À PLACAR, Lucas Moura rejeita fama de injustiçado e mira Copa de 2026
Aos 32 anos, ídolo do São Paulo diz não guardar mágoas por poucas chances na seleção, assume responsabilidades e ainda sonha alto na carreira
“Quando eu era criança e ia dormir na casa de algum amigo, procurava sempre ser educado e certinho. Tinha uma preocupação enorme de nunca dar desgosto. Era algo que me preocupava. Poxa, não quero que alguém chegue em casa e fale mal de mim para os meus pais.”
Lucas Moura passou 11 anos longe de seu lar, o São Paulo, mas foi como se jamais tivesse saído. O torcedor tricolor ansiava pela volta do ídolo “made in Cotia” e o retorno foi cercado de orgulho mútuo. “Era um sonho, tenho ótimas lembranças daqui desde a base. Fiz grandes amigos, tenho um carinho e uma gratidão enormes. Amo jogar futebol, sou apaixonado pelo que eu faço, mas fazer isso no time que me formou, que eu torço e amo, é ainda mais especial”, disse o meia, em entrevista exclusiva à edição de outubro de PLACAR.
Casamentos assim são cada vez mais raros no futebol moderno. A rápida ascensão, pouco mais de uma década atrás, foi coroada com o título inédito da Copa Sul Americana em 2012, recebendo o troféu das mãos do capitão Rogério Ceni.
O “exílio” com as camisas de PSG e Tottenham coincidiu com o jejum de conquistas da equipe paulista – foram nove anos até o Paulistão de 2021 (selado diante do rival Palmeiras, ainda sem Lucas) e 11 anos sem levantar um caneco de nível nacional até a euforia da Copa do Brasil de 2023.
Em nossas capas, Lucas já foi “A Bola da Vez” e já esteve “Mordido”, mas agora o objetivo é outro: ampliar sua idolatria, nas vitórias ou nas derrotas. Nem mesmo a eliminação nos pênaltis diante do Botafogo, nas quartas de final da Libertadores, com direito a uma cobrança perdida pelo camisa 7 no tempo normal, diminuiu o respeito da torcida por sua cria.
O retorno no ano passado foi como um conto de fadas: 47 dias após a oficialização, o meia sagrava-se campeão da primeira Copa do Brasil tricolor, um título perseguido com afinco e que tornava o clube “campeão de tudo”. Sua atuação no Majestoso da semifinal embalou uma noite épica no Morumbis.
“Eu fiquei livre de contrato pela primeira vez na minha carreira e estava aqui no Brasil, bem na época da semifinal contra o Corinthians. Estava em um resort com a minha família vendo o primeiro jogo com muitos são-paulinos. Fiquei torcendo, sofrendo, e todo mundo pedia: ‘Lucas, volta para o segundo jogo’. No dia seguinte o Milton Cruz me ligou e deu tudo certo.”
Aos 32 anos, Lucas já vive uma etapa da carreira em que precisa escolher onde e quando concentrar suas energias. A boa relação com o técnico argentino Luis Zubeldía ajuda no processo: “Eu queria jogar todos os jogos, é o que eu amo fazer, mas precisamos ser inteligentes”. No período de pouco mais de um ano, foram três lesões, resultado de muitos fatores: calendário, desgaste das viagens e os gramados. Ele, aliás, faz questão de dizer que é totalmente contra os campos sintéticos de Palmeiras, Botafogo e Athletico-PR. “Estamos muito atrás nesse sentido. Os jogadores sentem na pele. Eu raramente sofri com lesões na Europa.
Lucas também condena a arbitragem nacional, que “pica demais o jogo com faltinhas”, mas, mantendo a fama de bom moço, admite que os atletas poderiam contribuir mais para o espetáculo.
“Eu toco bastante nessa tecla. Qualquer falta enrola muito para recomeçar o jogo, perde-se tempo reclamando com o juiz. Quando vai para o VAR, sempre se forma um bolinho em volta do juiz, gasta-se muita energia com isso”, diz. “Precisamos melhorar um pouco nossa cultura, né? Infelizmente ainda tem muita cera, simulação, gandula que some com bola quando o time está ganhando, juiz que às vezes é mais caseiro. Lá na Europa não se vê tanto isso.”
