Em 2024, o argentino contou à PLACAR como resistiu às propostas pela sensação de pertencimento com o clube e a cidade; relembre as falas
Juan Pablo Vojvoda e o Fortaleza colocaram nesta segunda-feira, 14, um ponto final em um casamento com juras de amor eterno. Depois de 310 jogos – com 145 vitórias, 77 empates e 88 derrotas -, cinco títulos, o vice-campeonato da Sul-Americana de 2023 e três classificações à Libertadores, o técnico argentino não comandará mais a equipe cearense. O clube não vence há nove jogos, sendo seis derrotas consecutivas.
PLACAR agora está nas bancas e em todas as telas. Assine a revista digital
Contratado em maio de 2021 como uma aposta depois do bom trabalho no Unión La Calera, do Chile, Vojvoda deixa o Fortaleza como o maior treinador da história do Leão do Pici. Nenhum outro comandou a equipe em tantos jogos.
Foram três taças do Cearense (2021, 2022 e 2023) e duas da Copa do Nordeste (2022 e 2024), além de feitos históricos jamais alcançado antes como o fato de ter terminado por duas vezes o Brasileirão no G-4, em 2021 e 2024.
Em março de 2024, PLACAR contou em sua reportagem de capa, o caso de amor de um estrangeiro que recém-havia rejeitado uma oferta do Corinthians e da seleção chilena para permanecer por mais uma temporada em Fortaleza, decisão essa motivada pela sensação de pertencimento e amor que encontrou no clube e nas areias alencarinas.
No fim do ano, você disse que precisaria de um tempo para analisar propostas. Falaram de Corinthians, São Paulo, da seleção do Chile… Por que renovou o contrato e ficou? É verdade que quando encerramos o ano de 2023 contra o Santos, na Vila Belmiro, eu tinha algumas ofertas. E eu dizia claramente que veria como encarar a sequência do projeto, se teria energia. Precisava falar com a família e com a comissão técnica. Eu sempre tive muito claro que primeiro fecharíamos o ano e, depois, [iríamos] conversar. O que é melhor? Temos um ano mais, o clube vai continuar crescendo? Qual é a proposta? Como é a energia do presidente? É o que estou sentindo também? Isto é importante: o que estou sentindo dos meus jogadores? Porque posso assinar um contrato longo, mas, se meus jogadores não estão junto, o que faremos aqui? Trocamos jogadores, como vamos renovar a expectativa? Porque o futebol brasileiro exige muito. Então, queria olhar, pensar, analisar… Marcelo Paz já vinha dizendo: “Queremos estender o contrato”. E foi desse jeito, não foi com pressa. É um clube importante que não pode pensar somente em Vojvoda e Marcelo Paz, Vojvoda e Alex Santiago, Vojvoda e jogadores. Não, aqui é Vojvoda, jogadores, comissão técnica, torcedores, clube, crescimento… É uma responsabilidade grande.
Você disse em uma entrevista coletiva que pode decidir onde trabalhar, que não é por comodidade que resolveu ficar. Eu ouvi: “Vojvoda muitas vezes prefere a comodidade”. Eu quero trabalhar num ambiente que gosto, com poder de decisão, entende? Que possa delegar. Quando eu falo que não é por comodidade, é verdade. Eu quero e exijo da diretoria que o clube tem que continuar crescendo, mas escolho onde quero trabalhar. A ambição? Sim, tenho. No meu primeiro ano, era entrar na Copa Libertadores. Consegui esse objetivo muito importante. Não quero falar de outros clubes, outros têm o objetivo de ser campeão. Mas uma coisa é a eficácia, outra, a eficiência. Eficácia é conquistar resultados. Tenho êxito e lógico que isso é ótimo. A eficiência é, a partir dos recursos que tenho, conquistar os mesmos resultados, entende? Isso é o que me entusiasma, me enche de paixão. Fazer crescer um clube, que é uma responsabilidade de todos. Dizem que não tenho a pressão de outros clubes de São Paulo, mas jogamos o clássico com 47.199 pessoas.
E isso é que te estimula a continuar? Sim. Não podemos confundir aquilo que é midiático com a verdadeira essência do futebol. Eu gosto de sentir os torcedores no campo, entende? Quando não existiam as redes sociais e tantos programas de televisão, a gente ia ao campo para se manifestar. Agora os torcedores vão ao campo, e quero isso, encontro isso no Fortaleza. A verdadeira essência do futebol está no campo, quando a bola está rolando e os torcedores se manifestam. Esse é o verdadeiro amor que as pessoas têm com as cores de sua camisa, com o seu clube… E isso encontrei no Fortaleza. Encontrei torcedores que sofreram muito, mas que nos últimos anos desfrutam. Isso me emociona.
É possível ver paixão em seus olhos, alguém que sente o futebol não só pelo dinheiro… Sim, o dinheiro é importante. Nos faz crescer e ajuda em muitas coisas. Todos nós queremos ter mais, não? Mas até quanto mais? O dinheiro é importante para comprar a comida, mas não se pode comer o dinheiro. Muito dinheiro ou muita comida? O que prefere? Aí respondem: “Prefiro dinheiro porque com o dinheiro vou poder comprar a comida”. Mas a essência é a comida, não o dinheiro. A necessidade do ser humano é se alimentar. Então não podemos confundir isso. Eu não critico o dinheiro porque todos queremos. Eu, inclusive. Gosto de viver bem, porém não podemos confundir os valores.
