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O Comentarista do Futuro ícone blog O Comentarista do Futuro Ele volta no tempo para dar aos torcedores (alerta de!) spoilers do que ainda vai acontecer

Bate-volta — dia 13: no fundo é ‘nóis’ contra ‘nóis mermo’

Cronista vai à 1974, ver os 3 x 0 sobre o Zaire, primeiro jogo do Brasil contra país africano em Copa, e revela embates futuros, como o de hoje no Catar

“O time ‘dus cara’” é como chamaremos, no próximo século, tanto a galera da rua do lado, com quem a nossa turma sempre joga aquela ‘pelada’, como o adversário que enfrentaremos na próxima rodada da Copa do Mundo. Entre as seleções africanas, a rapaziada que ‘mora logo ali’ e ‘tava sempre por aqui, ou a gente lá’, batendo uma bola, deve certamente ter sido, no início dos anos 60, a ‘malandragem’ da República Árabe Unida – país que até 1958 juntava em seu escrete os melhores do Egito e da Síria. Cheguei a essa conclusão após observar que foi contra eles que jogamos (‘tô’ falando da seleção brasileira, entendeu, né?) em três das quatro primeiras partidas que fizemos contra africanos na História, todas na terra deles. Imagino que nenhum de vocês, queridos leitores e queridas leitoras de 1974, jamais tenha se interessado pelo assunto, até porque selecionados da África só vieram aparecer à nossa frente em Mundiais ontem, nessa vitória suada sobre o Zaire, 3 x 0,exatamente o número de gols que a gente precisava pra avançar à Segunda Fase aqui na Alemanha. Detalhe: com gol espírita de Valdomiro. Pois saibam que antes do fim deste século as equipes africanas vão mostrar o seu valor. Sou um Viajante do Tempo, vindo do futuro, e voltarei a 2022, ‘quando’ ou ‘onde’ (a gramática não previa tamanha tecnologia) vivo, no exato dia de novo confronto com um escrete do continente, o camaronês, valendo pela terceira rodada da 22ª Copa do Mundo, no Catar. Com o Brasil já com duas vitórias no certame, e portanto classificado, quero muito que todos nós, torcedores brasileiros de 2022, possamos relaxar, abrir uma ‘gelada’ e botar pra fritar os camarões (nos dois sentidos). Ou uma carninha mesmo, tá valendo! Mas com vitória! E me preocupa o fato de que entraremos em campo com um ‘time reserva’, nas palavras da comissão técnica – logo eles, que diziam que “neste grupo todos são titulares”!

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Senti ontem o quão deve estar sendo difícil assistir ao Brasil jogando um Mundial sem Pelé em campo – e só agora, com o discernimento de um adulto às portas da terceira idade, consigo perceber isso, oculto para aquele garoto de 9 anos que também está por aí, entre nós, vendo tudo pela TV. A primeira Copa a gente nunca esquece! Sinto informar, porém, que esta geração de Nelinho, Luís Pereira, os dois Marinhos (Peres e Chagas), Carpeggiani, Leivinha e Valdomiro, entre outros, não será campeã do mundo. Nunca. E daqui a 48 anos, ou bem antes disso, ficará fácil reconhecer que hoje temos, sim, excelentes talentos, mas o Destino – esse ‘gozador’, que a cada viagem conheço mais e mais – vai enviar surpresas em nossos caminhos: uma laranja, mecânica, pro time escorregar (sim, mataram, será a Holanda o nosso algoz este ano, #falei!), uma ditadura pra levar a taça na mão firme (e ‘grande’!), um italiano na pequena área, umas balizas que vão encolher justo na hora da disputa por pênaltis e um craque argentino canhoto e marrento. Sim, sofreremos tudo isso até chegar, enfim, o Dia do Tetra, lá no longínquo 1994, vocês aguentam? Como diz aquele bordão do eterno guru Paulo Silvino na TV: “Gueeeeeeeeennta!” (Como esquecer?). 

