Ainda jogamos futebol ‘brasileiro’?
Cronista vai à final de 2002, última vez que nos sentimos ‘melhores do mundo’, e dá ‘spoilers’ e alertas sobre o risco de copiarmos modelos europeus
Essa é a última resenha que escrevo sobre futebol este ano. E nada a ver com a alucinante e eterna conquista do Penta ontem, nos 2 x 0 que sapecamos na Alemanha – como se minha intenção fosse deixar claro que, depois dessa partida, nada mais importa na temporada. Saibam vocês, queridos leitores e queridas leitoras de 2002, que o cronista é um ‘Viajante do Tempo’, que deixou o futuro em dezembro de 2022, às vésperas de 2023 e poucos dias após o término da Copa do Mundo do Catar (sim, será no deserto! Mas vai ser legal! A quem interessa possa, aliás, pode suspender ou ao menos diminuir a propina que anda circulando pela FIFA pró candidatura). Até lá, sinto informar, não seremos mais ‘Campeões do Mundo’, garantindo uma segunda espera de no mínimo 24 anos, mesmo jejum que quebramos em 1994. E novamente estaremos debatendo razões e culpados pelo fracasso com argumentos que beiram o ‘realismo fantástico’, sem botar o bico das chuteiras nas reais feridas. O Ano Novo que viverei ao retornar ao Meu Tempo vai marcar também a posse de um recém-eleito Presidente da República, após quatro anos de um desgoverno que fará ‘realismo fantástico’ parecer ‘História da Carochinha’. A notícia boa que trago do amanhã é que a Seleção Nacional que herdaremos – o próximo comandante e todos nós, brasileiros – demandará acertos mas não será, digamos, uma ‘Terra Arrasada’. Já o Brasil, nosso país, sim.
Assine #PLACAR digital no app por apenas R$ 9,90/mês. Não perca!
Aproveitem bastante, portanto, o clima de festa e orgulho que toma as ruas hoje e nos próximos dias, pois em 2022, ao fim da disputa no Oriente Médio, não teremos dúvidas sobre as derrotas (pela quarta vez, em cinco Copas, desclassificados nas quartas-de-finais) mas sim sobre a antiga e inabalável convicção de que somos e sempre seremos o país ‘número 1’ no futebol. Será?
Obviamente – e mesmo tendo a vantagem de assistir à História indo e voltando no Tempo – não possuo soluções definitivas e nem sou um ‘capitalista das ideias’ (o ‘Dono da Verdade’!), mas viajei até este início de Século para dar alguns ‘spoilers’ importantes e necessários, que possam servir de alerta para, no mínimo, ponderarmos a respeito dos caminhos que estamos tomando para o nosso Futebol. E a primeira notícia é que ele, o ‘nosso futebol’, ficará cada dia menos ‘brasileiro’ e mais ‘global’, uma cópia amarelada do que fazem na Europa, empossado como Primeiro Mundo também no esporte. Ideias e costumes originais, nascidos aqui, em nossos gramados, serão relegados e substituídos por conceitos e procedimentos ‘de fora’. Não se trata de nacionalismo exacerbado. Mas não foi justamente a ‘inventividade’ que nos fez, até aqui, diferentes e melhores nos gramados do Planeta?
Craques não faltarão, posso garantir. Mas está em curso esta transformação que nos levará a termos, por exemplo, um selecionado nacional com quase todos os atletas jogando na Europa, em biosferas e torneios europeus, e treinados por técnicos com estratégias e pensamentos ‘europeizados’. O que me trará a seguinte reflexão: daqui a 20 anos estaremos jogando mesmo o chamado ‘futebol brasileiro’?
Vou listar aqui apenas algumas formas e costumes antigos no nosso país e que foram abandonados para replicar o que “clubes e seleções estão fazendo lá fora”. Observem:
- Campeonatos nacionais com mata-mata, e não pontos corridos? Não teremos mais, e curiosamente a partir do ano que vem.
