Juninho, Martinelli e gestão: a ascensão do Ituano, a um jogo do acesso
Galo de Itu chegou perto de falir, mas se recuperou com organização e controle financeiro; no domingo, atual campeão da Série C fará 'final' diante do Vasco
ITU – O Campeonato Brasileiro da Série B mais forte de todos os tempos, que contou com tradicionais times do futebol nacional, chega à sua última rodada com uma surpresa do interior paulista a um passo do acesso. O Ituano, atual campeão da Série C, iniciou a competição sorrateiro, virou o turno perto do Z-4, mas agora precisa apenas de uma vitória em casa contra o Vasco, neste domingo, 6, às 18h30 (de Brasília), no Estádio Novelli Júnior, em Itu, para estrear na primeira divisão em 2023.
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A recuperação do Galo Rubro-negro incendiou a reta final da competição e o jogo contra o Gigante da Colina, um concorrente direto, promete parar o Brasil. Cruzeiro e Grêmio já garantiram o acesso, enquanto Bahia (59 pontos), Vasco (59), Ituano (57) e Sport (56) brigam pelas duas vagas restantes. Para a cidade de Itu, localizada a 75 quilômetros da capital, o jogo representa a ascensão nacional do time, que chegou perto da falência há menos de 15 anos e, hoje, almeja voos gigantes, como manda a fama da cidade. PLACAR ouviu dirigentes sobre o atual momento do Ituano.
Nos trilhos: o surgimento do time da ‘Cidade dos Exageros’
Os trens de carga foram protagonistas do fluxo econômico paulista na primeira metade do século XX e o futebol, como parte da sociedade, não ficou de fora disso. Em 24 de maio de 1947, um grupo de ferroviários que trabalhavam na Estação de Ferro Sorobacana, fundou a Associação Atlética Sorocabana. O palco dos primeiros jogos foi à beira dos trilhos que passam por Itu, onde chegou até a disputar a terceira divisão estadual, em 1956.
Menos de duas décadas depois da fundação, em 1965 a cidade passou a dar nome ao time, que foi rebatizado de Ferroviário Atlético Ituano (FAI). Anos de amadorismo não fizeram o clube sumir de cena e, em 1978, voltou a ser profissional, em uma união de dirigentes do FAI aos do Clube Atlético Ituano, que transferiram as cores vermelha e preta, o brasão, o mando de campo no recém-inaugurado Estádio Novelli Júnior e a ligação com a população da cidade.
Itu é famosa nacionalmente e atrai turistas da região por sua fama de ser a “Cidade dos Exageros”, onde “tudo é grande”. A alcunha ganhou popularidade no programa humorístico A Praça da Alegria, exibido nos anos 1960 na extinta TV Tupi, graças a ao ator ituano Simplício, Francisco Flaviano de Almeida, que costumava se gabar de seus “excessos”. Pela cidade, destacam-se estátuas e construções gigantes. Agora, é o Ituano quem quer ser grande de vez.
Glórias e momentos delicados
Os anos 80 foram marcantes para o clube que brilhou na “segundona do estado”. Foi a época de glória do atacante Django, até hoje o maior artilheiro da história do clube, com 147 gols. Em 1989, o Rubro-negro conquistou a Segunda Divisão do Campeonato Paulista, ao bater a Ponte Preta (um dos maiores rivais), e o acesso à elite. O nome passou do antigo Ferroviário ao atual Ituano Futebol Clube.
Os anos 90 foram de altos e baixos para o Galo e as memórias ficam por conta de um “sobe-desce” da elite estadual e a revelação de Juninho Paulista, em 1992, que mais tarde brilhou por São Paulo, Middlesbrough-ING, Atlético de Madri-ESP e seleção brasileira. O início deste século foi marcado pela administração de Élio Aparecido de Oliveira, o Oliveira Júnior, ex-radialista, investidor do futebol e agente Fifa.
