Por que a numeração de 1 a 11 está sumindo no futebol
Abandono da tradição? Jogadores, cada vez mais, optam por números que pareciam impensáveis anos atrás; moda já invadiu o país
Já foi o tempo em que a escalação titular era sinônimo do popular “um ao onze”. A modernização do futebol atingiu todas as esferas do esporte e com a numeração não foi diferente. Na era em que o número 12 é a marca registrada de um lateral esquerdo, como no caso do Marcelo, e a camisa 80 foi eternizada por Ronaldinho Gaúcho, no Milan, é possível perceber que essa é uma tendência que se mostra cada vez mais presente no futebol.
Deixando a tradição de lado, é possível observar que a relação entre os algarismos das camisas dos jogadores e suas posições em campo passaram a importar cada vez menos. No futebol internacional, o líder em assistências da Premier League e jogador do Manchester City, Kevin de Bruyne, estampa o número 17 nas costas. Germán Cano, centroavante do Fluminense e artilheiro do Campeonato Brasileiro de 2022, veste a 14, por exemplo.
No centro-oeste brasileiro há o exemplo do Goiás. O goleiro Tadeu, um dos jogadores de maior idolatria no esmeraldino, é titular absoluto da posição e usa a camisa de número 23. Desde 2019 no clube, o atleta teve o contrato renovado na última temporada e possui vínculos com o alviverde até 2026.
Para Tiago Pinheiro, diretor de marketing do Goiás, a ideia divide opiniões dentro do próprio clube e também na torcida: “Não há um consenso em relação ao tema. Do ponto de marketing, a percepção é que o futebol foi se transformando ao longo dos anos, criando novos padrões e ditando novas tendências”.
O diretor ainda ressalta o charme existente no modelo clássico, mas pontua sobre a nova tendência: “É inegável o charme que existe no formato ‘1 a 11’, porém com a numeração variada e fixa é possível fazer com que os jogadores, enquanto marca, tenham mais personalidade e diferenciação. No Goiás, atualmente, é impossível não associar imediatamente o número 23 ao ídolo Tadeu ou o número 20 ao Dieguinho”.
O Brasil conta com vários outros times que seguem essa trajetória. O Fortaleza, por exemplo, anunciou em abril a renovação de contrato do meia-atacante Thiago Galhardo, peça importante na conquista do Campeonato Cearense de 2023. O jogador usa o número 91 no leão.
Segundo o Diretor de Comunicação e Marketing do clube, Marcel Pinheiro, essa realidade decorre de alguns fatores: ”Primeiro, tornou-se mais barato produzir camisas e aplicar a numeração que se deseja, além de que ela pode ser entendida como uma necessidade do clube, que hoje conta com elencos maiores, dada à possibilidade de se fazerem até cinco substituições.”
“Há também, de parte dos atletas, uma busca por diferenciação e exclusividade. Os jogadores sabem que eles mesmos são marcas e veículos de comunicação. Querem se relacionar de maneira única com seus seguidores e o número marca esta diferença. O novo tipo de numeração permite a diversificação dos produtos, bem como a execução de ativações e homenagens, como o Thiago Galhardo, por exemplo, que utiliza o número 91 como forma de homenagear a principal torcida organizada do Fortaleza, a TUF, fundada naquele ano. Ações deste tipo, aliadas, claro, aos gols, fizeram com que Galhardo se tornasse rapidamente ídolo do clube”, conclui Marcel.
Números altos nem sempre foram tão populares no futebol. Entretanto, a razão do “1 ao 11” ser considerada a numeração clássica tem explicação. Nos anos 1930, na Inglaterra, a Football Association (FA) decretou como obrigatório o uso dessa numeração, que, na época, possuía um sentido linear entre os jogadores, suas funções e o esquema tático utilizado.
Com o passar do tempo e as mudanças provenientes da modernização do futebol, “exceções” à regra foram surgindo e a flexibilização dessa convenção tomou conta do mundo futebolístico.
Segundo o especialista em marketing esportivo Fábio Wolff, sócio-diretor da Wolff Sports, a numeração e sua forma livre dos dias atuais tem dois vieses: “Além dessa escolha poder ser feita por um simples agrado do jogador pelo número, hoje em dia, é muito comum notarmos que essa decisão entre os atletas pode ter sentido mercadológico, relacionado ao marketing do jogador e sua imagem, por exemplo.”
A escolha por números “incomuns” ao passado tradicional é uma forma a mais de se criar conexão com os fãs, segundo Renê Salviano, especialista em marketing esportivo e CEO da Heatmap: “Eu acredito que a cada ídolo que aparecer com sua história e determinado número, fará com que novas páginas sejam escritas no futebol. Isto faz parte, engaja, é marketing.”
Fernando Kleimmann, sócio-diretor da Volt Sport, empresa que assina o uniforme para nove clubes brasileiros, ressalta como a conexão do atleta com a numeração possibilita uma gama de ativações e fomenta a personalização dos modelos junto aos torcedores.
Apesar da tradição do modelo “1 ao 11”, o sócio-diretor da marca declara: “Do ponto de vista dos fornecedores, a numeração fixa nas camisas possibilita a criação de produtos personalizados, atraindo torcedores e desenvolvendo novas fontes de renda aos clubes. No Figueirense, por exemplo, fizemos uma camisa em homenagem ao Wilson, goleiro que é ídolo no clube, com grafias da assinatura do jogador. Estes detalhes são extremamente importantes para conquistar os torcedores e despertar o desejo nos novos produtos”, explica Kleimmann.