Boca Juniors: a instabilidade sem fim do gigante argentino
Derrota para o rival River em 2018 deixou marcas no xeneizes, que amargam jejum na Libertadores e tentam se reestruturar sob a gestão do ídolo Riquelme
Madri, 9 de dezembro de 2018. Nos acréscimos da prorrogação, a bola sobrou para Pity Martínez correr em campo aberto e sacramentar o título da Copa Libertadores do River Plate. Sim, o texto é sobre o Boca Juniors, mas para entender melhor o atual momento xeneize é preciso também passar pelo êxito do maior inimigo. Aquela final no Santiago Bernabéu consagrou de vez o trabalho do técnico Marcelo Gallardo junto aos Millonarios e gerou instabilidade, até agora sem fim, para o lado azul y oro. O post inaugural do blog La Popular, neste 3 de abril, dia do aniversário de 118 anos do Boca, detalha a derrocada do clube antes visto como o “bicho-papão do continente”.
Ninguém nega ou esquece a década dourada do Boca Juniors. O problema é que o clube mais temido dos brasileiros cresceu tanto que a Argentina ficou pequena. O Boca nunca deixou de ganhar títulos em Buenos Aires. Os anos 80 foram difíceis, é verdade, mas ficaram no passado. Incomoda o torcedor o jejum de 15 anos sem conquistar a América, um incômodo baile de debutant, ao mesmo tempo em que o rival vive anos dourados (ou vermelho e branco, se preferir).
O último título da Libertadores do Boca aconteceu em 2007, mas até a década passada estava tudo bem. Há cinco anos, o time viveu seu maior pesadelo e a derrota para o rival River Plate foi o estopim para uma série de decisões questionáveis e até mesmo “ídolos queimados”.
“O Boca é uma bomba midiática na Argentina e, por mais de 20 anos, foi um bunker político que chegou a eleger um presidente”
Durante 13 anos, entre 1995 e 2008, o Boca Juniors viveu seu período de glória. Sob a gestão de Mauricio Macri, ergueu quatro Libertadores e outros 12 títulos. A boa administração do cartola no clube mais popular do país alavancou sua carreira à nível nacional e foi crucial para que Macri conseguisse chegar à prefeitura de Buenos Aires, em 2007, e à presidência da Argentina, em 2015.
Após o ‘Mundo Boca’ colapsar em 2018, a oposição política ganhou força dentro do clube de Buenos Aires e Jorge Amor Ameal voltou ao poder sob a chapa “Frente por la Identidad Xeneize”, que contava (e segue contando) com o ídolo Juan Román Riquelme como membro. A eleição de 2019 bateu recorde e mais de 35.000 sócios votaram à época.
“Penso em ficar muito tempo ainda no Boca Juniors. Está na hora de voltarmos a ser um clube de futebol”, disse Riquelme, então como segundo vice-presidente.
No futebol, a reconstrução foi lenta e quase sempre a solução estava fora do clube. O ídolo Carlos Tévez e Fernando Gago se aposentaram, Schelotto deixou o clube e deu lugar ao técnico ‘Lechuga’ Alfaro, mais tarde sucedido por Miguel Ángel Russo, mas que também teve dificuldades no planejamento do elenco.
No caminho oposto da ideologia praticada pelo River Plate, que olhava com atenção para a base, o Boca quase sempre buscou soluções fora do clube. O exemplo mais marcante e recente é o ítalo-argentino Mateo Retegui, nome badalado na reserva de La Boca, mas que não conseguiu ter espaço no profissional e foi se destacar no Tigre para então ser convocado pela seleção italiana. Em seu lugar, entre 2018 e 2023, o clube investiu em nomes como Soldano, Orsini e o retorno de Darío Benedetto.
“O jejum da Libertadores atrapalha, com certeza. Assim como o rival ter vencido o torneio duas vezes (e contra o Boca) fez o clube virar uma panela de pressão. Mas isso não pode ter ligação com a gestão”, segundo ‘Flaco Amarelo’, torcedor xeneize que faz sucesso nas redes sociais.
