Bate-volta — dia 17: não teve ‘touradas em Seul’
Entediado com o Brasil 4 x 1 Coreia, cronista vai à maior festa do Maraca, em 1950, ao som da marchinha símbolo do 6 x 1 na Espanha
‘A Jardineira’, na voz de Orlando Silva, composição de Benedito Lacerda e Humberto Porto (“Oh, Jardineira/Por que estás tão triste? …”) e ‘Yes, Nós Temos Banana’, cantada por Almirante e da lavra de Braguinha e Alberto Ribeiro (“Yes, nós temos bananas/Bananas pra dar e vender/Banana menina tem vitamina/Banana engorda e faz crescer…”) foram dois sucessos da Folia de 1938, uma das melhores safras de marchinhas de todos os tempos. Por isso quero aproveitar esta resenha para fazer uma defesa dos ‘jurados’ que há doze anos desclassificaram a composição ‘Touradas em Madrid’, também de Braguinha, mesmo que tenha sido equivocada a alegação de ser um ‘pasodoble’ (ritmo espanhol) e não marcha. Ainda não era o momento dela; veio ao mundo antes da hora. Estava escrito que a música seria entoada por milhares de brasileiros no Carnaval de ontem, no Maracanã, quando a Seleção Nacional sapecou 6 x 1 no escrete espanhol, no embalo da melodia (e da letra) do craque ‘Braga’, que, sentado nas arquibancadas, chorou como um bezerro desmamado – órfão de pais mortos em alguma arena espanhola (‘Perdón’, não podia perder a deixa). Aproveito para dizer a vocês, queridos leitores e queridas leitoras de 1950, que sou um brasileiro do próximo século, de 2022, um Viajante do Tempo que retorna ao passado (do Futebol). E que escolhi vir até aqui – se juntando aos 152 mil torcedores na provável mais bela festa da história do Maraca – por dois motivos:
Assine #PLACAR digital no app por apenas R$ 9,90/mês. Não perca!
- Deixei o futuro durante a Copa do Mundo que daqui a 72 anos será realizada no Catar, sim, no Catar, Oriente Médio. E que voltarei ao Meu Tempo no dia em que o selecionado hispânico estará disputando as ‘oitavas-de-final’ (teremos isso, 16 equipes, dois a dois, classificando-se 8), em confronto com o Marrocos, sim, o Marrocos. Como se vê, já é uma primeira informação que trago do porvir: o mundo estará ‘globalizado’, ainda não se comportará exatamente como ‘um só’ (planeta), mas muitos de nós estaremos nos esforçando pra isso.
- Embarquei na Máquina do Tempo minutos após o árbitro encerrar o jogo da Seleção Nacional, também pelas tais ‘oitavas’, no mesmo Mundial do Catar. Um 4 x 1 na Coreia do Sul tão fácil – meio ‘xôxo’ – que deu até uma desanimada pra ir pra rua festejar a vitória, cair na farra e fazer aquela bagunça que a gente gosta. Pensei, então: “Quer saber? Vou me largar na maior festa que a torcida brasileira já fez numa Copa do Mundo”. E cá estou.
E saibam que ‘meti o pé-na-jaca’! – já se fala essa expressão aqui nos anos 50? Talvez seja melhor adaptá-la para: ‘meti a boca na manga’, pois o perfume da fruta foi o que senti no trajeto até o estádio, na ainda bucólica Tijuca carioca. Ao adentrar o ‘templo’, fui logo interpelado por um grupo, que me entregou um papel com a letra que, estavam tramando, todos deveríamos cantar durante a partida. O curioso detalhe, que só ontem descobri, é que tratava-se de uma paródia. Usando melodia e métrica de ‘Touradas em Madrid’ – que mesmo desclassificada caiu no gosto popular –, alguém fizera uma nova letra, com gozações a jogadores espanhóis, como Basora, Parra, Gaínza, Puchades e Panizo. Imaginem as rimas!
