Existe matemática no futebol?
Cronista volta 49 anos (2022 - 1973 = 49) para ver erro de contagem do juiz Armando Marques na final Portuguesa x Santos e descobre o real ‘culpado’
Futebol, decididamente, não é uma ‘ciência exata’. Tanto assim que em 2022, de ‘quando’ venho, aqueles que não forem bons em Aritmética ainda terão opções profissionais mais, digamos, ‘humanas’, como jogar bola ou se tornar jornalista esportivo. Já para a formação de Árbitro de Futebol, principalmente a partir de ontem, é e continuará sendo fundamental ter alguma base na ciência dos números – nada muito elaborado, bastando ao menos saber contar até 5. O Excelentíssimo Senhor Armando Marques, o ‘Homem de Preto’ nessa final entre Portuguesa x Santos, decidindo o Paulistão, levaria ‘bomba’ num suposto exame de contratação. O que ele fez, queridos leitores e leitoras de 1973, atravessará o próximo meio século sempre apontado como o mais bizarro erro de arbitragem do futebol brasileiro, quiçá mundial! E olha que no próximo Milênio, os Anos 2.000, a quantidade de equívocos e polêmicas nos gramados será em número bem maior do que hoje, mesmo eu não conseguindo expressar o aumento em números ou percentuais. Sou melhor em ‘contar’ (histórias) do que em fazer contas. Mas essa de ontem eu acertaria. Quem não? Elementar, meu caro Armando!
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Não me apropriei do clássico bordão de Sherlock Holmes por acaso. Realizei ontem, ao final do jogo, meu sonho de criança de um dia se transformar num detetive particular, mais na linha ‘Kojak’ – policial de uma série de TV que estreia daqui a dois meses nos EUA e em breve fará muito sucesso no Brasil, virando até sinônimo de ‘careca’ e marchinha de carnaval. Viajei em minha Máquina do Tempo porque este episódio sempre me intrigou deveras, por um detalhe simples. Costumo dizer que ‘a regra é clara’ (e novamente deixo aqui minha sugestão de frase marqueteira para futuros analistas de arbitragem) quando traz em seu texto, por exemplo, que é obrigatória a cobrança das 10 penalidades, mesmo que a vitória já tenha se definido antes. Curiosamente, informo a vocês, queridos torcedores de 1973, que a partir desta trapalhada do Armando, a premissa será mudada, bastando então que a vantagem em número de gols assinalados seja irreversível para o juiz suspender os chutes. De onde – ou de que bolso – então o badalado árbitro tirou esta ideia de antecipar o resultado após apenas 3 cobranças de cada time? Estamos diante de um juiz inovador e/ou com poderes sensitivos de prever as mudanças nas regras do jogo? Saquei meu cachimbo, meu casacão (ajudado pelo frio cinzento ontem em Sampa) e minha boina xadrez para ‘cair dentro’, investigar esta história. E confirmei minhas suspeitas: foi tudo mais uma ‘boa malandragem’ do Rei Pelé.
Explico: no momento em que o atacante Wilsinho, da Lusa, acertou o baliza, já eram 6 cobranças realizadas e o placar estava 2 x 0 para o Santos. Até um estudante de Comunicação Social – assim chamaremos todas as faculdades de Jornalismo – sabe que, ma-te-ma-ti-ca-men-te, a Portuguesa ainda poderia empatar, convertendo em gol as suas duas últimas cobranças e desde que o Santos perdesse o par de chutes que lhe faltava para os 5 exigidos pela regulamento. Acontece que, mal a pelota do Wilsinho estalou na trave, Pelé saiu dando saltos e festejando o título, o que influenciou Armando Marques, ou melhor, induziu ao erro grosseiro que acabou cometendo. E verdade seja dita: o juiz deixou o gramado, entrou em seu vestiário e já tirava uma das meias sem que ninguém o tivesse interpelado quando, posso garantir, um de seus auxiliares, Emídio Marques, se aproximou dando o alerta sobre o equivocado e precoce encerramento da disputa. E só assim poderemos entender melhor a frase com que o veterano Armando se desculpará hoje pelos jornais: “Estão falando em Erro de Direito (…) O que houve mesmo foi erro de Mobral”. De fato, entre os 116 mil torcedores no Morumbi (novo recorde no campeonato), os poucos que sabiam resolver alguma conta simples demoraram 15 minutos para fazê-lo! Talvez com a ajuda de um ábaco, daqueles bem coloridos.
