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Entrando no Jogo ícone blog Entrando no Jogo Por Leandro Miranda Analisando o que realmente acontece dentro de campo. Porque futebol vai além do trivial

Fernando Diniz e Ancelotti têm estilos de jogo parecidos? Não!

Técnico do Fluminense tem filosofia inegociável de jogo, enquanto italiano tem como marcas a adaptação ao elenco e a confiança no individual

Uma declaração do presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, ao anunciar a contratação de Fernando Diniz como técnico “tampão” da seleção brasileira por um ano, até a esperada chegada de Carlo Ancelotti no meio de 2024, deu o que falar: afinal, o comandante do Fluminense tem o mesmo tipo de “proposta de jogo” do italiano, como disse o dirigente? Há quem veja algumas semelhanças, principalmente na forma de atacar. Mas parece óbvio que as diferenças entre eles são muito, muito maiores – a ponto de ser absurda uma eventual comparação.

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Para começar, a própria existência de um estilo de jogo associado a Ancelotti é discutível. A grande marca do italiano em sua extensa carreira, em termos táticos, é justamente não ter um modelo fixo, mas se adaptar a cada elenco, colocando sempre as características individuais dos jogadores acima de um plano predeterminado. A forma de jogar do Real Madrid atual não tem quase nada a ver com os trabalhos anteriores de Ancelotti no Napoli (2018-19) e no Everton (2019-21), isso só para ficar nos mais recentes.

Já Diniz é o oposto: desde o pequeno Votoraty no interior paulista, passando por todos os times grandes que já comandou, até chegar ao seu melhor trabalho da carreira, que é o atual Fluminense, o treinador tem uma identidade claríssima de jogo. Os princípios são inegociáveis: saída de bola curta, controle pela posse de bola, liberdade de movimentação, aproximação entre os jogadores etc. Qualquer time, com Diniz, tenta jogar da mesma forma. Só aí já fica evidente a brutal diferença entre os dois treinadores.

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Mesmo se tomarmos como base de comparação apenas o atual trabalho de Ancelotti no Real Madrid, as semelhanças continuam pequenas. Talvez o elemento mais característico do modelo de Diniz, a saída de bola curta passa longe de ser algo exigido no time espanhol: se o adversário pressiona, o Real muitas vezes procura logo o passe mais longo para o ataque, principalmente explorando a velocidade de Vinicius Júnior. Courtois, provavelmente o melhor goleiro do mundo embaixo das traves, é apenas mediano com a bola nos pés e não participa tão ativamente da saída como os goleiros comandados por Diniz.

Cotado na seleção, Ancelotti tem vínculo com o Real Madrid até fim de 2024
Ancelotti tem diferenças grandes com Diniz em vários aspectos do trabalho de um treinador

Sem bola, mais diferenças. Nem precisa aprofundar muito: o Fluminense tem como primeira ideia pressionar a saída adversária, usando encaixes individuais de marcação para tentar roubar a bola na frente ou forçar um chutão. Se não for possível, aí o time busca se agrupar atrás da linha da bola. Já o Real nem sempre pressiona, e dependendo do jogo prefere esperar em um bloco mais recuado para, quando retomar a bola, ter a opção de conta-atacar em velocidade. E quando a equipe avança para pressionar, as referências de marcação muitas vezes são por zona, não individuais.

“Ah, mas para atacar os jogadores do Real se aproximam, não guardam posição, igual ao Fluminense”. Sim, é verdade que nenhum dos treinadores adota o chamado ataque posicional – aquele em que os jogadores se movimentam dentro de zonas predeterminadas, ocupando o campo de forma planejada e esperando mais a bola chegar. O Manchester City de Guardiola é o grande expoente desse estilo. Isso, porém, não faz com que a forma de atacar seja a mesma. Se for assim, qualquer time que não ataque de forma posicional joga parecido?

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Diniz estimula sempre os jogadores a se aproximarem, jogarem perto um do outro, causando até uma aglomeração ao redor da bola, com cinco ou seis atletas em uma faixa estreita do campo. É uma ideia bem peculiar e até radical, parte de seu modelo de jogo, algo em que ele acredita. Já no Real, o fato de alguns jogadores se aproximarem em um canto do campo é algo bem menos recorrente e sistemático, que nasce mais das características dos jogadores quando a bola chega aos últimos metros do campo: Vinicius naturalmente fica mais aberto e recebe muito passes, Benzema gosta de cair para a esquerda e buscar tabelas, Rodrygo e Modric buscam estar perto do setor da bola… como sempre, com Ancelotti, a confiança no individual é mais importante do que uma filosofia de jogo mais geral, especialmente em questões ofensivas.

Isso tudo sem nem entrar em questões mais de bastidores ou metodologia. Diniz, por exemplo, é conhecido por gostar de treinos mais longos, cobrando intensidade sempre, enquanto Ancelotti faz sessões mais curtas e nem sempre tão intensas – no Bayern de Munique, por exemplo, houve relatos até de jogadores, acostumados a três anos sob o comando de Guardiola, reclamando que os treinos do italiano eram “sossegados” demais.

Dizer que Diniz e Ancelotti têm estilos parecidos, portanto, é algo que encontra pouco amparo na realidade. Não quer dizer que o brasileiro não terá nada a deixar para o italiano quando (se?) chegar a hora de passar o bastão – até porque, como já demonstrado, adaptação ao contexto é a grande especialidade de Ancelotti, e sempre é possível aproveitar algum detalhe do que já está sendo feito. Mas forçar a ideia de que haverá uma continuidade entre os dois trabalhos não parece razoável.

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