Não pegou! A letra não, a música sim. No começo, o pessoal até tentou cantar a paródia, mas eram muitos os tropeços na pronúncia dos nomes dos adversários. Foi entrar a bola de Zizinho, sexto gol do Brasil, aos 22’ da segunda etapa, e instalou-se a folia, todo mundo pulando, dançando e gritando muito – e também cantando, só que a marchinha original. Mas agora preciso entrar em assuntos chatos e peço a vocês, queridos leitores e queridas leitoras de 1950, que prestem máxima atenção: a notícia ruim é que os versos e notas da marcha carnavalesca, hino do triunfo, hoje ecoando por todo país, terá pouco mais que 15 minutos de fama – a propósito, é um conceito que lanço aqui para que venha a ser mais estudado na próxima década, ok? Daqui a três dias, na finalíssima contra o Uruguai, a canção passará a ‘última boa lembrança’ que guardaremos desse delicioso Mundial que estamos realizando no país, após 12 anos de espera forçada pela Guerra. E mais detalhes não darei. Sugiro, portanto, que aproveitem ao máximo este e os próximos três dias de felicidade, metam o pé em tudo que é fruta por aí, e sempre cantando:
“Eu fui às touradas em MadriE quase não volto mais aquiPra ver Peri, beijar CeciEu conheci uma espanholaNatural da CatalunhaQueria que eu tocasse castanholaE pegasse touro à unhaCaramba! Caracoles! Sou do sambaNão me amolesPro Brasil eu vou fugir!Isto é conversa mole para boi dormir!”
Aos que chegaram até aqui neste texto, mesmo que apenas por achar graça no cronista que diz ser do futuro, darei agora, de brinde, novas informações sobre o Futebol no Século 21. Quando se iniciar a Copa no Catar, a Espanha já haverá conquistado assento no ‘Jogo das Cadeiras’ para figurar entre as grandes potências do esporte. Títulos em Mundiais, terá apenas um, contra cinco – repito: cinco! – nossos. E resolvi cometer tamanha inconfidência numa tentativa de aplacar a dor que se aproxima, ao menos aos poucos leitores que venham a pôr fé em minhas palavras.
No busca pelo hexacampeonato, que chamaremos de “hexa’, pela proximidade e/ou intimidade, em 2022 só poderemos esbarrar com a seleção espanhola na Final. E nossos rivais estarão com um bom time, jovem, quase tão perigoso como o esquadrão que batemos ontem, o Onze de melhor campanha na Fase de Grupos da Copa no Brasil. As três vitórias (3 x 1 EUA; 2 x 0 Chile; e 1 x 0 Inglaterra) que os habilitaram a disputar o quadrangular final (com Brasil, Suécia e Uruguai), lhes renderam também um novo apelido: ‘Fúria’ – e saibam que assim ainda serão conhecidos no Século 21. E que a Espanha, de quem perdemos em 1934 (3 x 1), não terá a mesma sorte nos encontros em Copa com a Seleção Brasileira até 2022: em 1962 (2 x 1 pra nós); 1978 (0 x 0); e em 1986 (nova vitória, 1 x 0). Deverão estar furiosos…
A emoção e os placares dos quatro grupos deste Mundial do Brasil estão fazendo com que seja aprovado com louvor (“Dez! Nota dez!” – piada interna) o sistema adotado este ano, em substituição ao das Copas anteriores, apenas com jogos de eliminação (‘mata-mata’) desde a primeira partida. Não fosse o empate com a Suíça (2 x 2) – em meio às vitórias sobre México (4 x 0) e Iugoslávia (2 x 0) –, teríamos o melhor retrospecto. O único porém foi o Grupo 4, por conta da inesperada desistência de Escócia e Turquia, que fez com que os sortudos uruguaios passassem ao quadrangular final disputando apenas um jogo, os 8 x 0 sobre a Bolívia. Paciência… Depois, como se sabe, a ‘Celeste’ empatou com a Espanha (2 x 2) e venceu a Suécia (3 x 2), enquanto demos aquele ‘sacode’ nos suecos (7 x 1) e, ontem, outro nos espanhóis. Resultado: precisaremos apenas de um empate para conquistar a Taça, dentro de três dias. Mas ‘o jogo é jogado’, diz o ditado, seja lá o ano em que ele nasceu ou nascerá.
