História do esporte no país é marcada por resistência, conquistas e um futuro promissor
O futebol feminino no Brasil tem uma história marcada por resistência, pioneirismo e superação. Desde os primeiros registros na década de 1920, passando pela proibição imposta na era Vargas, até os dias atuais, essa trajetória reúne conquistas históricas. No momento em que se prepara para sediar a Copa do Mundo de 2027, PLACAR revisita marcos importantes dessa caminhada.
Em um capítulo controverso na história do esporte brasileiro, o Decreto-Lei 3.199, assinado em 14 de abril de 1941, proibiu oficialmente as mulheres de praticarem esportes considerados “incompatíveis com sua natureza” — e o futebol estava no topo dessa lista.
O Brasil vivia o período do Estado Novo, regime de Getúlio Vargas, marcado por forte controle social e valorização de símbolos nacionais, como o futebol. Visto como um esporte essencialmente masculino, o futebol era associado à virilidade. Por isso, a presença feminina nos gramados era ridicularizada ou tratada como ameaça à moral e aos padrões da época.
O decreto foi justificado com argumentos médicos e morais: alegava-se que o futebol era “violento demais” e que poderia comprometer a saúde das mulheres e até sua capacidade reprodutiva. Essas justificativas reforçavam estereótipos de gênero e marginalizavam ainda mais o esporte feminino.
Durante quase quatro décadas, as mulheres foram afastadas dos campos de futebol de forma institucional. Ainda assim, muitas continuaram a jogar de forma clandestina, desafiando as normas e mantendo viva a paixão pelo esporte. Essa resistência silenciosa foi essencial para que, anos depois, o futebol feminino pudesse ressurgir.
O Decreto-Lei 3.199 foi revogado apenas em 1979, e a regulamentação do futebol feminino aconteceu em 1983. Mesmo assim, os efeitos da proibição se fizeram sentir por muito tempo, com desigualdade de oportunidades, falta de investimento e pouca visibilidade.
Ao longo da história, as jogadoras da seleção brasileira se destacaram no cenário mundial e abriram portas para futuras gerações. Marta é o maior símbolo dessa trajetória: eleita Melhor Jogadora do Mundo pela Fifa em seis vezes, a alagoana é também a maior artilheira da história das Copas do Mundo. Isso contabilizando homens e mulheres. Ronaldo Fenômeno, por exemplo, tem 15 gols.
Cristiane, Formiga e Marta Foto: Divulgação/CBF
Outro nome lendário é Formiga, que fez sua estreia em 1995, aos 17 anos, e seguiu defendendo o Brasil até 2021, encerrando a carreira aos 43 anos. No meio-campo, ela se tornou referência e marcou gols decisivos com a camisa verde e amarela.
A história também é marcada por pioneiras como Roseli, a primeira camisa 10 da seleção feminina, que estreou em 1986, quando o futebol feminino ainda sofria com o descaso e a falta de apoio. Ela abriu caminho para outras estrelas como Pretinha, Sissi, Cristiane e tantas jogadoras que colocaram o Brasil no mapa do futebol mundial.
A história da Seleção Brasileira Feminina começou oficialmente em 1988, quando a Fifa organizou, na China, o torneio experimental Women’s Invitational Tournament. O time que representou o Brasil foi formado por jogadoras do Esporte Clube Radar (RJ) — primeiro clube feminino do país, criado em 1981, e do Juventus (SP), um dos pioneiros na modalidade.
O torneio contou com 12 seleções participantes, e o Brasil conquistou a medalha de bronze nos pênaltis. A campanha foi simbólica para o desenvolvimento do futebol feminino no país, embora tenha evidenciado a falta de estrutura da época: as atletas não tiveram uniformes confeccionados especialmente para a viagem e precisaram usar sobras do material da seleção masculina.
Desde então, o Brasil participou de todas as edições da Copa do Mundo Feminina. Na primeira, em 1991, também na China, foram convocadas 18 jogadoras. O time não avançou para a segunda fase, mas deixou sua marca com o gol histórico de Elane, a primeira brasileira a balançar as redes em um Mundial, na vitória sobre o Japão.
