Mina boleira
O texto a seguir foi o vencedor do 2º Concurso de Crônicas do Museu do Futebol em parceria com PLACAR. O tema: Mulheres e o futebol
Olho pra ela feliz da vida com a compra que ela mesma acabara de fazer, a passagem para a Austrália para assistir à Copa do Mundo de Futebol Feminino, e logo penso na final do Campeonato Paulista de 1995: por que afinal não comprei a camisa do Corinthians pra ela também, além de ter comprado para seu irmão? O Corinthians venceu, mas eu perdi uma chance clara de gol com a minha filha…
São paixões de torcedores! Ainda bem que aquela pisada de bola não tirou minha filha das arquibancadas. E olha que hoje ela é uma mina boleira de fins de semana e quem fica na arquibancada sou eu quando ela joga.
Pois bem… Estou agora num verdadeiro tapete verde pra jogar uma boa partida com minha filha e eu não posso perder esse lance de jeito nenhum: pergunto se já tem a camisa oficial da nossa Seleção Feminina e ela, sem pipocar, responde de pronto: “ainda não, mãe!”.
Pensei em fazer cera para valorizar ainda mais o passe, mas não a ponto de levar à prorrogação: agora era a hora de colocar em jogo meu esquema tático de pedido de desculpas.
Estávamos com o estádio vazio, só eu e ela, e tudo o que eu queria era vê-la ainda mais feliz, deixando pra trás de uma vez aquela imagem dela chorando por não ter a camisa do seu time do coração pra comemorar.
Então, na dividida entre apostar que ela iria adorar receber a camisa de presente ou temer que ela lembrasse daquela comemoração na final de 1995 e marcasse penalidade máxima, fiquei eu como uma pipoqueira, pensando no melhor drible da situação.
Minha filha é craque: no futebol e na vida! Logo percebeu que eu estava fazendo firula e já isolou a bola: “vou tirar meu time de campo, mãe, já é tarde”.
E me deu um beijo de despedida.
Ora, essa! Não podia perder a oportunidade por W.O., até porque nós duas jogamos no mesmo time!
Então, quando ela se virou em direção à porta, matei no peito e mandei de bicicleta: “eu vou te dar de presente a camisa oficial da Seleção feminina, filha!”.
De imediato, ela se virou de volta em minha direção, colocou sua mochila no chão e tirou de lá um papel. Levantou, caminhou até mim e falou enquanto me entregava o bilhete: “mas vai ter que comprar mais uma camisa… e pra você, mãe! Porque este papel que acabei de lhe dar é a sua passagem pra ir assistir à Copa do Mundo de Futebol Feminino na Austrália comigo!”.
“Foi um gol de anjo, um verdadeiro gol de placa”, num jogo de ganha-ganha, daqueles pra se comemorar a vida inteira. Afinal, a bola entrou onde a coruja faz o ninho e, neste caso, o tirambaço acertou meu coração!