E pouco importa também que vamos chegar após este passeio de 6 x 1. E muito menos que o Uruguai tenha sido ‘favorecido’ pela tabela. Não haverá o que faça a FIFA revisar o resultado da partida. Será o que vai ser. Mas se o campeão desta Copa de 1950 ainda será o mesmo em 2022, o autor do primeiro gol brasileiro ontem, não. Todo mundo viu que foi o Ademir de Menezes, nosso ‘Queixada’, que arrematou, mas na súmula o tento foi creditado como ‘contra’, do espanhol Parra, em quem a pelota resvalou. Quem puder avise ao craque: nada de se aborrecer muito com isso, porque um dia, garanto, a FIFA vai rever e aprimorar seu conceitos sobre ‘gol-contra’ e consertar o erro, devolvendo a autoria oficial e legítima ao atacante do Vasco – coincidentemente, o ‘Time da virada’. Vai virar! Só que daqui a 71 anos. Mas vai.
Inebriado pelo ‘carnaval’ de ontem, me despeço contando que, se minha memória não falha, outra festa unindo todo o povo brasileiro assim só voltaremos a ver daqui a quase 40 anos, batendo palmas para a democracia e pedindo eleições diretas. E teremos uma canção marcando o momento também! Em se tratando de Seleção, as comemorações da torcida – tanto nas arquibancadas, em jogos do escrete, como nas ruas, no pós-vitórias em Copas – também irão, progressivamente, perdendo força. Colaborando, assim, para uma percepção que, em 2022, vai incomodar a muitos de nós: a de que, com o Tempo, estejamos talvez andando não pra frente, mas pra trás. O mundo, por exemplo, como já disse acima, ficará mais ‘globalizado’, mas parecendo menos humano. Relaxem, claro, pois pode ser apenas o cronista ficando velho. Voltarei à Minha Época energizado pela alegria que vi ontem no povo brasileiro. E cheio de sonhos para que conquistemos o hexa e nos animemos, todos, juntos, a fazer um carnaval, o maior de todos os tempos, no Brasil. Ao som de qualquer canção – seja qual for o estilo – do cancioneiro popular. Espero e torço para que os jogadores do futuro Onze Nacional, em 2022, não se empolguem demais com a goleada que daremos na Coréia! Nada de ‘já-ganhou’! “O próximo jogo é sempre o mais importante!” O Brasil de 1950 em breve vai aprender isso; o Brasil de 2022 não pode esquecer a lição.
PARA VER UM COMPACTO DO JOGO
https://www.youtube.com/watch?v=ODHdE08yyC8
PARA OUVIR A PARTIDA NA VOZ DE JORGE CURY
https://www.youtube.com/watch?v=rKfcBjgImJQ
PARA OUVIR O PÓS-JOGO DO RÁDIO DA ÉPOCA
https://www.youtube.com/watch?v=IlrLle47vEw
FICHA TÉCNICA
BRASIL 6 x 1 ESPANHA
Competição: Copa do Mundo de 1950 (Brasil) – Segunda Fase – Grupo 1
Data: 13 de julho de 1950
Horário: 15h (local)
Local: Estádio Jornalista Mário Filho (Maracanã), Rio de Janeiro
Público: 152.772 pessoas
Árbitro: Reginald Leafe (Inglaterra)
Assistentes: George Mitchell (Escócia) e José da Costa Vieira (Portugal)
BRASIL: Barbosa; Augusto e Juvenal; Bauer, Danilo e Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico. Técnico: Flávio Costa
ESPANHA: Antonio Ramallets; Gabriel Alonso e Juan Gonzalvo II; Mariano Gonzalvo III, Jose Parra e Antonio Puchades; Estanislao Basora, Silvestre Igoa, Zarra, Jose Panizo e Gainza. Técnico: Guillermo Eizaguirre
Gols: Primeiro Tempo: Ademir, aos 15′; Jair, aos 22′; e Chico, aos 31′; Segundo Tempo: Chico, aos 10′; Ademir, aos 12′; Zizinho, aos 22′; e Silvestre Igoa, aos 26′
Cartões Amarelos: Bigode (BRA)
QUER FALAR COM O COMENTARISTA DO FUTURO? QUER CONTAR ALGUMA HISTÓRIA OU SUAS LEMBRANÇAS DESTE JOGO?
Escreva para o colunista: [email protected]