Seleção afegã que escapou do Talibã encontra paz na Austrália
Por conta das regras extremistas do Talibã, jogadoras não podiam exercer sua profissão livremente e relatam clima tenso nos meses que antecederam fuga
Já se passaram oito meses desde que as primeiras jogadoras da seleção feminina de futebol do Afeganistão conseguiram fugir deixar o país, com ajuda do governo da Austrália. Temendo a perseguição por parte do regime extremista do Talibã, as atletas passavam os dias escondidas e sem poder praticar o esporte. Agora, elas desfrutam de uma nova vida nos gramados de Melbourne.
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Desde que o Talibã, grupo rebelde fundamentalista islâmico, reassumiu o controle do país em 2021, muitas regras extremistas e preconceituosas foram impostas à sociedade afegã, sob ameaça de perseguição aos desobedientes. As mais prejudicadas pelas regras rígidas foram meninas e mulheres, impedidas de frequentar escolas, dirigir e realizar inúmeras atividades profissionais, dentre elas o futebol.
Diante deste clima de medo e desespero, as jogadoras foram aconselhadas até a excluir seus perfis e verificações nas redes sociais para evitar perseguição do novo governo. “Eles estavam batendo em nossos pais, nossos familiares, nossos companheiros de equipe. Você não sabia se estaria vivo ou morto em breve”, disse Fátima, porta-voz da seleção feminina do Afeganistão, em entrevista à emissora CNN, que ocultou o nome completo das fontes por motivos de segurança.
Vistas em todo Afeganistão como mulheres que enfrentavam o Talibã e resistiam ao regime imposto no país, a seleção feminina de futebol está em atividade desde 2007, mesmo sabendo dos riscos que corriam. As atletas deixaram a capital Cabul, acompanhadas de familiares, em um voo bancado pelo governo australiano.
Antes de ir embora, as jogadoras precisaram se desfazer de tudo o que indicava ligação ao time de futebol: uniformes, chuteiras e troféus, que apesar de serem objetos, eram a materialização do trabalho e sucesso do time. Além disso, foi necessário mentir para o Talibã, já no aeroporto, sobre a profissão. Tudo isso para salvarem a própria vida e conseguirem fugir rumo a uma vida melhor na Oceania.
“Todos nós deixamos tudo. Você sabe que nunca terá essas coisas que tinha antes. Você não sabe sobre o seu futuro. Você está dizendo adeus ao seu país onde cresceu, seus momentos de infância, tantas lembranças”, diz Fátima. Segundo informações da CNN, 48 horas depois do embarque da seleção, um homem-bomba explodiu e matou aproximadamente 180 pessoas, incluindo mulheres e 13 militares americanos que ajudaram no resgate das jogadoras.
Já em Melbourne, cidade para onde foram alocadas, as mulheres podem respirar mais aliviadas e começar a pensar no futuro sem temer a cada passo dado. Oferecendo abrigo e infraestrutura para treino, o Melbourne Victory Soccer Club, abraçou a seleção feminina e vem cuidando para manter seu ritmo de trabalho.
O diretor de futebol do clube, John Didulica, disse que a atitude é humanitária, mas não descarta a possibilidade de um dia a equipe disputar uma eliminatória de Copa do Mundo: “Minha primeira esperança é uma vida melhor, eles têm situações pessoais muito complexas e se o futebol pode ajudá-los a entrar na vida australiana, esse é nosso objetivo final”, completou.
As afegãs são gratas pela oportunidade. “Eu nunca senti isso antes no Afeganistão”, disse Fátima. “Eu tinha medo de tantas coisas. Mas aqui encontrei momentos de paz. Eu disse: ‘É isso. Você está viva, você conseguiu.” A zagueira Marsul ressalta o aspecto multicultural da Austrália. “Eles aceitam todos os tipos de pessoas. Eles não nos perguntam: ‘Você é muçulmano? Você é cristão?’ Os australianos são pessoas gentis.”
Apesar do acolhimento e todo o apoio que tem sido prestado às atletas, tudo ainda é muito incerto. Não se sabe se a Fifa vai permitir que as futebolistas representem a bandeira do Afeganistão e participem de competições como uma equipe internacional em exílio, além é claro, dos desafios pessoas de cada jogadora que está começando uma vida do zero.
“O Talibã não permite que as meninas frequentem a escola ou a universidade. Queremos ser uma voz para os sem voz que ainda estão no Afeganistão, queremos garantir que o Talibã não possa mudar nada”, disse a goleira reserva Montaha.