Mal sem bola, pior com ela: o que deu errado para o Brasil contra Senegal
Em atuação muito fraca, especialmente no segundo tempo, seleção sofreu para construir jogadas e levou quatro gols pela primeira vez desde 2014
A seleção brasileira vive a situação bizarra de não ter comissão técnica às portas das Eliminatórias para a Copa de 2026, disposta a esperar um ano em cima de um acordo verbal por um treinador com contrato em outro clube. E a bagunça fora de campo se refletiu dentro dele na derrota por 4 a 2 para Senegal em amistoso, em uma das piores atuações dos últimos anos da equipe nacional, especialmente no segundo tempo. As alterações de Ramon Menezes agravaram os problemas que o Brasil já vinha mostrando desde o início, reflexo também de uma convocação de baixa qualidade. Boa parte desses jogadores não deve completar o ciclo até o próximo Mundial.
O Brasil não tomava quatro gols em um mesmo jogo desde o 7 a 1 para a Alemanha, na semifinal da Copa de 2014. Nos 81 jogos sob o comando de Tite, a seleção só sofreu dois gols na mesma partida em duas oportunidades. O que deu tão errado contra Senegal? Vamos destrinchar a seguir.
Pouca gente na construção
O Brasil foi a campo em um 4-3-3 com Bruno Guimarães de volante, Joelinton à direita e Lucas Paquetá à esquerda. Na frente, Malcom e Vinícius Júnior foram os pontas, com Richarlison como 9. Logo nos primeiros minutos, em que a seleção teve mais a bola, ficou evidente um problema na construção de jogadas: poucos atletas participavam desse momento, o que levou outros a ficarem sobrecarregados. Os principais problemas nesse sentido foram Joelinton e Richarlison.
O meio-campista do Newcastle, que começou a carreira como centroavante, é um jogador de muita força, excelente para vencer duelos e pressionar o rival. Com bola, oferece potência na arrancada e chega muito bem na área adversária. Mas está longe de ser um passador ou alguém que trabalhe bem em espaços reduzidos, justamente o que era pedido nesse jogo. Com Senegal fechado atrás, Joelinton ficou posicionado mais à frente e mal pegou na bola, encaixotado entre as organizadas linhas de marcação dos africanos. Foi o segundo jogador com menos toques na bola do Brasil.
Só perdeu para Richarlison, que deu sequência ao péssimo momento vivido pelo Tottenham, com erros técnicos ao tentar dar prosseguimento a algumas jogadas que exigiam um toque mais refinado. Também perdeu um gol após fazer ótimo movimento de atacar espaço, sua especialidade, e receber boa bola de Malcom. Não por acaso, o melhor momento de Joelinton e Richarlison veio justamente em um raro lance em que havia espaço para correr, em um contra-ataque no início do segundo tempo: o meio-campista arrancou com a bola e serviu em velocidade o atacante, que não conseguiu finalizar.
Ter dois jogadores que não participam da construção contra um time todo atrás da linha da bola já seria um problema, mas a situação piorou ainda mais com a entrada de Rony – outro atleta cujo forte é atacar espaço, que influencia apenas na área adversária. O Brasil ficou ultradependente de Lucas Paquetá, que se desdobrou em campo e fez um ótimo primeiro tempo, e Vinicius Júnior, que teve uma função livre, à la Neymar, buscando a bola em todos os cantos do campo para fazer o time jogar. Vini errou bastante, mas era a única fonte constante de perigo do Brasil, e deu a assistência para o primeiro gol, marcado por Paquetá.
Raphael Veiga no lugar de Joelinton também não ajudou muita coisa, já que o meia do Palmeiras, além de ter entrado em uma rotação abaixo, tampouco é um passador acima da média – seu forte é achar os espaços perto da área para finalizar. E quando Paquetá saiu, qualquer resquício de elaboração de jogadas desapareceu da seleção. O Brasil terminou o jogo trocando passes entre os zagueiros e lançando para frente na esperança de ganhar a primeira e a segunda bolas para tentar criar algo perto da área.
Vulnerabilidade pela esquerda
Se com bola o cenário foi de bastante desorganização, sem ela a situação não foi muito melhor. O Brasil até começou o jogo tentando pressionar Senegal em seu campo de defesa e forçou alguns chutões, mas aos poucos os africanos foram ajustando a saída de bola para escapar da pressão e logo acharam o ponto fraco da seleção: o lado esquerdo. Vinícius Júnior voltava pouco por ali, deixando Ayrton Lucas exposto contra o excelente ponta Ismaïla Sarr, que já fez ótima Copa do Mundo.
O lateral do Flamengo viveu um pesadelo contra o jogador do Watford, da segunda divisão inglesa. Veloz e potente, Sarr levou a melhor em quase todos os duelos, aproveitando-se também de erros de fundamento defensivo do brasileiro, que errou o tempo do bote e a postura corporal em alguns lances. No segundo gol, Ayrton não viu Sarr livre em suas costas para receber o lindo passe de Mané; no terceiro, a jogada começa com Sarr superando Ayrton na velocidade e arrancando pelo meio para deixar Gueye na cara do gol.
Ramon até tentou ajustar no primeiro tempo colocando Paquetá para marcar pela esquerda – mais uma função para o já sobrecarregado meia brasileiro cumprir -, mas as constantes vitórias de Sarr em duelos individuais com Ayrton Lucas continuaram. O problema, porém, foi além de uma simples má atuação individual.
Talvez o grande ponto forte do Brasil com Tite fosse a transição defensiva, ou seja, o comportamento do time ao perder a bola. O “perde-pressiona” era organizado e intenso, com o time muitas vezes retomando a bola em poucos segundos no campo de ataque; quando isso não era possível, o retorno para formar um bloco defensivo sólido acontecia quase de forma automática. Nada disso foi visto no jogo, com o Brasil lento para reagir, espaçado entre os setores e às vezes frouxo nos duelos.
Nem tudo foi uma tragédia. Houve alguns sinais positivos: Danilo, por exemplo, teve atuação bastante sólida defensivamente e foi importante ao replicar a função que já fazia com Tite de, com bola, se tornar mais um volante para ajudar na saída. Muitas vezes o lateral-direito foi o homem livre no meio-campo, e aproveitou essa liberdade resolvendo rápido com um toque e até arriscando a gol. É um dos nomes para seguir no ciclo. Mas enquanto houver tanta indefinição sobre os rumos da seleção, as boas notícias tendem mesmo a ser poucas.