Serão 24 anos de espera, a mesma que nos incomodará em 2022, pois a Seleção Brasileira desembarcará no Catar também com duas dúzias de anos na fila. E reunindo duas gerações no elenco, ambas não querendo se alinhar à turma dos que não nos deram uma Taça. Porque a gente sabe como, principalmente no Brasil, faz diferença: ser um ‘ex-jogador de futebol’; ou um ‘ex-jogador de futebol campeão do mundo’. Mas adianto que no futuro teremos ao menos uma exceção: os 22 convocados que participarão do Mundial de 1982, na Espanha. Mesmo sem levantar o caneco, alcançarão o ‘Salão Nobre dos Eternos’, o que acharei muito bacana, mesmo a vida e o tempo nos ensinando que isso, sim, fama, não faz diferença alguma. Ao gramado, todos voltaremos.

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Um bom termômetro para constatar essa diferença de status entre ex-atletas é acompanhar, de hoje até daqui a 48 anos, as transmissões dos jogos e ‘mesas redondas’ sobre Copa na TV. Cada vez mais a categoria ‘ex-jogadores dando pitacos como comentaristas’ dominará os estúdios. E os ‘campeões mundiais’ largarão na frente, pra depois, já nos anos 20 dos Séculos que se avizinha, perderem espaço pra gente que jamais botou a chuteira num Mundial, uns com mais, outros com menos habilidade ao jogar com as palavras. Também será emergente (e urgente!) a presença na imprensa esportiva de ex-jogadores que fortalecerão conceitos ou valores em avanço no futuro: como o daqueles que irão reafirmar (positivamente) a diversidade; e os que terão largado a bola e seguido carreira numa profissão em alta no Século 21: influencer.  Aguardem! 

Em 2022, todos esses analistas serão unânimes em reafirmar que a seleção brasileira ainda exibirá futebol bem superior ao de qualquer escrete africano. Desde aqueles ‘rachões’ lá dos anos 60 com a turminha da RAU (terá sido assim a pichação deles nos muros da República Árabe Unida?), o primeiro em 29 de abril de 1960, 5 x 0 ‘pra nóis’. Depois vieram um 3 x 1 e 1 x 0. ‘Molezinha’ … Mas ontem não! O Brasil custou a achar os 3 x 0 (quem mandou só empatar com Escócia e Iugoslávia?). E, no caso do escrete canarinho, o melhor sensor para medir o grau de irritação dos jogadores é olhar pra cara do nosso bigodudo camisa 10. E o Riva parecia ‘brabo’! 

O importante é que alcançamos o placar que nos assegurava a passagem à segunda fase. Mas… Aqui entre nós: “Ôôô, joguinho ruimmmm”! Tão, mas tão ruim, que o melhor lance, que será sempre lembrado, foi aquele chute repentino do jogador Ilunga Mwepu, mandando a bola longe quando Rivellino se preparava para bater uma falta em frente da área, já então 2 x 0 para o Brasil. Ficou todo mundo sem reação, exceto o árbitro, claro, que sacou a tarjeta amarela. Pois saibam que, ao contrário do que possa ter sido publicado, depois saberemos que o gesto aparentemente transloucado foi um pedido de socorro. Em entrevista que dará à revista francesa FourFourTwo, o jogador revelará que as derrotas nas duas primeiras partidas fizeram chegar ao elenco um ‘recadinho’ do ditador no Zaire, Mobutu Sese Seko: se o time perdesse pro Brasil por mais de quatro gols… Não sobraria um jogador pra contar a história. Diante do risco de novo gol de Rivellino, que já tinha marcado o segundo, Mwepu não teve dúvidas. Bola pro mato que minha vida é o meu campeonato!