Isso vem da sua família? Acho que sim. Meus pais me deram uma boa educação. Tive essa sorte, sei que nem todos têm. Foi uma educação de classe média. Vivia em um povoado, onde minha mãe segue morando, com 7.000 habitantes. Minha mãe gostaria que eu fosse visitá-la mais vezes, mas meus filhos continuam perto. Eles moram agora em Rosario e vão até a casa da minha mãe, comem um churrasco… Meus pais sempre escolheram o trabalho, nunca o dinheiro.
É a mesma filosofia que você segue ao escolher um projeto como o do Fortaleza… Sim, creio que essas pequenas coisas ficaram na minha cabeça e pouco a pouco foram marcando o meu caminho.
Você diz ser um cumpridor de contratos. Há neste novo acordo alguma cláusula que o libere em caso de algum tipo de proposta? Isso eu prefiro não falar, entende? São coisas particulares com o clube. Fica entre as duas partes. Sou muito respeitoso com os contratos. Estou bem em Fortaleza, quero continuar trabalhando aqui.
O quanto significa a relação que construiu com o clube? Eu ajudei a fazer o clube crescer e eles me ajudaram a crescer. É um ciclo, uma retroalimentação contínua. Em muitas partidas sinto uma atmosfera particular com o Castelão lotado. Temos que continuar desse jeito para mais. O Castelão tem que ser a nossa casa. Temos que sentir orgulho disso. Muitas vezes tenho contato com um tipo de torcedor aqui em Fortaleza, agora cada vez menos, que me diz: “Ei, Vojvoda, você tem que ir para o Palmeiras, Corinthians, Botafogo”. E eu digo: “Mas você é cearense? Por que me diz isso?” Já me explicaram que no passado muitas pessoas só viam o Carioca e o Paulista. Muita gente tem um time em São Paulo ou no Rio de Janeiro e outro aqui. E isso está mudando, quero que mude. Gosto de sair pela rua dirigindo e observando as pessoas de bicicleta, de moto, andando com a camisa… Sentir orgulho por sua terra é importante. Eu quero isto, que as pessoas do futebol se sintam identificadas com o clube e que essa identificação seja forte. É o sentido de pertencer. Eu falo que Vojvoda vai passar, Marcelo Paz vai passar, diretoria vai passar, e o que vai ficar sempre será o torcedor. Eu posso ter boas lembranças de 2021, da conquista de Copa do Nordeste em 2022, de momentos aqui, mas posso conseguir em outro clube. Só que o torcedor é que vai se lembrar, vai ser torcedor do Fortaleza pelo resto da sua vida, e isso é o mais importante para mim.
Seu trabalho é marcado pela conquista de quatro títulos, mas há também um vice na Sul-Americana nos pênaltis. Foi a derrota mais dolorosa da carreira? Já está digerida. Olhando para trás, vemos que chegamos muito perto. Por tudo o que caminhamos, provoca um pouco de dor, mas são coisas de futebol. Lamentei muito pelas pessoas que trabalharam no dia a dia e principalmente pelo torcedor. Não falo só para ficar bem com eles, mas porque vão se lembrar disso para sempre. Eu posso conseguir algo em outro clube, ou ter outras oportunidades, mas o torcedor vai lembrar para sempre, vai continuar pensando nessa final.
Em 2022, você colocou toda a sua energia em levar o clube pela primeira vez a um inédito mata-mata da Libertadores. É o título que você persegue? Em 2021, conseguimos a classificação. Terminamosem quarto na tabela do Brasileirão, com classificação direta. É verdade isso [de gostar da Libertadores], não sei se por ser argentino, mas pelo fato de ter crescido vendo jogos quarta e quinta-feira à noite. Lembro muito dos anos 1990, o Newell’s Old Boys no Coloso del Parque (hoje estádio Marcelo Bielsa). Perdemos a final de 1992 para o São Paulo de Telê Santana, eu ia sempre aos jogos. Eu fui também à final de 1988, com o Nacional (URU). Bom, conseguimos a classificação em 2021 e coloquei esse objetivo para o clube e os jogadores: “Não é só estar aqui, aproveitar o mosaico da torcida, mas temos que nos classificar à próxima fase”. Eu queria jogar os mata-matas de Libertadores. Em 2022 conseguimos o Cearense e a Copa do Nordeste, o que foi muito legal, mas havia um foco. Queria que o time desfrutasse, mas também executasse a tarefa. Conseguimos, mas foi um aprendizado, porque o Brasileirão ficou para trás. Quando saímos da Libertadores e pensamos em subir na tabela foi muito difícil. Gostaria de ganhar o título? Sim, gostaria.
Ganhar o Brasileirão por uma equipe do Nordeste seria algo muito grande. É possível no projeto do Fortaleza cogitar isso? Você está falando de objetivos e resultados. Acho que o Nordeste está com capacidade para brigar por um título. O Nordeste é uma região com muita paixão pelo futebol, a estrutura tem crescido, a organização tende a ser melhor e a competitividade vai crescer também.
Capa da edição 1509, de março de 2024, com Juan Pablo Vojvoda – Reprodução/Placar