2 x 1 nos russos: falta combinar com os italianos!
Cronista viaja até 1982 para salvar o Futebol Arte e, já na estreia do Brasil, envia sinais cifrados à Seleção, um alerta sobre Tragédia de Sarriá
A partir de hoje, e sempre no dia exato dos jogos do Brasil na Copa de 1982, até a derrota para a Itália, em 5 de julho, o Comentarista do Futuro voltará ao início da década de 80 em seu túnel do tempo particular. Ele embarcou com a missão de alertar os jogadores sobre Paulo Rossi e a Tragédia de Sarriá. Será que consegue?
Kakoy udush’ye! (“Que sufoco!”, no mais falado idioma entre os cento e tantos da União Soviética). Chegamos à Espanha com pinta de favoritos, trazendo na bagagem 23 vitórias em 31 partidas (6 empates; 2 derrotas), 75 gols assinalados (19 sofridos) e muitos jogos de ‘Amarelinhas’ carinhosamente dobradas pelo roupeiro Nocaute Jack para serem envergadas por Zico, Sócrates, Falcão, Júnior… Mas citando outro craque, faltou combinar com os russos. Lembrei da frase do ‘filósofo’ Garrincha – proferida após o técnico Feola explicar rocambolesca jogada que o escrete de 1958 devia executar contra os soviéticos – ao chegar ontem ao Ramón Sanchez Pizjuán, Sevilha, mesmo sendo o único no estádio a saber que precisaríamos esperar os 15 minutos finais para festejar a difícil vitória brasileira (2 x 1). Acreditem ou não, leitores e leitoras de 1982, embarquei numa Máquina do Tempo, deixando 2022, imbuído da difícil missão que, se cumprida, fará de mim um herói: salvar o Futebol Arte! Embora as regras para o uso da engenhoca do Tempo me impeçam de revelar detalhes, posso adiantar que a disputa deste Mundial será um divisor de águas na história do esporte. Daqui a 40 anos, ainda diremos que existe um Futebol antes e depois da Copa da Espanha. Tudo por conta do que o destino reserva para a Seleção Canarinho. Numa primeira tentativa de alertar nosso time, ao fim do jogo posicionei-me na arquibancada diante da saída dos atletas erguendo uma cartolina em que desenhei, com ‘pilot’ vermelha, dois chifrinhos demoníacos sobre a foto de um jogador que ainda enfrentaremos: o italiano Paolo Rossi. Preciso ter ideia melhor, pois os poucos jogadores que notaram o cartaz improvisado não entenderam lhufas. Estava ‘falando grego’. Ou russo.
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Nenhum brasileiro sofreu mais nessa estreia da Seleção na Copa do que o técnico Telê Santana. Como todos sabem, os dois ausentes no elenco mais reclamados pela torcida brasileira são o goleiro Leão e o centroavante Reinaldo. E justamente os titulares escalados em suas posições, Waldir Peres e Serginho ‘Chulapa’, vinham sendo decisivos enquanto o placar era favorável aos russos. O primeiro levando aquele ‘frangaço’ servido com ‘mãos de alface’; o segundo teimando em perder gols ao concluir as tramas de nosso time. Justiça seja feita, o ‘Chulapa’ participou de praticamente todos os ataques do Brasil que terminaram em finalização à meta soviétiva. Pena que errou 100% dos arremates. Observar o atacante com seu jeitão desengonçado em meio ao elegante balé do time brasileiro me remeteu a Randle McMurphy, lembram? O personagem de Jack Nicholson em ‘O Estranho no Ninho’ …
Garanto que Serginho não terá culpa nenhuma do futuro que nos aguarda na Espanha, mas é triste pensar que a raríssima e singular reunião de craques numa só equipe, que é o Brasil de 1982, esteja privando o mundo de se encantar ainda mais, fosse ‘Rei-naldo’ no comando do ataque. Adianto a vocês que se eternizará a falácia de que o goleador do Atlético Mineiro ficou de fora por estar lesionado, cínica cortina de fumaça sobre a verdade. A convocação final para a Copa deu-se em abril e, podem conferir, o craque atuou em todas as partidas decisivas do Galo em março, pelo Brasileirão. Telê não trouxe o atacante por não olhar com bons olhos questões de sua vida pessoal, como a amizade com homossexuais, brigas ruidosas com a namorada e ligações com o recém-fundado Partido dos Trabalhadores. Alguns de vocês, queridos leitores e leitoras de 1982, devem ter lido a entrevista que o treinador deu em novembro: “A única coisa que Reinaldo sabe fazer é jogar futebol. Mas andaram botando na cabeça dele que é intelectual, que precisa ajudar os índios, o Lula, o Frei Beto”. Ou seja, a velha balela do “esse cara é comunista, maconheiro e veado.” Alerta de ‘spoiler’, anotem: logo após o Mundial, numa excursão à Europa, o Galo derrotará o Paris Saint-Germain por 3 x 0 com um gol de Reinaldo que a torcida francesa vai aplaudir de pé por minutos. Intrigados, os jornalistas europeus cercarão o jogador: “Por que você não foi à Copa?” Nesse jogo de preconceito e intolerância, perdeu o Mundo do Futebol.
