Marcela Rafael celebra protagonismo feminino: ‘Público abraçou a causa’
Em entrevista ao Elas na Área, jornalista da ESPN conta sobre sua trajetória e exalta momento de virada para mulheres no esporte, em campo e na TV
Que lugar de mulher é onde ela quiser todos sabem — ou ao menos deveriam saber. No entanto, a presença feminina no jornalismo esportivo, com espaços de maior protagonismo seja como narradora, comentarista ou apresentadora, sempre foi um tabu. Felizmente, essa realidade tem se alterado dentro das emissoras, mesmo que a passos lentos. A pernambucana Marcela Rafael, uma das referências do canal a cabo ESPN, conta ao blog Elas na Área sobre os avanços e barreiras.
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Com passagens por Rede Globo, GloboNews e SBT, Marcela construiu uma trajetória de destaque dentro da ESPN nos últimos 11 anos. Atual apresentadora do SportsCenter, ela foi repórter, setorista de grandes clubes e esteve à frente do Bate-Bola, outra importante programa da casa. Este ano, ela e a colega Daniela Boaventura se tornaram as primeiras mulheres a apresentar o Linha de Passe, principal mesa-redonda da grade.
“Valorizo demais as conquistas das mulheres no esporte e no jornalismo. Apresentar o Linha de Passe foi um passo muito importante para mim porque era a única coisa que eu ainda não tinha feito na ESPN. Era algo que eu queria muito fazer e que me sentia preparada. Eu e Dani comemoramos demais este feito”, contou a profissional de 40 anos.
Marcela iniciou a carreira no jornalismo esportivo como repórter de partidas em sua cidade natal, Recife, no início dos anos 2000. “Eu era muito jovem, insegura, e era uma época que tinha muito mais homem do que mulher, muito mais que hoje. Mas é curioso porque ainda lá no nordeste havia jornalistas que me inspiravam e davam a certeza de que era possível fazer jornalismo em um ambiente masculino”, diz.
Anos mais tarde, Marcela se mudou para São Paulo e, a convite de José Trajano, foi contratada pela ESPN Brasil. Embora sempre tenha transitado entre as funções de repórter e apresentadora, a pernambucana assumiu o posto nos estúdios de vez em 2014, após o nascimento de Theo, seu primeiro filho.
Elas têm a força
Há quem ainda insista que “ninguém liga para o futebol feminino”. Os estádios cada vez mais cheios e os índices de audiência provam o contrário. A finalíssima da Eurocopa deste ano entre Inglaterra e Alemanha, transmitida pela ESPN com narração de Luciana Mariano bateu recorde de audiência, em uma partida de futebol feminino na emissora. Durante o jogo, o canal assegurou a liderança do ranking entre os canais esportivos da TV paga, com mais que o dobro (128%) do SporTV.
“Nós entendemos como um ciclo. Oferecemos mais produto do esporte feminino, vemos mais as pessoas gostando, a audiência aumenta e o esporte cresce. Falando cada vez mais sobre o assunto, isso se torna algo natural. Fomos aumentando cada vez a presença de mulheres no canal e de esportes femininos porque notamos que o público abraçou a causa”, diz Marcela Rafael.
E por que representatividade é tão importante? Historicamente, o futebol é um espaço pensado por e para figuras masculinas. Sempre soou ‘mais natural’ ver homens jogando, narrando, comentando e apitando os jogos. Para se ter uma ideia, só em 2019 uma comentarista, Ana Thaís Matos, passou a ser escalada de forma frequente para comentar jogos de futebol masculino em horário nobre na Rede Globo, a principal emissora do país. Antes, casos esporádicos haviam acontecido, como em 2009, quando Milly Lacombe comentou jogos da Champions na Record.
Outra área que avançou de forma notável nos últimos anos foi a de narradoras. No Mundial do Catar, Renata Silveira será a primeira mulher a narrar uma partida de Copa masculina na Globo. A precursora deste mercado foi Luciana Mariano, que hoje compõe o time da ESPN, e foi a primeira narradora da TV brasileira nos anos de 1990, pela Band.
A ESPN ao longo dos anos tem se transformado em referência em abrir espaço às mulheres. Tanto em dar visibilidade aos esportes femininos quanto na presença de jornalistas em seus programas. A semente do projeto foi plantada em 2016, com a criação do portal de notícias ESPN Women (tradução do inglês para mulher).
Atualmente, a emissora, que faz parte do grupo Disney e recentemente completou um ano da nova programação, exibe diversos torneios de futebol feminino,como a Libertadores, os campeonatos Inglês e Italiano da modalidade, a Women´s Champions League e a Copa da Rainha. Outra novidade é o Mina de Passe, versão feminina do Linha de Passe, o primeiro programa semanal da TV brasileira para debater exclusivamente o futebol feminino.
Casos de assédio ao vivo
No mês passado, durante a transmissão do Sports Center comandado por Marcela Rafael e Renato Rodrigues, a repórter Jéssica Dias foi assediada ao vivo por um torcedor do Flamengo enquanto trabalhava no pré-jogo de Flamengo x Vélez Sarsfield pela semifinal da Libertadores, no Maracanã. Ao vivo, Marcela imediatamente repudiou o beijo sem consentimento dado pelo torcedor rubro-negro.
“É bom vermos essa repercussão. Nem sei como tive o controle de só chamar ele de ‘palhaço’ ali na hora. A minha vontade era falar tudo e mais um pouco, mas ainda bem que eu respirei fundo e tentei me expressar da maneira mais decente”, diz.
Beijar uma mulher sem que ela queira é assédio. Acreditem, tem gente que não sabe isso. No fim do SportsCenter um homem deu um beijo na nossa repórter Jessica Dias durante o link dela no programa. 2022 e isso ainda acontece. Eu já passei por isso e sei o quanto é humilhante.Segue
— Marcela Rafael (@marcelarafael) September 7, 2022
“Isso era uma coisa que acontecia demais na época que eu era repórter, tanto no nordeste quanto aqui no sudeste. E se você reclamasse era acusada de ‘mimimi’”, diz Marcela. “Anos mais tarde, conversando com outras repórteres e com mulheres que cobrem o esporte, você começa a entender que isso não era algo normal. Não podíamos aceitar aquilo daquela forma para que a futura geração de jornalistas não trate isso como natural, porque não é. Um homem te beijar contra sua vontade em seu local de trabalho é assédio.”
“A repercussão do caso da Jéssica foi algo muito interessante porque foi uma revolta das mulheres, dos homens, dos próprios homens repudiando o ato. Uma maior consciência do quão absurdo é”, completou. A caminhada é longa, mas mudanças importantes estão em curso.
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