A tensão no Atlético Nacional e o confronto entre torcida e diretoria
Organizada teve benefícios cortados, vive escalada de violência e último clássico foi adiado com 89 feridos; entenda o drama e o que é Barrismo Social
O Campeonato Colombiano Apertura conta com o modesto e jovem Águilas Doradas como líder do torneio, perseguido pelo tradicional Millonarios (com dois jogos a menos). Apesar da inesperada campanha do time de Rionegro, a competição caminha para uma nova rodada de clássicos e todos os olhares colombianos estarão voltados para as cidades de Cali e Medellín: no primeiro palco, América e Deportivo fazem o dérbi da cidade, enquanto Independiente Medellín e Atlético Nacional se enfrentam pelo Clásico Paisa. Fora das quatro linhas, a torcida do Nacional vive uma escalada de violência com a diretoria do próprio clube. No último clássico da equipe verdolaga, contra o América de Cali, houve confrontos com a polícia, 89 pessoas ficaram feridas e a bola não chegou a rolar no Atanasio Girardot. Neste sábado, 29, o blog La Popular viaja para a Colômbia para entender melhor a relação entre torcida, clube e governo, o que é Barrismo Social e, claro, ficar de olho nos clássicos da rodada.
Há duas semanas as arquibancadas do estádio Atanasio Girardot se tornavam um campo de guerra. Antes da bola rolar para o clássico Atlético Nacional e América de Cali, válido pela 14ª rodada do Campeonato Colombiano, a torcida do Nacional realizou protestos que tinham a diretoria do clube como alvo. Uma escalada de tensão aconteceu e a polícia reprimiu as manifestações, gerando uma onda violência que terminou com 89 pessoas feridas. A bola não rolou e a partida terminou suspensa.
O evento se tornou apenas uma camada na complexa teia que cerca o futebol colombiano. Antes de entender os protestos e o confronto com a polícia, é preciso entender quem são Los del Sur e a relação política-social do futebol no país, que persegue um caminho do chamado Barrismo Social.
#ÚltimaHora | La violencia se tomo el estadio Atanasio Girardot, de la ciudad de Medellín. Hinchas del Atlético Nacional se enfrentaron con la policía y el SMAD. Se habla de tres uniformados y veinte heridos hasta ahora. El partido contra el América de Cali se jugara mañana pic.twitter.com/f9OwZdwbBd
— Revista Panorama 🅿️ (@panorama_la) April 17, 2023
Antropólogo e sociólogo argentino, Nico Cabrera define o barrismo como “um conceito desenvolvido multi autoralmente por acadêmicos, funcionários públicos e torcedores organizados na Colômbia para reconhecer as barras de futebol como movimentos sociais, políticos, culturais e econômicos”.
“Tanto na Colômbia como na Argentina ou no Brasil, as torcidas organizadas são grupos identificados pela mídia e parte da opinião pública como criminosos e violentos. Esse conceito de barrismo supõe a implementação de ações políticas que procuram estimular os fatores positivos desses grupos: como a produção de cultura, geração de emprego e o exercício da cidadania”.
A barra do Atlético Nacional, Los del Sur, representa o máximo barrismo. Criada durante os anos 90, a barra cresceu nas ruas de uma Medellín tomada de violência e frequentemente vinculada ao cartel de drogas comandado por Pablo Escobar. Durante essa época, Medellín recebeu o título de cidade mais violenta do mundo. O contexto influenciou diretamente na formação dos torcedores, que, aos poucos, foram abandonando o histórico de violência para se tornarem referência no “barras colombianas por la convivência”, um dos projetos que compõem o barrismo.
“Não há soluções simples para problemas complexos, mas ainda assim a Colômbia conseguiu manter essa política com resultados positivos – em 2007, foi criado o coletivo barrista colombiano que juntou a maioria das principais barras do país assinando um compromisso de paz, tolerância e união que antigamente não existia no futebol”, exalta Nico.