Telê, todos sabemos, é gênio, mas apronta das suas. Ontem surpreendeu ao entrar em campo com Dirceuzinho no lugar de Cerezzo, suspenso, e não Paulo Isidoro, presença constante na preparação do time. O Brasil dominava quando, aos 18 minutos, ninguém me ouça, Luizinho fez um pênalti escandaloso, dando um puxão em Shengelia dentro da área. Veio o gol de Bal – com ‘assistência’ do nosso goleiro – e fomos para o vestiário perdendo. Enquanto os jogadores chupavam ‘naranjitos’, Telê olhou para o ‘banco’ e, como não tinha Reinaldo, pôs o colega de clube Paulo Isidoro no lugar de Dirceu. Bola rolando e, ao contrário do amarelo esmaecido deste uniforme da Topper, a ansiedade em campo era evidente. Menos toque e bola, marca do time, e muito ‘chuveirinho’ na área, sem que nossos atacantes alcançassem o empate. De cabeça, Serginho chegou a botar Zico na cara do gol, mas o ‘Galinho” não conseguiu vencer a ‘muralha de ferro’ Dassaev. O que ninguém ainda sabe e será comprovado ainda hoje é que colaborou muito os travessões das duas balizas estarem 2,5 centímetros mais baixos que o definido pelas regras (2,44 metros). O problema será detectado por um ex-goleiro iugoslavo e adianto que, por conta disso, o estádio só volta a receber partida nas semifinais – já com as traves corrigidas, claro.
Aos 36’ na segunda etapa, quase 11 da noite, bateu uma fominha e fui atrás de uma ‘caña’ e ‘ir de tapas’ num ‘bodegón’ do estádio. Consta que Luisinho fez outro pênalti, metendo ‘o mão-zão’ na bola. Não vi; passemos batido, portanto. A Rússia tem, sim, um bom time. No futuro, a propósito, saibam que será clichê gasto dizer que “não existe mais bobo no Futebol’. E todos nós, torcedores brasileiros, tínhamos na cabeça que, há dois anos, esta equipe derrotou a Seleção em pleno Maraca (2 x 0). A boa notícia é que os russos nunca mais vão criar tanto problema assim pro escrete nacional. Ao menos até 2022. Serão ao todo sete confrontos – desde aquele Brasil 2 x 0 de 1958, jogo em que Garrincha soltou a ‘pérola’ –, com 5 vitórias ‘pra nós’ e apenas uma deles (e 1 empate). Em Mundiais, não esbarraremos de novo. Até porque deixei o futuro com a Rússia suspensa de competições da Fifa, punida por insistir em falar um ‘idioma’ que o mundo não entende mais: o da Guerra.
Os 15 minutos derradeiros, o Planeta inteiro viu e aplaudiu, foram uma ode ao Futebol Arte. Nem preciso me estender sobre os gols, pois tenho certeza que todos vocês, queridos leitores e leitoras de 1982, têm na cabeça detalhes e a coreografia dos lances. A virada poderia ser ainda mais empolgante se o cidadão de preto, Lamo Castillo, não encerrasse a partida quando dois jogadores brasileiros, Sócrates e Zico (ou Falcão, não consegui ver), recebiam livre e partiam em direção ao gol para, certamente, marcar o terceiro tento. Nada que tenha aplacado a euforia da torcida brasileira presente. Ergui minha cartolina mequetrefe e, constatado o fracasso desse primeiro plano para evitar nosso destino, restou-me enrolar um ‘canudão’ e, fazendo-o de megafone, gritar: “Cuidado com o Paulo Rossi! Olho no Rossi!” Foi quando observei a insólita cena de Serginho ‘Chulapa’ sendo interpelado no campo pela figura bizarra mas simpática do Pacheco, aquele personagem criado pela Gillette que desde o ano passado encarna o torcedor símbolo e fanático pela Seleção tricampeã do mundo, o ‘Camisa 12’. E, ao menos de longe, os dois pareciam não estar se entendendo muito bem. Estaria um deles falando russo? Fui conferir.