Os anos fora do Tricolor se dividem entre Paris e Londres. Foram cinco integrando um Paris Saint-Germain emergente, após uma proposta irrecusável à época e que o levou a dividir vestiário com nomes como Zlatan Ibrahimovic, Edinson Cavani e Ángel Di María e estreitar laços com Thiago Silva, além de ser treinado por Carlo Ancelotti. O período rendeu até ensaio fotográfico, modelando na Cidade Luz pelas lentes de PLACAR.
Em fim de ciclo no PSG após a chegada de Kylian Mbappé e do amigo Neymar, mudou-se para a capital britânica e pelo Tottenham viveu seu momento mais marcante no futebol europeu, os três gols na semifinal da Champions League 2018/19 contra o Ajax que levaram os Spurs à grande final: “Toda vez que escuto a narração [de Jorge Iggor, narrador da TNT Sports] me arrepio, não tem como não se emocionar. Até hoje me mandam o vídeo nas redes sociais”. O herói, porém, foi sacado na grande final para o retorno da estrela do time, Harry Kane, que vinha lesionado.
“É difícil falar de injustiça, mas o natural seria eu jogar. Foi um banho de água fria. Não só por causa dos gols, mas eu vinha atuando muito bem, nas quartas contra o City também fui bem”, conta, e completa revelando bastidores prévios àquela derrota por 2 a 0 para o Liverpool.
“Fizemos a preleção no hotel e o Pochettino (técnico) revelou a escalação. Ficou um clima tenso no ônibus, todo mundo me olhando. Estava ‘P’ da vida, mas focado em ajudar o time.” Nem mesmo o trauma faz Lucas abandonar o tom pacificador de sempre. “Eu procuro não pensar nesse episódio e ficar com a alegria da semifinal, o orgulho de ter jogado uma final de Champions League. Eu sou muito competitivo, mas tenho muito orgulho daquela medalha de prata, guardo com muito carinho.”
Meio-campista de formação, Lucas passou a jogar como ponta-direita assim que subiu ao profissional do São Paulo, por causa da velocidade. Foi somente no Tottenham, com José Mourinho, que o brasileiro voltou a jogar centralizado. E assim retornou ao São Paulo. “Eu sempre fui um camisa 10 de origem na base. Eu me sinto à vontade no meio, gosto de participar do jogo e ter essa liberdade de baixar e acelerar”, afirma.
“Jogo até de lateral, se precisar”, brinca, lembrando que atuou na posição de forma esporádica pelo Tottenham, e acaba com qualquer discussão ou polêmica recente sobre onde gosta de atuar. “Eu sou muito coletivo, penso sempre no time. Tudo o que eu faço, me preocupo muito com os outros e sou até criticado por isso, dizem que eu deveria ser mais egoísta.”
Foram essa postura e a personalidade, além das grandes atuações, que levaram Lucas Moura de volta à seleção brasileira após seis anos esquecido. O trunfo está no comando do técnico Dorival Júnior, seu treinador no título da Copa do Brasil do ano passado. Ele sonha, inclusive, em estar na Copa de 2026, apesar de preterido para os jogos contra Chile e Equador.
Um dos raríssimos casos em que Lucas se envolveu em polêmicas nos últimos anos foi quando declarou apoio à candidatura presidencial de Jair Bolsonaro em 2018 e 2022. Ele mantém firme sua postura conservadora e de direita, mas revela que busca “sabedoria para saber quando vale a pena ou não falar”.
“Tem muita gente que me acompanha e quer saber minha opinião, e não vejo problema nenhum em ela ser diferente da sua. O que incomoda é ver essa polarização, essa briga. Não dá para conviver normalmente? O mundo é assim, as pessoas têm opiniões diferentes. Infelizmente existem os extremos e pessoas que não aceitam as visões alheias”, pondera.
Lucas Moura mantém sua postura nas vitórias e nas derrotas. Mesmo depois de chutar um pênalti no travessão no mata-mata da Libertadores contra o Botafogo, seguiu buscando jogo e não fugiu à responsabilidade. Pediu a bola novamente e converteu sua segunda cobrança, mas o sonho do tetra continental escorreu pelos dedos no Morumbis. Uma nova chance há de vir.