A relevância permitiu que Los del Sur ganhassem certos benefícios e privilégios, como ingressos com desconto, mesa de diálogo com a própria diretoria do clube verdolaga e o monopólio da segurança dentro do estádio – bancada pela própria barra, sem polícia ou segurança privada -.
Hoy tendremos una fiesta especial, por eso esperamos que nuestra #FamiliaVerdolaga 💚 viva el clásico paisa en paz 🏳️🟢⚪️#VamosNacional#FútbolEnPaz#DíaDelNiño pic.twitter.com/SpOL5kjbTs
— Atlético Nacional (@nacionaloficial) April 29, 2023
Na Colômbia, os clubes são Sociedades Anônimas (SAF, no Brasil) formadas no molde mais empresarial possível. Sem eleições, a diretoria do Nacional trocou os nomes máximos de poder: Maurício Navarro se tornou presidente e Benjamin Romero vice. A dupla cortou relações com a barra Los del Sur e coleciona medidas impopulares que resultaram em protestos e confrontos: demissão de técnico, aumento de ingressos, diálogos com organizadas são barrados e a segurança do estádio muda de controle.
O vice-presidente, Benjamin Romero, é torcedor declarado do Millonarios, equipe rival do Atlético Nacional, fato que causou ainda mais revolta nos torcedores.
Após a tragédia no estádio Atanasio Girardot, Juan Pablo Ramírez, secretário do governo de Medellín, se posicionou contra as decisões do clube: “Rechaçamos de maneira categórica a violência por parte dos torcedores. Mas é necessário estabelecer a responsabilidade dos dirigentes do clube nestes destroços, nas lesões dos policiais, nos jovens feridos e ensanguentados, tudo pela renúncia em escutar sua torcida”.
“O barrismo não fez a violência desaparecer, ainda há casos fora dos estádios. Estamos falando de um dos países mais violentos da região, e a violência no futebol é um problema estrutural e de longa data”, reforça Nico.
“É uma batida forte o que aconteceu com Los del Sur, mas o episódio não foi o primeiro e não será o último. A violência acontece, mas a Colômbia mostra uma fortaleza e convicção muito forte em relação à política. O estado colombiano tem uma tradição de negociação com grupos violentos internos muito forte”.
O Campeonato Colombiano caminha para novos clássicos e naturalmente, depois do incidente em Medellín, a relação entre torcidas organizadas e clubes chama a atenção para novos episódios. Apesar do histórico, a expectativa é de que o clima fique mais ameno com o tempo – isso porque a rodada de clássicos coloca frente a frente equipes de mesma cidade.
“A possibilidade de confrontos nos clássicos existe, mas os riscos de confronto não estão tanto nos clássicos de mesma cidade, se não que clássicos interestaduais – encontros entre times de Medellín e times de Cali -“, destaca Nico Cabrera.
“Em geral, na Colômbia sempre houve uma rivalidade entre Medellín, Cali e Bogotá pelos poderes econômicos, políticos e de cartéis de droga. Todo esse contexto se reflete no futebol”, completa o jornalista colombiano Juan David Londoño.
Com isso e apesar do evento recente, o encontro entre Independiente de Medellín e Atlético Nacional deve acalmar os ânimos na cidade e mostrar que a política de barrismo tem efeitos positivos para além da confusão da 14ª rodada: “A expectativa é de bom comportamento e tranquilidade graças a intermediação da prefeitura, da barra e do clube, que conseguiram acordos para desacelerar os enfrentamentos que repercutiram nos meio de comunicação semanas atrás”, conclui Juan David.
O Clásico Paisa, entre Independiente Medellín e Atlético Nacional, acontece neste sábado, às 22h30, no Atanasio Girardot, mesmo estádio palco do confronto com a polícia anteriormente. Na cidade de Cali, América e Deportivo se enfrentam no domingo, às 20h20, no estádio Olímpico Pascual Guerrero.