Como eu sabia que o boneco dá pinta em tudo que é canto da cidade, sempre onde o escrete canarinho estiver, finquei pé na porta da concentração do nosso time e, batata, lá estava ele. Tarde da noite, nós dois devidamente apresentados, Natan Pacanowski trocou de roupa e fomos beber. Com poucos copos de cerveja CruzCampo – intercalados com sevilhanas doses de xerez de camomila e Amontillado –, o simpático carioca já estampava um sorriso maior que o do cabeção de sua fantasia e me revelou um segredinho: tornara-se uma espécie de traficante de maços de cigarro para o elenco brasileiro. Escondido, obviamente, pois ‘Titio Telê’ tinha proibido terminantemente os jogadores de fumar. Ainda na aeronave que trouxe a Seleção à Espanha, o malemolente ‘Chulapa’ se aproximou com a proposta: “Essa coisa de avião me deixa meio tenso. Quer fazer um negócio comigo? Você me dá um pacote de Hollywood e te dou minha camisa do primeiro jogo.” Natan topou e entregou a muamba na mesma hora. Por isso que ontem, ao ouvir o apito final, correu até o atacante para receber o combinado. Foi a última ‘bola fora’ de Serginho na noite. Jamais pagará.
Eu tava ‘pegando leve’, só no vinho de laranja, especialidade de Sevilha, mas mesmo assim acabei me alegrando a contar que chegara de 2022 e que não tinha lá muitas boas notícias sobre o futuro do Brasil na Copa, mas era impedido de revelar, sob pena de perder minha máquina do tempo. E nem sobre o Pacheco! Pra minha surpresa, e talvez pelo seu excesso de simpatia, o bom sujeito Natan acreditou – coisa rara, bem sei. E acabamos fechando um acordo também. Da minha parte, teria que lhe abrir duas notícias do futuro de seu personagem, uma boa e uma ruim. Cumpri imediatamente:
- A boa: ‘Pacheco, o Camisa 12’ nunca será esquecido, mesmo a Gillette abandonando o projeto de marketing logo após o Mundial da Espanha. Sua força e empatia vão transformar até o vernáculo, com o termo ‘pachequismo’ – que até aqui, por conta de um livro de Eça de Queiroz, era sinônimo de gente medíocre que fala de forma pomposa – tornando-se sinônimo de patriotismo exacerbado.
- A ruim: ao final da Copa, Natan não vai ficar rico com a campanha da Gillette e, como pagamento pelo trabalho, receberá apenas um carro, deste modelo lançado há dois anos pela Volkswagen, o ‘Gol’ – exatamente o que Serginho não conseguiu fazer ontem.
Em troca dessas informações, o carismático – e desde ontem ‘melhor amigo de infância’ – Natan, ou melhor, o bonachão Pacheco vai colaborar na missão da qual me incumbi, a favor do Futebol Espetáculo. Usando o acesso fácil que tem à Seleção, me ajudará a ter conversas com alguns jogadores, para que eu tente dar, de forma cifrada, o alerta sobre a tragédia que está para acontecer. Mas isso só daqui a quatro dias, no jogo contra a Escócia. Podozhdi menya! (“Me aguardem!”, em russo.)
PARA VER GOLS E LANCES DO JOGO
https://www.youtube.com/watch?v=tGprtBdDRek&ab_channel=Fl%C3%A1vioBaccaratFuteboleCarnaval
PARA VER O JOGO COMPLETO
https://www.youtube.com/watch?v=kXfPZ-Htd9I&ab_channel=CartolaScoutsbr
ou
https://www.facebook.com/watch/?v=162942305767559
PARA RELEMBRAR (OU CONHECER) O ‘PACHECO, CAMISA 12’
https://www.youtube.com/watch?v=_npPCevUxjs&ab_channel=SethaProdu%C3%A7%C3%B5es
https://www.youtube.com/watch?v=zyrsP-9GkBQ&ab_channel=Vinilvicio
FICHA TÉCNICA
BRASIL 2 x 1 UNIÃO SOVIÉTICA
Competição: Copa do Mundo de 1982
Local: Estádio Ramón Sanchez Pizjuán, em Sevilha (Espanha)
Data: 14 de junho de 1982
Horário: 21hs
Público: 45.190 espectadores.
Árbitro: Augusto Lamo Castillo (Espanha)
Assistentes: José Garcia Carrion (Espanha), Victoriano Sánchez Armínio (Espanha)
BRASIL: Waldir Peres, Leandro, Oscar, Luizinho e Júnior; Falcão, Sócrates, Zico e Dirceu (Paulo Isidoro, aos 46’); Serginho e Éder
Técnico: Telê Santana
URSS: Dassaev, Sulakvelidze, Chivadze, Baltacha e Demianenko; Shengelija, Bessonov e Gavrilov (Suslopanov, aos 46’); Bal, Daraselija e Blokhin
Técnico: Konstantin Ivanovic Boskov
Gols: Bal, aos 34’ do 1ºT; Sócrates, aos 29’; Éder, aos 43’ do 2ºT