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Ao Zaire, sinto informar, nunca mais vai conseguir classificar-se para uma Copa, sendo portanto essa, encerrada ontem, a primeira e única experiência, que saboreou sem marcar nenhum gol e levando 14 (com relevante colaboração dos 9 aplicados pelos iugoslavos). A única vez, nos próximos quase 50 anos, que o Zaire – que até lá já terá, digamos, “se reposicionado” como ‘Congo’ _ alcançará novamente algum destaque no futebol mundial será em 2010, quando uma desconhecida equipe do país, o Mazembe, num torneio de clubes campeões dos cinco continentes, irá à final batendo, numa baita ‘zebra’, um importante clube brasileiro, o Internacional de Porto Alegre. Mas os africanos vão morrer na praia do Atlântico – menos mal que, dessa vez, somente em sentido figurado.

Até a disputa no Catar, o Brasil já colecionará 37 partidas com nações africanas, com 34 vitórias e apenas uma derrota, justo para Camarões, nosso adversário no futuro. O ‘tropeço’ vai acontecer em 2003, pela Copa das Confederações– torneio que vocês, queridos leitores e queridas leitoras de 1974, ainda vão conhecer. Em jogos Mundiais, teremos 100% de vitórias. E Camarões, com o encontro que aguardo, se tornará a equipe que mais vezes nos enfrentou, três. A disputa com selecionados do continente será um pouco mais acirrada em Jogos Olímpicos, com 6 vitórias brasileiras, três empates e três triunfos africanos – um deles, aliás, preparem-se, bem traumático, mas manterei esta informação em segredo. (‘Nota da Redação da Placar em 2022: Nigéria 4 x 3 Brasil, na final dos Jogos de 1996; quatro anos depois, foi a vez de Camarões (2 x 1) eliminar a Seleção da disputa). Mas, como se sabe, essas derrotas não contam para as estatísticas da Seleção principal. 

Hora de mudar o rumo da prosa, pois não gosto de ficar me referindo e dando estatísticas sobre ‘os africanos’, generalizados, mais ou menos como tratamos “os nordestinos”. São muitas as ‘Áfricas’! E infinitos, os ‘Nordestes’! No futuro, ainda haverá quem resista a reconhecer e enaltecer o papel decisivo dos negros – e de tantas nações africanas – nas conquistas do Brasil em Copas do Mundo. Embora este papo, de certa forma, também me incomode. Não foram os negros que influenciaram o jeito do ‘futebol brasileiro’ ou qualquer outra manifestarão genuína do nosso país em praticamente todas as áreas do conhecimento. Foram eles que CRIARAM! Pois quando afro-brasileiros ainda seguiam acorrentados e amordaçados, o tal ‘Brasil branco’ realizava reformas em avenidas para que virassem ‘Boulevars’ franceses e outros beija-mãos aos europeus e americanos. A presença da alma africana na cultura e nos esportes nacionais prova-se tamanha que jamais será exagero dizer que em jogos entre a Seleção e equipes da África, “é ‘nóis’ contra ‘nóis mermo’”.

Para ver os gols do jogo, clique aqui

Para ver o jogador do Zaire chutando a bola, clique aqui

FICHA TÉCNICA
BRASIL 3 x 0 ZAIRE

Competição:  Copa do Mundo de 1974, na Alemanha (Primeira Fase – Grupo 2)
Data: 22 de junho de 1974 (sábado)
Horário: 16h (horário local)
Local: Estádio Parkstadion, em Gelsenkirchen (ALE)
Público: 36.200
Árbitro: Nicolai Rainea, da Romênia

BRASIL: Leão; Nelinho, Luis Pereira, Marinho Peres e Marinho Chagas; Piazza (Mirandinha), Carpeggiani e Rivellino; Jairzinho, Leivinha (Valdomiro) e Edu. Técnico: Zagallo

ZAIRE: Kazadi; Ilunga Mwepu, Mwanza, Bwanga e Lobilo; Tshimabu (Kilasu), Mana, Kidumu (Kembo) e Kibonge; Mayanga e Ntumba. Técnico: Blagoje Vidinic

Gols: Primeiro Tempo: Jairzinho, aos 12’; Segundo Tempo: Rivellino, aos 21’; e Valdomiro, aos 34’

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