Apenas o começo: os avanços e problemas do Brasileirão feminino
Em sua 10ª edição, competição cresce em nível técnico, interesse popular e apelo publicitário. Mas não se deixe enganar: ainda há muito a ser feito
Reportagem publicada na edição impressa de julho de 2022
Exatos 5 947 torcedores e torcedoras alviverdes cantaram e vibraram nas arquibancadas do Allianz Parque na vitória do Palmeiras por 2 a 0 sobre o rival Corinthians, pela 11ª rodada do Brasileirão feminino, em 4 de junho. Estabeleceram-se assim o novo recorde de público da arena em um jogo de mulheres e o primeiro triunfo do Verdão sobre a maior potência da modalidade nesta competição. Leila Pereira, a primeira presidente mulher da história alviverde, festejou em seu camarote. Os dois gols de Duda Santos mantiveram as palestrinas no topo do Brasileirão àquela altura da disputa.
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Foi uma tarde histórica para o futebol feminino do Palmeiras também no que diz respeito à arrecadação. Diferentemente do que ocorre na maioria dos jogos, a entrada não era franca. Os ingressos foram vendidos a preços populares, é verdade (30 reais a inteira e 15 reais a meia), e o público total passou longe da capacidade máxima de 45 000, mas o recorde batido é mais um sopro de esperança para a modalidade.
O dérbi paulista é hoje o grande chamariz de um campeonato em ascensão. A palestrina Bia Zaneratto, 28 anos, é a craque do momento. No ano passado, porém, ela não evitou a derrota para o Corinthians de Tamires, Gabi Zanotti e do técnico Arthur Elias na última final, vista por mais de 4,1 milhões de telespectadores da Band. Mais de 220 jornalistas foram credenciados a Itaquera, o dobro em relação a um jogo comum do Brasileirão masculino.
Os números chamam a atenção, mas não podem maquiar uma realidade ainda longe do ideal. Dezesseis clubes disputam a Série A feminina: Corinthians, Avaí/Kindermann, Palmeiras, São Paulo, Santos, Inter, Ferroviária, Grêmio, Flamengo, Cruzeiro, São José, Real Brasília e os quatro que subiram para a elite, Red Bull Bragantino, Atlético-MG, Cresspom-DF e Esmac-PA. Criado em 2012 e organizado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) desde 2013, o Brasileirão passou por diversas mudanças. As premiações começaram apenas em 2017, ainda com valores irrisórios.
Em 2020, o campeão Corinthians faturou 180 000 reais; no ano passado, o valor subiu para 290 000 reais, um bom aumento, mas que representa apenas 0,87% dos 33 milhões de reais embolsados pelo campeão masculino Atlético- MG. Soa utópico pedir a justa equiparação — o futebol de homens, desenvolvido com quase um século de antecedência, tem um apelo comercial bem superior —, mas é hora de trabalhar para reduzir o abismo. Como comparação, na Liga dos Campeões feminina, na qual o vice-campeão Barcelona levou mais de 90 000 fãs ao Camp Nou em alguns jogos, a Uefa quadruplicou a premiação total para 24 milhões de euros, sendo 1,4 milhão de eurospara o campeão Lyon.
O Brasileirão feminino vendeu seus naming rights para a Neoenergia, holding do grupo espanhol Iberdrola, e celebrou a parceria com grandes marcas como Guaraná Antarctica e Riachuelo. A visibilidade também cresceu com partidas exibidas em TV aberta, pela Band, e fechada, pelo SporTV, e gratuitamente na internet pela Eleven Sports. A Globo, que não dá ponto sem nó, já adquiriu direitos a partir de 2024. Um marco para a modalidade se deu em 2019, quando a CBF impôs aos times que disputam a Série A masculina a criação de uma equipe feminina profissional, provida de assistência e departamento próprios.
Gabi Zanotti, estrela do Corinthians, que no início considerou a lei equivocada, por ser impositiva, diz ter mudado de ideia. “O que se faz por obrigação não sai bem-feito, mas, como o machismo é tão enraizado, se não fosse dessa forma, as coisas não aconteceriam”, afirma O investimento ocorre devagar e sempre. O Atlético-MG retomou as atividades em razão da lei e chegou à elite. “Nosso objetivo é nos consolidarmos na primeira divisão e montar um projeto forte para colher os frutos lá na frente”, diz a coordenadora do clube, Carolina Melo, ex-Ferroviária, equipe de Araraquara (SP), que é bicampeã da Libertadores feminina.
Há cinco treinadoras na Série A: Rosana Augusto (Red Bull Bragantino), Patrícia Gusmão (Grêmio), Lindsay Camila (Galo), Tatiele Silveira (Santos) e Roberta Batista (Ferroviária). Outra boa nova visa ao futuro. “A CBF criou mais campeonatos, como Brasileirão Sub-17, Sub-20, A2, A3 e a Liga de Desenvolvimento, para atletas até 16 anos. Isso é um grande incentivo à modalidade”, diz Aline Xavi, coordenadora do Santos, clube que conta com a artilheira da primeira divisão, a veterana Cristiane, de 37 anos.
Historicamente, a modalidade sempre sobreviveu com as receitas dos homens e empilhou déficits. Até mesmo o Corinthians deve fechar no vermelho: no orçamento para 2022, o clube previu cerca de 8 milhões de reais de receitas brutas e 10 milhões de reais de despesas. O dinheiro vem aumentando, mas é pouco. Ao menos seis clubes da atual edição do Brasileirão têm patrocínio próprio para as equipes femininas. O Inter faz ótima campanha, pois investiu na modalidade 5,5 milhões de reais (dezoito vezes mais que a última premiação ao campeão) em 2022. Para Leonardo Menezes, gerente colorado, há um entrave: a falta de transparência da CBF.
“Diversas emissoras transmitem nossas partidas, mas, ao contrário do que acontece no masculino, os direitos de TV ficam todos para a CBF, que diz usar o valor para pagar despesas operacionais das quais não revela detalhes”, diz Menezes. Procurada por PLACAR, a confederação fez jogo duro, seguindo uma triste tendência, já que a maioria dos clubes também negou entrevistas. Nos bastidores do Palmeiras, ouvia-se outra realidade decepcionante: nem mesmo a boa fase na tabela faz a diretoria acreditar na modalidade. Para piorar, uma grave denúncia abalou o torneio. O Santos demitiu um funcionário a quem acusou de ter tentado subornar uma atleta do Bragantino, que àquela altura já estava rebaixado. O caso será investigado e pode ter desdobramentos. Em suma, o futebol feminino avançou, mas o caminho a percorrer é árduo.