Ex-jogadora da seleção brasileira e eleita melhor treinadora da liga italiana de futsal, a catarinense conta à PLACAR sobre os desafios em sua carreira
Determinada e apaixonada pelo futsal, Cely Gayardo construiu uma trajetória marcada por superação e talento. Natural de São Miguel do Oeste, a ex-jogadora e atual treinadora de futsal da Roma feminino contou em entrevista exclusiva à PLACAR, suas experiências e compartilhou os desafios de ser mulher em um ambiente ainda dominado pelo machismo.
Cely Gayardo, técnica de futsal – Reprodução/Instagram
Cely iniciou a carreira profissional no futsal como jogadora aos 14 anos, após se destacar em Chapecó. Pouco depois, foi convocada para a seleção brasileira, onde conquistou títulos importantes como a Copa do Mundo e o Sul-americano.
Formada em fisioterapia, buscou novos desafios no exterior e, em 2011, iniciou experiência internacional no Burela FC, da Espanha. Em seguida, consolidou-se no futsal italiano, onde atuou por nove temporadas. Mesmo em boa forma física aos 32 anos, uma sequência de lesões antecipou sua aposentadoria. A decisão, embora difícil, abriu caminho para uma transição imediata para a função de treinadora, área para a qual já vinha se preparando com cursos de capacitação.
“Tive a frustração de ter que deixar de jogar tão cedo, mas por outro lado, acabei de jogar, e já tive a oportunidade de ser treinadora. Ter uma oportunidade de treinar tão rápido em uma equipe tão importante com certeza fez o processo ser menos difícil. Mas mesmo assim foi difícil”.
Cely Gayardo, ex-jogadora de futsal – Reprodução/Redes sociais
No Burela FC, Cely se destacou rapidamente como auxiliar técnica. Sob sua participação, o clube foi eleito o melhor time de futsal do mundo em 2021 e 2022, reforçando a confiança na nova carreira. Mais tarde, Cely entrou no top 3 melhores melhores treinadores da Itália e, na sequência, foi eleita a melhor treinadora.
“Quando eu resolvi ser treinadora, eu tinha um objetivo que em 10 anos eu gostaria de chegar na seleção brasileira de futsal, mas eu falo que o meu objetivo é ser uma das melhores treinadoras do mundo, referência no futsal feminino que foi onde eu comecei… Eu estudei muito para poder ser treinadora, para fazer as transições tecnicamente e taticamente, curso de comunicação, curso de gestão de equipe. Foi só para dizer que o caminho é esse, não se arrependa ou não se frustre pelo que aconteceu, continue que a estrada é essa. Então foi para me certificar que as coisas estavam sendo sendo bem feitas”.
Um dos desafios enfrentados foi assumir a liderança de jogadoras que haviam sido suas colegas de equipe : “Era um dos meus receios naquela época, como seria para as meninas que me viam até ontem como colega, como jogadora, agora ser comandadas ou ser lideradas assim por mim”.
“Eu pensava que seria uma dificuldade, mas foi um dos pontos de força, porque as meninas me abraçaram de um jeito e viram a minha ideia como treinadora, era uma mulher treinando elas”.
Cely Gayardo, técnica de futsal do Roma feminino – Reprodução/Instagram
Outro grande desafio enfrentado por não só Cely, mas todas as mulheres que trabalham com esporte: o machismo.
“Sentia muito que eu incomodava, falavam muitas coisas só pelo fato de eu ser uma mulher, isso acontece até hoje porque eu sou rodeada por homens, as únicas mulheres que eu tenho são as minhas jogadoras. Por sorte, eu consigo ser muito calma em toda e qualquer situação difícil que eu tenha que enfrentar, mas mesmo assim eu sinto que isso causa um desconforto. É uma das barreiras que eu ainda tenho que tenho que derrubar, porque as portas não são abertas facilmente, tem que botar a cara”.
Perguntada sobre suas inspirações, a treinadora citou Pep Guardiola e explicou que a maioria de suas referências são do futebol de campo.
“A gente sempre teve referências masculinas para seguir. Eu escolhi o meu número 9 por causa do Ronaldo Fenômeno. Mas eu lembro que eu gostava muito da Sissi, quando eu vi a seleção brasileira jogar. Hoje a gente tem a Marta, e no futsal feminino eu tenho muitas referências que foram minhas companheiras de equipe”.
“Sigo muito treinadores do futebol de campo. O Guardiola, para mim, joga o futsal dentro do campo. O Velasco, que é treinador italiano de vôlei, a gestão dele na Itália é muito forte. Ainda muitas figuras masculinas que são as que se destacam, mas eu acho que tudo isso é mais a parte de gestão, porque vem de outros esportes. Então espero que no futuro, outras meninas, tenham outras referências femininas”.
Cely deixou uma mensagem para mulheres que sonham com espaço no esporte:
“Quem acredita sempre alcança. E eu acredito que a cada dia, embora a passos lentos e curtos, a gente tem ganhado um pouco mais de espaço. A gente não pode ficar esperando que essa porta vai ser aberta. Então, a minha mensagem é, se a porta não abrir, derruba ela, que tem espaço para a gente”.
“Não podemos permitir que os outros nos deixem sem coragem de enfrentar o mercado de trabalho. A gente pode competir com qualquer pessoa como treinadora, atleta, jornalista, a gente só precisa chegar lá e tomar a iniciativa, porque isso não vai vir da outra parte”.
Cely Gayardo comemorando o título do Roma – Divulgação/Redes sociais