAÇÃO DE GOL DE BICICLETA EM 1942

PARA VER LEÔNIDAS CONTANDO SOBRE O ‘GOL DE PÉ DESCALÇO’ NA COPA DE 1938

PARA VER AS BICICLETAS DE RIVALDO, CRISTIANO RONALDO E FRANCESCOLI

https://www.youtube.com/watch?v=RYFlfeYfUKg&ab_channel=TresCuatroTresTV

FICHA TÉCNICA

BONSUCESSO 5 X 2 CARIOCA

Competição: Amistoso (jogo preparatório para o campeonato carioca de 1932)
Data: 24 de abril de 1932
Local: Estrada do Norte (Bonsucesso)
Horário: 15h25
Árbitro: Luiz Neves

BONSUCESSO: Durval; Cozinheiro e Heitor; Loló, Otto (Eurico) e Cláudio; Carlinhos, Prego, Gradim, Leônidas da
Silva e Miro.

CARIOCA: Princeza; Ethero (Nilo) e Tuíca; Alcides, China e Nestor “Baptistaca”; Manoelzinho (Carijó), Anthero, Hernandez (Raphael), Gentil e Jarbas.

Gols: primeiro Tempo: Carlinhos, aos 10’; Leônidas da Silva, aos 30’, ambos para o Bonsucesso; segundo Tempo: Prego, aos 2’ (Bonsucesso); Gentil, aos 17’ (para o Carioca); Carlinhos, aos 20’ (Bonsucesso); Miro, aos
26’ (Bonsucesso); Jarbas, aos 35’ (Carioca)

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