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Entrando no Jogo ícone blog Entrando no Jogo Por Leandro Miranda Analisando o que realmente acontece dentro de campo. Porque futebol vai além do trivial

Sampaoli adapta seu estilo às estrelas do Flamengo e mostra o caminho

Técnico argentino evitou 'prender' muito os principais jogadores do time a determinados setores do campo, como outros técnicos que falharam

Ver marcas claras do trabalho de um treinador em um novo clube é algo que costuma levar tempo. Mas não com Jorge Sampaoli. O argentino é aquele tipo de técnico que rapidamente já consegue implementar algumas de suas principais ideias em qualquer time que dirige, e com o Flamengo não está sendo diferente. Ainda assim, o empate por 0 a 0 com o Fluminense pelo jogo de ida das oitavas de final da Copa do Brasil – a melhor atuação do Rubro-Negro sob seu comando até agora – mostrou que Sampaoli está disposto a adaptar alguns de seus princípios às características das estrelas do Fla, para não cair na mesma “armadilha” que vitimou recentemente outros treinadores como Domènec Torrent, Paulo Sousa e Vítor Pereira.

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O que todos esses treinadores têm em comum: são adeptos de uma forma de atacar mais posicional. O que isso quer dizer? Que os jogadores têm setores do campo predeterminados onde podem circular para receber a bola, ocupando diferente zonas do gramado de forma organizada. O intuito principal é abrir linhas de passe, atrair marcadores e dar sempre opções diferentes a quem tem a bola no pé. Esse estilo não deu certo com os antecessores estrangeiros de Sampaoli, e muitos torcedores do Fla não podem nem mais ouvir a palavra “posicional” – principalmente porque o time arrasador de 2019, sob o comando de Jorge Jesus, não atuava dessa forma.

Mas Sampaoli não tem como mudar completamente seu modelo de jogo e sua metodologia da noite para o dia. Então, o que o argentino fez contra o Fluminense foi um meio-termo: havia sim uma estrutura organizada de ocupação de espaços, mas o quarteto ofensivo formado por Everton Ribeiro, Gerson, Arrascaeta e Gabigol ficou relativamente livre para se movimentar, buscando aproximações, muitas vezes ocupando o mesmo setor. Em vez de fixar um deles do lado do campo, por exemplo – quem não se lembra de Everton Ribeiro como ala-esquerdo com Paulo Sousa? –, Sampaoli deu aos laterais Wesley e Ayrton Lucas a tarefa de apoiar agressivamente o ataque pelos lados, deixando as estrelas mais soltas por dentro.

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Pela direita, Wesley usou a potência física para atacar as costas da defesa do Fluminense e, nos primeiros cinco minutos, recebeu dois lançamentos perigosos na área, sendo travado de última hora pelos defensores tricolores. Gabriel Pirani tinha o papel de acompanhar o lateral rubro-negro, mas várias vezes foi fisicamente incapaz de cumprir a tarefa. Do outro lado, as subidas de Ayrton Lucas atraíram a marcação de Arias e, com as aproximações de Gerson e Arrascaeta por ali, geraram superioridade para o Flamengo no setor.

Defensivamente, também chamou atenção a agressividade de Wesley para atrapalhar a saída de bola do Fluminense em seu setor mais forte, pela esquerda, onde o Tricolor costuma acumular jogadores ao redor de Marcelo e sair com trocas curtas de passes. O jovem lateral do Flamengo pressionou intensamente o ex-jogador do Real Madrid e o deixou bastante desconfortável durante todo o tempo em que ele esteve em campo, até sair por dores musculares. O Flu não conseguia progredir com passes curtos e mal passava do meio-campo. A pressão agressiva do Flamengo, aliás, com a estratégia deliberada de fazer faltas táticas quando o adversário conseguia escapar, foi determinante para o completo domínio rubro-negro nos primeiros 25 minutos.

Com os dois laterais tão avançados, quem fazia a saída de bola junto aos zagueiros do Fla era um dos volantes, normalmente Pulgar, que mostrou desenvoltura para iniciar as jogadas, progredir com a bola e se juntar a Thiago Maia no meio-campo em um segundo momento.

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O chileno, inclusive, deu lindo lançamento para Gabigol finalizar na trave, em uma das muitas chances claras desperdiçadas pelo Flamengo na partida. A movimentação de Arrascaeta atraindo Nino para longe da zaga abriu espaço para Gabi fazer a infiltração em diagonal, sua especialidade. Felipe Melo não teve a velocidade para acompanhar.

O lance da bola na trave de Gabigol: Arrascaeta atrai a marcação de Nino, e o camisa 10 rubro-negro ataca o espaço deixado pelo zagueiro. Felipe Melo, mesmo mais recuado que seus companheiros de defesa, não consegue alcançar na velocidade
O lance da bola na trave de Gabigol: Arrascaeta atrai a marcação de Nino, e o camisa 10 rubro-negro ataca o espaço deixado pelo zagueiro. Felipe Melo, mesmo mais recuado que seus companheiros de defesa, não consegue alcançar na velocidade

O lance capital do jogo, a expulsão de Felipe Melo, nasceu de jogada bem parecida. De novo, Nino avança para dar combate e Gabigol aproveita o espaço deixado pelo zagueiro do Flu, infiltrando em diagonal, aproveitando a falta de mobilidade de Felipe Melo para fazer a cobertura. O camisa 30 chegou atrasado e fez falta dura. O veterano tem qualidades como zagueiro, mas fica muito exposto quando precisa cobrir tanto campo assim. Ironicamente, depois de sua expulsão, o Fluminense recuou e jogou bem agrupado perto de sua área, exatamente o tipo de situação em que Felipe Melo fica mais confortável.

Lance da expulsão de Felipe Melo seguiu o mesmo padrão: Gabigol faz a diagonal nas costas de Nino, e o camisa 30 não chega a tempo de fazer a cobertura
Lance da expulsão de Felipe Melo seguiu o mesmo padrão: Gabigol faz a diagonal nas costas de Nino, e o camisa 30 não chega a tempo de fazer a cobertura

É importante frisar, porém, que o Flamengo ainda está longe de jogar o futebol que Sampaoli imagina. Principalmente quando o time se estabelece no campo de ataque, falta a naturalidade e a velocidade nos movimentos para abrir defesas fechadas, como ficou claro no segundo tempo com um a mais. Mas o excelente primeiro tempo, e o fato de ter encontrado formas de manter seus princípios de jogo sem sacrificar as melhores características de seus principais jogadores, mostra que o treinador argentino pode ter encontrado o caminho no Fla.

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