Como a maioria dos que me leem já devem saber, o título deste 72º Campeonato Paulista foi dividido entre os dois clubes – em decisão tomada ontem mesmo, após reunião de 13 minutos entre os presidentes dos times e o da Federação de Futebol do Estado. Como justificativa, o fato de o Campeonato Brasileiro começar já na próxima quarta-feira. O resumo da ópera (Bufa): com apenas uma corridinha festiva e um soco no ar, Pelé fez mais um ‘gol’ e deu novo título (13º estadual) ao Santos, após 4 anos de inesperado jejum. E como monarca bondoso que é, ainda fez questão de dar também à Lusa a sua última conquista no Paulistão. A construção da frase anterior atende às duas opções de compreensão do leitor: será esta a última vez que Pelé será campeão paulista, o mesmo valendo para a Portuguesa – ao menos até 2022. ‘Golaço’ duplo do Rei! E ainda foi artilheiro (26 gols) do certame!
No Morumbi, depois de admitir pro próprio ego que de fato se embananara todo na contagem dos pênaltis, Armando Marques até tentou reiniciar a partida, mas foi quando descobriu que os atletas já não tinham como voltar a campo, em circunstâncias igualmente suspeitas. Pra vocês terem uma ideia, ao ser chamado para retornar, o jogador Basílio sequer tinha mais consigo o uniforme e as chuteiras. Todo o seu material de jogo – assim ele vai contar no futuro – já tinha sido apressadamente recolhido pela comissão técnica da Portuguesa e levado pra longe do estádio. Banho? Os jogadores foram proibidos pelos dirigentes da Lusa de tomar no Morumbi. O negócio era correr para o ônibus e ir embora o quanto antes. Lá no Canindé foi liberada, enfim, uma ducha. Que lambança! – inclusive a literal.
Revelo a vocês, queridos leitores e leitoras de 1973, que, mesmo protagonizando este espetáculo cômico, será mais uma vez Armando Marques (que já foi em 1966) o árbitro a representar o Brasil na Copa do Mundo do ano que vem, na Alemanha. Vai entender… Claro que o carioca Armando Nunes Castanheira da Rosa Marques merece todo nosso respeito, pois atravessará as décadas como maior referência da arbitragem brasileira, não apenas pela performance e gestual diferenciados (sempre extravagantes) mas também pela qualidade e pulso na condução das partidas (embora fazendo isso pondo o dedo em riste na cara dos jogadores). Uma carreira marcada também por polêmicas, desde 1963, quando chamou pra si os holofotes e a atenção de torcedores e mídia ao expulsar Pelé. Terá sido ontem um troco do Rei?
Só finais de Campeonato Brasileiro Armando apitou – pelo menos a primeira ou a segunda partida – oito vezes: de 1962 a 1967 (esta última, Taça Brasil), depois em 1969 e 1971. E será escalado para mais uma, ano que vem, talvez novo prêmio por ter ficado em ‘segunda época’ ontem. Na Matemática, óbvio. Em Copas do Mundo, além daquele Alemanha Ocidental 2 x 1 Espanha, em julho de 1966, estará no comando de outro confronto no Mundial do ano que vem, entre Iugoslávia x Alemanha Ocidental, mas o placar não revelarei (‘Nota da Redação da Placar, em 2022: Alemanha ganhou por 2 x 0’). Decisões de Campeonatos Cariocas já foram quatro: 1962, 1965, 1968 e 1969. E até o fim da carreira ainda apitará mais uma, em 1976. Mineiros? Apenas em 1967. Partida decisiva no Paulistão? Nunca mais. A de ontem foi a terceira e última.
Nas duas finais paulistas anteriores, 1967 e 1971, outra polêmica do tamanho da altivez (ou arrogância?) com que trata os atletas em campo. Aposto que mesmo torcedores do Santos e Portuguesa lembram, certo? Aquele gol do Leivinha anulado na final entre Palmeiras e São Paulo, quando só Armando Marques enxergou a bola na mão do atacante alviverde. E ano que vem – alerta de ‘spoiler’ –, aguardem, teremos mais celeuma na final do Brasileiro, entre Vasco Cruzeiro, com novo gol anulado pelo folclórico e carismático árbitro, desta vez de Zé Carlos, do clube mineiro. É mesmo um ‘artista’ este Armando Marques. Tanto que, ao pendurar o apito, vai apresentar programa de auditório na TV Manchete, isso lá nos anos 90. Depois, assumirá o comando da Comissão Nacional de Arbitragem da CBF, voltando à berlinda pelas suas escolhas ao escalar árbitros no Campeonato Brasileiro. Grande Armando Marques!