“Na gestão de Riquelme, foram feitas reformas no CT, em La Bombonera, no centro de saúde que atende ao bairro, no ginásio de vôlei e basquete, entre outras obras que apenas fortalecem o clube. Criou-se novas categorias para sócios, como os sócios internacionais. São muitos acertos e alguns erros”, completa.
Desde 2019, o Boca Juniors soma sete títulos, todos no âmbito nacional. Na Libertadores, nas últimas quatro edições do torneio, o clube chegou duas vezes às semifinais e duas vezes às oitavas de final.
“É difícil dizer que o Boca perdeu protagonismo. Claro que o nível da competição mudou pelo número de times e o poder econômico dos brasileiros, mas talvez seja um período de adaptação”, diz Flaco, argentino que vive em Porto Alegre, cidade onde o Boca conquistou sua última Libertadores, diante do Grêmio.
Na última temporada, em plena La Bombonera, a eliminação nos pênaltis para o Corinthians, com o artilheiro Benedetto falhando duas cobranças e gols feitos, aumentou a pressão nos bastidores da equipe e mesmo Riquelme virou alvo de parcela da torcida. A parede do estádio foi pichada com: “se terminó el Romanse”, fazendo alusão ao nome do ídolo.
Às vésperas de uma nova Libertadores, o Boca Juniors não tem um técnico definido. Nas últimas temporadas, passaram Battaglia e Ibarra, dois ídolos como jogadores, nomes identificados com o clube, mas que não conseguiram dar sequência ao projeto. “Não diria que Battaglia e Ibarra foram queimados, pois saíram bem com a torcida. A questão talvez seja uma lealdade que não deveria existir. Ambos foram de mais a menos, talvez tenha faltado experiência para manter aquilo que começaram. Erro do Conselho de Futebol e do Riquelme”, comenta Flaco.
A días del cumpleaños de nuestro club, es un gusto compartirles el proyecto de un nuevo estadio con el doble de capacidad, para que todos los socios tengamos la oportunidad de ir a la cancha.
Sin tirar la Bombonera.
Sin irnos de La Boca.
Somos el mas grande, nos lo merecemos. pic.twitter.com/SCqcGsUHs2— Jorge Reale (@jorgereale) April 1, 2023
Para aumentar a ‘panela de pressão’, 2023 é ano político em La Boca e a situação, que tem Riquelme como VP, tenta a reeleição. Fazendo oposição, o candidato Jorge Reale divulgou nos últimos dias o projeto de uma ‘Nova Bombonera’ para 112.000 pessoas, o que seria uma resposta à reforma do Monumental de Núñez, a casa do rival River, que passou a ser o maior estádio do continente.
O Boca é o segundo clube no mundo com o maior número de sócios e um estádio maior que o atual é uma perspectiva antiga de parte da torcida. Outra chapa de oposição é a “Pasión + Gestión”, encabeçada por Andrés Ibarra e que conta com o ex-presidente de sucesso Mauricio Macri. A eleição acontece em dezembro.
Completando 118 anos de vida, o Boca Juniors entra para mais uma Libertadores como protagonista, mas distante do favoritismo. O time argentino deu sorte e integra o grupo F, um dos mais acessíveis, que tem Colo-Colo, Monagas e Deportivo Pereira. O time conta com diversos veteranos, como o goleiro Sergio “Chiquito” Romero, o defensor Marcos Rojo e o atacante Benedetto, todos com passagens pela seleção.
A estreia acontece na próxima quinta-feira, contra a equipe venezuelana, fora de casa. Voltar a performar bem no torneio continental, passar das oitavas e valorizar os jovens do clube parece o caminho para que Riquelme festeje um novo ‘título’ ao final do ano, seja dentro de campo ou mesmo no âmbito político.
#118DeBoca 💙💛💙 pic.twitter.com/EOLWHn9A13
— Boca Juniors (@BocaJrsOficial) April 3, 2023