Com contrato até 2026, não faz planos para aposentadoria nem se imagina seguindo o caminho de técnico. Quer encerrar a carreira “em casa” e garante que jamais se transferiria a um rival paulista. Desfrutando de uma vida próspera em família, Lucas tem claro qual é sua principal missão. “Sei da responsabilidade que carrego hoje, ainda mais sendo casado, pai de dois filhos. Quero ser um grande exemplo e deixar um grande legado para eles.
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‘2026 É LOGO ALI’
Lucas evita falar de injustiça, mas acredita que poderia ter dispuatado a Copa de 2014 e se vê em condições de estar no grupo do Mundial de 2026
Sonha com a próxima Copa do Mundo? Dá para chegar em 2026? Acho que é possível, sim. Eu me vejo na seleção. Sempre foi um sonho jogar uma Copa, e, quando eu voltei para o São Paulo, tinha esse objetivo. Estou novo ainda, me sinto bem fisicamente. Tenho muita lenha para queimar e acredito que posso ajudar bastante. Vou trabalhar e me esforçar ao máximo para alcançar 2026.
Você e o Neymar surgiram praticamente juntos. Esperava-se que fossem deslanchar juntos como uma grande dupla na seleção. O que aconteceu? Se sente injustiçado? Já ouvi bastante isso, é difícil achar uma explicação. No começo da minha carreira, surgiram muitas comparações até injustas com o Neymar. Primeiro que cada jogador tem sua característica, sua história e maneira de ser. E o Neymar é um daqueles jogadores que surgem a cada trinta anos, um gênio da bola. Ele é completo, tem drible, velocidade, definição. Essas comparações me incomodavam na época, mas é difícil achar uma explicação. Talvez tenha faltado uma sequência e oportunidades para jogar no time titular. Fiquei três anos na seleção e joguei pouquíssimo como titular. Não estou reclamando, mas acho que é uma avaliação.
E qual edição teria sido a sua Copa do Mundo? Eu acho que na Copa de 2014 tinha condições de jogar, estava vivendo um momento muito bom no PSG, tanto que eu era titular e o Cavani, banco, então tinha muita esperança. A Copa de 2018 já era mais difícil porque eu vinha de cinco meses sem jogar no PSG e havia me transferido para o Tottenham. Era bem no comecinho, mais complicado mesmo. Confesso que machucou (ficar fora de 2014), mas não gosto da palavra injustiça, é um pouco pesada. Tem muitos jogadores no Brasil, não é? Dá para montar umas três seleções. São escolhas do treinador e temos que respeitar.
Como vê essa crise de identidade da seleção? Há um desinteresse e afastamento da torcida. Mudou muito de como era antigamente a ligação da torcida com a seleção brasileira, infelizmente. Não sei o que motivou isso, talvez o problema político que atravessamos até hoje. Polarizou bastante, uma pena. A seleção sempre teve o poder de unir bastante o povo brasileiro. Eu sou de uma geração que pintava as ruas durante as Copas do Mundo, e era uma alegria enorme. Infelizmente, perdemos um pouco disso. Mas está nas nossas mãos, ou melhor, nos nossos pés. Não tem mais jogo fácil e simples, e cabe a nós resgatar novamente essa identidade da torcida. Eu vejo luz no fim do túnel, tenho muita esperança, porque temos muitos jogadores de qualidade, novos talentos surgindo. É trabalhar para colocar a seleção no lugar que merece.
Acha que nossa geração está abaixo do nível europeu? Não, não vejo dessa forma. Sempre estivemos à frente na qualidade técnica. Em todas as gerações, o Brasil sempre foi uma máquina de revelar jogadores. Só que não é só talento, não basta, precisa de organização, mentalidade, é um conjunto. Precisamos melhorar no que estamos pecando, porque não é talento ou uma questão de qualidade.
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MADE IN… PLACAR
Não é de hoje que Lucas, outrora “Marcelinho” pelos meses que jogou na escolinha do ídolo corintiano, em Diadema, estampa as páginas de PLACAR.
Na primeira delas, em abril de 2011, o “Bola da vez” do futebol brasileiro contava que ainda gostavade jogar boliche, recebia conselhos de Rogério Ceni e Rivaldo e provocava até ciúmes em companheiros.
Na segunda, em junho de 2012, já pleiteava um lugar de protagonista no São Paulo e na seleção brasileira. Ainda houve um ensaio ao melhor estilo “galã” na chegada ao PSG. “A Cidade Luz parou nesse dia”, recorda aos risos.