- O centenário ‘Torneio Início’, aquele festivo dia de congraçamento entre clubes e torcidas que desde a década de 10 marcava a abertura da temporada no Rio, São Paulo e depois em outros estados? Já ‘enterramos’, vem sendo excluído dos calendários estaduais desde os anos 70.
- Estádios democráticos com espaço para torcedores de todas as classes sociais? “Acaba logo com isso!”, alguém vai ordenar.
- Técnicos que falam a linguagem do povo, tipo Saldanha e Scolari? Ficarão fora de moda. Vão se ‘europeizar’. Muitos, inclusive, embora à frente das principais equipes do país, sequer dominarão nosso idioma.
- Vários times na disputa, com equivalência de forças, e não uma concentração de renda em 2 ou 3 clubes mais endinheirados? Vamos mudar isso também, copiando a Europa outra vez. E por aí vai…
Claro que muitos desses fatores e certas decisões que já vêm sendo tomadas contribuirão para emergir em breve outro grande mal em nosso futebol: um distanciamento transatlântico entre a seleção e o torcedor brasileiro. Tanto que, pela primeira vez, a eliminação em 2022 vai dar a impressão de não ser tão dolorosa como já fora no passado. Daqui a 20 anos, revelo, a ausência no Escrete de jogadores atuando em clubes nacionais já terá se transformado numa resenha ‘batida’, recorrente.
Mas trouxe alguns números, anotem: nas próximas cinco Copas do Mundo, serão ao todo 114 convocados e apenas 16 deles correndo em gramados nacionais (sendo cinco goleiros). Estará aí a raiz dos problemas? Não sei. O que posso garantir, por ter vindo de 2022, é que esta Copa no Japão e Coréia do Sul foi a última em que teremos no elenco mais jogadores atuando no Brasil (13) do que no exterior (9) – invertendo os números e a tendência iniciada em 1998. E também a última conquista até 2026.
Como já disse, não trago a vocês, queridos torcedores e queridas torcedoras de 2002, verdades absolutas; somente temas à reflexão. Ainda restam duas décadas para que tentemos mudar isso. Foi jogando futebol de um ‘jeito brasileiro’ que surpreendemos o mundo em 1958 e viemos colecionando títulos, até o Penta. Chega de copiar padrões e ‘soluções’! Que tal voltarmos a fazer e jogar futebol do nosso jeito? Do ‘jeito brasileiro’? Para começar, já lanço uma campanha, pela ‘Volta Imediata do Torneio-Início!’ E rola a bola!
Clique para ver os melhores momentos do jogo
FICHA TÉCNICA
ALEMANHA 0 x 2 BRASIL
Competição: Final da Copa de 2002, Japão/Coréia do Sul
Data: 30 de junho de 2002 (domingo)
Horário: 20h (local) / 08h (em Brasília)
Local: International Stadium, em Yokohama (JAP0
Público: 69.029 espectadores
Árbitro: Pierluigi Collina (ITA)
Assistentes: Leif Lindberg (SUE), Philip Sharp (ING) e Hugh Dallas (ESC, 4º árbitro)
ALEMANHA: Oliver Kahn (capitão); Thomas Linke, Carsten Ramelow, Christoph Metzelder, Torsten Frings e Marco Bode (Christian Ziege); Dieter Hamann, Jens Jeremies (Gerald Asamoah) e Bernd Schneider; Miroslav Klose (Oliver Biernhoff), Oliver Neuville
Técnico: Rudi Völler
BRASIL: Marcos; Lúcio, Edmílson e Roque Júnior; Cafu (capitão), Gilberto Silva, Kléberson, Ronaldinho (Juninho Paulista) e Roberto Carlos; Rivaldo e Ronaldo (Denílson)
Técnico: Luiz Felipe Scolari
Gols: Segundo Tempo: Ronaldo, aos 22’ e aos 34’
Cartões Amarelos: Roque Jr., aos 6’; e Miroslav Klose, aos 9’
QUER FALAR COM O COMENTARISTA DO FUTURO? QUER CONTAR ALGUMA HISTÓRIA OU SUAS LEMBRANÇAS DESTE JOGO?
Escreva para o colunista: [email protected]