Em 1999, nos Estados Unidos, a competição bateu recorde de público: mais de 90 mil pessoas assistiram à final entre EUA e China no estádio de Pasadena. Para o Brasil, foi a edição da superação: pela primeira vez, a seleção chegou ao pódio. Nas quartas de final, venceu a Nigéria em um jogo dramático, com gol de falta de Sissi, uma das maiores craques da história. Na semifinal, acabou derrotada pelas anfitriãs, mas se recuperou na disputa pelo terceiro lugar e venceu a Noruega nos pênaltis, conquistando o histórico bronze.
Seleção Brasileira na partida contra a Noruega na Copa de 1999. Foto: Getty Images
A melhor campanha brasileira viria em 2007, novamente na China. Com uma geração brilhante, a seleção chegou à final contra a Alemanha, mas perdeu por 2 a 0, ficando com o vice-campeonato. Apesar do resultado, o torneio foi marcado pelo brilho individual de Marta, artilheira da competição com sete gols.
O desempenho da equipe contrastou com a falta de apoio à modalidade. Ao fim da final, as jogadoras protestaram em campo, exibindo uma faixa com a mensagem: “Brasil, precisamos de apoio” — um pedido claro para que a CBF investisse mais no futebol feminino.
Seleção Brasileira na Copa do Mundo em 2007. Foto: Reprodução/Divulgação
Na Copa do Mundo de 2023, realizada na Austrália e na Nova Zelândia, a seleção brasileira chegou cercada de expectativas. O Brasil começou bem, goleando o Panamá por 4 a 0 na estreia, mas empatou com a Jamaica e foi derrotado pela França na fase de grupos, sendo eliminado de forma precoce ainda na primeira fase — algo que não acontecia desde 1995. A campanha frustrante evidenciou a necessidade de renovação da equipe e de maior investimento no desenvolvimento das categorias de base.
Com a confirmação do Brasil como sede da Copa do Mundo Feminina de 2027, a expectativa é de um novo ciclo de fortalecimento da modalidade no país. A CBF tem prometido ampliar o investimento nas categorias de base, desenvolver centros de treinamento específicos para o futebol feminino e aumentar a visibilidade do campeonato nacional. A realização do Mundial em solo brasileiro é vista como uma oportunidade histórica para atrair público, patrocinadores e inspirar uma nova geração de jogadoras, consolidando o país como uma das principais potências do futebol feminino mundial.
Hoje, o cenário é mais estruturado. Desde 2019, a CBF exige que todos os clubes da Série A mantenham equipes femininas — exigência que também foi adotada pela Conmebol para torneios continentais.
A seleção brasileira domina a América do Sul com oito títulos da Copa América, mas ainda enfrenta desafios como falta de visibilidade, desigualdade de investimentos e calendário confuso.
Nos últimos anos, o futebol feminino no Brasil tem vivido um crescimento acelerado, impulsionado pelo investimento de grandes clubes. O Corinthians se consolidou como a principal potência da modalidade, com títulos nacionais, continentais e recordes de público. Palmeiras, São Paulo e Cruzeiro também vêm apostando forte em suas equipes femininas, com estruturas profissionais, categorias de base e elencos competitivos, elevando o nível técnico do Campeonato Brasileiro e fortalecendo a rivalidade entre os clubes. Esse movimento tem ajudado a popularizar a modalidade e a atrair cada vez mais torcedores, patrocinadores e mídia.
Corinthians é potência no futebol feminino brasileiro. Foto : Alê Torres / Staff images Woman / CBF
Mais de um século depois dos primeiros jogos e mais de 80 anos após a proibição oficial, o futebol feminino brasileiro segue crescendo. A história da modalidade é também a história de mulheres que desafiaram barreiras, resistiram ao preconceito e abriram caminhos para o futuro. Com a Copa de 2027, o Brasil terá a chance de transformar esse legado em um novo capítulo de conquistas, dentro e fora de campo.
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