Havia prometido a mim mesmo que resistiria à tentação de citar nesta resenha a velha máxima do ‘filósofo do futebol’ Neném Prancha, mas atesto aqui meu fracasso: “O pênalti é coisa tão importante, que quem devia bater é o presidente do clube”. Ele instruía seus jogadores a sempre bater forte, no canto ‘ras-tei-ro’, soletrava, com ênfase. E explicava suas razões: “A bola é feita de couro. Couro vem da vaca. E vaca come capim…” Ontem nenhum jogador seguiu o mestre. Mas antecipo a todos vocês, queridos leitores e leitoras de 1973, que neste escaninho da ‘penalidade máxima’, o futuro ainda nos reserva muitas novidades, como a ‘Cavadinha’, um passaporte para a consagração ou a desgraça de qualquer atleta, aguardem…
Talvez a mudança mais significativa eu tenha observado ao deixar 2022, em meio a vários jogos, em mata-mata, decididos na marca da cal. Com o tempo, os técnicos vão finalmente raciocinar e passar a inverter a lógica na ordem dos batedores em decisões por pênaltis. Os melhores cobradores, que hoje sempre ficam pro final da fila, no próximo século passarão a ser mais costumeiramente os primeiros a chutar. Ontem, por exemplo, teria sido Pelé, que não bateu, o cara a abrir a série de 10 penais. Por razões óbvias, das quais a própria disputa entre Santos e Lusa serve como demonstração. Mas a alteração de raciocínio ainda custa a acontecer. Há novidades e avanços que, mesmo escancaradamente positivos, melhores, demoram a emplacar. Como os ‘freezers’ dos refrigeradores em nossas cozinhas. No futuro alguém vai perceber que é muito mais inteligente que eles fiquem não na parte de cima e sim na metade inferior dos aparelhos – por comodidade, pois nos curvaremos menos em busca de alimentos. Mesmo assim, a maioria das marcas insistirá no design antigo. O que isso tem a ver com o Armando Marques? Fácil, como 2 + 2 = 4! Depois do erro de ontem, ele merecia ser punido e afastado por um tempo. Ou seja, ganhar uma boa ‘geladeira’.
PARA VER LANCES DO JOGO E A DISPUTA POR PÊNALTIS
https://www.youtube.com/watch?v=kDwDLdKjuJQ&ab_channel=FUTN%C3%81TICO
PARA OUVIR LANCES DO JOGO NA VOZ DE FIORI GIGLIOTTI
https://www.youtube.com/watch?v=kmGOyMk5lfo&ab_channel=FUTN%C3%81TICO
PARA VER A ENTREVISTA DE BASÍLIO EM 2020
https://www.youtube.com/watch?v=PMW80FT2gI8&ab_channel=NETLUSA
FICHA TÉCNICA
PORTUGUESA 0 x 0 SANTOS
Competição: Campeonato Paulista de 1973 (final)
Data: 26 de agosto 1973 (domingo)
Local: Estádio Cícero Pompeu de Toledo (Morumbi)
Cidade: São Paulo (SP)
Público: 116.156 (recorde paulista até então)
Renda: Cr$ 1.502.255,00 (Cruzeiros)
Árbitro: Armando Marques
Auxiliares: Emídio Marques de Mesquita e José de Assis Aragão
PORTUGUESA: Zecão; Cardoso, Pescuma, Calegari e Isidoro; Badeco, Basílio e Xaxá; Enéas (Tatá), Cabinho e Wilsinho
Técnico: Oto Glória
SANTOS: Cejas; Zé Carlos, Carlos Alberto, Vicente e Turcão; Clodoaldo, Léo e Jair da Costa (Brecha); Eusébio, Pelé e Edu
Técnico: Pepe
Pênaltis: Foram batidos 3 pra cada lado, nesta ordem, inicando as cobranças o Santos:
– 1ª cobrança: Zé Carlos (SAN), perdeu; Isidoro (POR), perdeu também;
– 2ª cobrança: Carlos Alberto (SAN), marcou; Calegari (POR), perdeu;
– 3ª cobrança: Edu (SAN), marcou; Wilsinho (POR), perdeu;
Não chegaram a bater: Pelé e Léo Oliveira (SAN); Basílio e Tatá (POR)
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