Durante a gestão, o Ituano cresceu em termos de estrutura e desempenho, como o retorno à primeira divisão do estado em 2001 e os títulos do Paulistão de 2002 (ano em que os grandes disputaram o Torneio Rio-São Paulo) e a Série C de 2003. Grandes nomes, como Richarlyson, ex-jogador de clubes importantes e hoje comentarista do Grupo Globo, e Basílio, de passagens por Palmeiras e Santos, foram importantes nessas conquistas. Porém, antes mesmo do fim do contrato, o empresário deixou o clube em maus lençóis, o que acarretou em anos negativos.
Os vice-presidentes do clube, Rodrigo Augusto Tomba e João Fernando Scaravelli, contaram a PLACAR que esse período no início do século XXI afastou a torcida do clube. “Apesar dos bons resultados conquistados dentro de campo, fora dele foi bastante traumático. A cidade deixou de se identificar com o time. Recuperar isso não é fácil. Depois disso veio uma sequência de resultados ruins, nos Brasileiros e Paulistas, desestimulando a torcida”, diz Tomba.
João Fernando Scaravelli completa, sobre o fato de as arquibancadas do Novelli Júnior terem ficado quase sempre vazias: “Além de tudo, nossa cidade está muito próxima da capital, o que faz as pessoas optarem por torcer pelos times de São Paulo”.
Os resultados ruins ocorreram, especialmente, nos anos em que a Traffic, empresa de gestão e marketing esportivo, assumiu o Ituano recém-abandonado. Em 2007, o Galo foi rebaixado da Série B e, no ano seguinte, da Série C. Em 2009 o rebaixamento no Campeonato Paulista só foi afastado na última rodada e o contrato de gestão foi rescindido. Não havia muitas alternativas e o clube flertou com a falência, como lembrou Scaravelli.
O início da ascensão
Ídolo do clube e primeira grande revelação, Juninho Paulista voltou como gestor, por meio de uma empresa, e para se despedir do futebol, no Paulista de 2010. João Fernando, que já era conselheiro do clube, reforça como o ex-jogador foi a sobrevida ao Galo. “Quando ele assumiu nós precisávamos achar um parceiro para que o Ituano não morresse. O começo foi muito difícil, o investimento não era alto e o clube tinha muitas dívidas. Mas hoje colhemos os frutos.” Rodrigo Tomba ressaltou que a figura do ídolo também deu credibilidade e visibilidade.
O início do sucesso se deu em 2014, quando um elenco experiente, que contava com peças como Cristian, Marcinho e o treinador Doriva, surpreendeu a todos e, eliminando o Palmeiras na semifinal e batendo o Santos na final, levou o segundo Campeonato Paulista para Itu, o que transformou o clube no interiorano com mais taças do torneio.
Os vice-presidentes afirmaram que o clube não mudou “da água para o vinho” com o título, até pelo prêmio não ser um valor astronômico. Ainda assim, os dirigentes afirmam que houve, sim, uma escalada de patamar com o troféu, especialmente pela visibilidade a patrocínios e o fato da gestão ter encontrado um rumo.
O Galo voltou a ser abraçado aos poucos e resultados como as oitavas de final da Copa do Brasil de 2015 e participações no Brasileirão da Série D influenciaram positivamente. Em 2019, Juninho deixou o Ituano para assumir cargo de diretor de seleções da CBF, mas o trabalho continuou. Paulo Silvestri, sucessor do ídolo, assumiu a gestão com os mesmos moldes anteriores.
Martinelli e seus frutos
O investimento nas categorias de base fez com que o caixa do clube fosse sendo beneficiado com vendas. Até que um atacante franzino, veloz e goleador chamado Gabriel Martinelli mudou o destino da equipe.
O jovem que chegou do Corinthians em 2015 passou a enfileirar brilhantes atuações durante as categorias sub-15, sub-17 e sub-20, até estrear profissionalmente, aos 16 anos, em um jogo do Campeonato Paulista de 2018, enquanto já era sondado por gigantes da Europa. Um ano depois, após se destacar na Copa São Paulo de Futebol Júnior e no Campeonato Paulista, o Ituano fez a maior venda de sua história. O atacante foi comprado pelo Arsenal, da Inglaterra, por cifras que giraram em 30 milhões de reais, em transação confirmada quando o atleta atingiu maioridade.
João Scaravelli admite que a venda da promessa mudou o patamar financeiro do Ituano, o que passou a render frutos. “Em termos de orçamento, a venda do Martinelli alavancou tudo, com certeza. Esse dinheiro ajudou muito.” Assim como toda a diretoria, Rodrigo Augusto frisou que Martinelli foi apenas um dos grandes nomes que já saíram do Galo, tendo em vista a estrutura de formação.
Naquele ano, o Ituano pôde fazer investimentos mais profundos e conseguiu, enfim, retornar à terceira divisão, ao alcançar a semifinal da Série D, o que garantiu um calendário mais estável, ajudando o planejamento do futebol. O treinador responsável pela façanha foi Vinicius Bergantim, ex-jogador do Galo, campeão do Paulistão de 2002, e forjado como técnico no clube, que seguiu em Itu na campanha que estabilizou o time na Série C nacional, em 2020.
Hora de se agigantar
Enquanto o Galo se firmava como um dos clubes mais estáveis do estado, uma campanha histórica levou a torcida do Ituano a gritar “É campeão” mais uma vez. Muito consistente após a chegada do treinador Mazola Júnior e com um plantel entrosado, o time chegou à reta final do Brasileirão Série C de 2021 embalado. Forte dentro e fora de campo, o Ituano confirmou o acesso à segunda divisão nacional ao empatar com o Criciúma e, depois, o título ao bater o Tombense. Em grande fase, meses depois, já neste ano, o Galo ainda conquistou o Troféu do Interior do Campeonato Paulista.
Ainda que o time empolgasse a pequena torcida, as previsões para o Galo eram de lutar para não cair na Série B deste ano – como PLACAR palpitou no Guia do Brasileirão de 2022. A expectativa parecia se confirmar, especialmente quando o Ituano terminou o primeiro turno da competição na 16ª posição, com cinco jogos seguidos sem vitória. Porém, foi também neste momento que Mazola, treinador do título da terceira divisão, deixou o comando do clube e Carlos Pimentel, a “solução caseira”, assumiu.
Sequências sem derrota, aliadas à instabilidade dos rivais diretos, fizeram com que o Ituano mudasse o foco da briga em poucas rodadas. Os bons resultados, vindos de atuações seguras, contribuíram para levantar o moral do elenco, que cresceu também emocionalmente.
Vencedor simbólico do returno, com 37 pontos, o Galo é o único que não perdeu para o Cruzeiro, campeão e sensação do Campeonato. E para quem sequer podia imaginar o Ituano se mantendo na segunda divisão, o time do interior paulista surpreendeu e pode jogar a Série A de 2023. Basta uma vitória. Animada, a população da cidade contribuiu para que os 14.970 ingressos colocados à venda para a “final” contra o Vasco esgotassem em poucas horas, o que aumenta ainda mais a expectativa para a última rodada.
Os destaques da campanha são Rafael Papagaio, com 10 gols, e Aylon, com seis.
Clube do futuro?
“Não há ninguém como tu, Galo Rubro-negro de Itu”, é um dos versos do hino do Ituano, que também pode ser uma boa relação com os rumos que o clube toma. Sem grandes dívidas, o Ituano tem estrutura superior à maioria dos clubes caipiras do país e, com o sucesso esportivo, pode investir cada vez mais.
“Hoje temos uma estrutura que poucos clubes, com exceção dos chamados “grandes” possuem. Jogadores pedem para vir para o Ituano. Temos uma categoria de base extremamente qualificada e profissional, formando atletas anualmente. Temos um gestão futebol profissional, comandada pelo Paulo Silvestri. Temos planejamento. Hoje o Ituano é grande”, enfatiza Rodrigo Tomba, vice-presidente do Ituano.
O Galo de Itu teve grande destaque nos últimos anos e acumula pontos positivos estruturais. Isso, especialmente após a aprovação da Lei da SAF (que regulamentou a transformação de clubes associações em Sociedade Anônima do Futebol), fez o Ituano ser alvo de grandes investidores mundiais com vasta experiência no meio. Os dirigentes, no entanto, ressaltam que a atual empresa que gere o clube tem contrato até 2040 e uma mudança no modelo do clube teria esses parceiros como prioritários.
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