Em baixa na Roma, atacante disse que liga italiana era "ridícula" e que o Baixinho, com quem concorria por vaga na seleção, "não tinha personalidade"
O técnico Renato Gaúcho vem ganhando manchetes internacionais graças ao sucesso do Fluminense no Mundial de Clubes. A vitória diante da Inter de Milão nas oitavas de final foi apontada como uma espécie de vingança do ex-atacante contra o futebol italiano, onde não conseguiu brilhar.
“O fim do sonho italiano. O irreverente ponta-direita denuncia boicote dos companheiros de time, menospreza o futebol do país, responde às críticas de Romário e não vê a hora de retornar ao Brasil” Essa foi a abertura da entrevista que a PLACAR fez com o então atacante da Roma, em maio de 1989.
PLACAR agora está nas bancas e em todas as telas. Assine a revista digital
Quase um ano após chegar à capital Itália, o ponta-direita Renato Portaluppi, então com 27 anos, rasgou o verbo contra colegas e imprensa italiana. Sobrou até para Romário, com quem tinha desavenças na seleção brasileira. “Romário provou que não tem personalidade e não deve ser levado a sério”, cravou Renato.
Na época da entrevista à repórter Martha Esteves, Renato Gaúcho estava em má fase no clube italiano e em litígio com o elenco. Afinal, desentendeu-se com o técnico sueco Nils Liedholm, o atacante alemão Rudi Vôller e com um companheiro cujo nome não quis revelar (apenas disse que o desafeto atuava pela seleção italiana, dando a entender que era o meia Giuseppe Giannini, chamado de príncipe pela imprensa local).
Questionado sobre o nível da liga italiana, Renato rasgou o verbo:
“É um futebol ridículo. Não fossem os jogadores estrangeiros, ninguém falaria do Campeonato Italiano.”
O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas recupera um tesouro de nosso acervo, reproduz na íntegra a entrevista de Renato em 1989:
Entrevista de Renato em 12 de maio ede 1989 – PLACAR
Como reagiu às críticas de Romário sobre sua convocação para a Seleção Brasileira?
Falando tantas bobagens, ele só demonstra que ainda é uma criança. E Seleção é lugar para homem. Depois de falar mal de mim em alguns jornais italianos, ele veio me pedir desculpas no jogo-despedida de Zico, em Udine, no final de março. E fez isso na frente do Lazaroni. Romário provou que não tem personalidade e não deve ser levado a sério.
O bate-boca de Romário com Lazaroni pode prejudicar o trabalho da Seleção?
Claro que sim. Ele acusa a Seleção de ser um INPS, quando, na verdade, é um grupo de confiança do técnico, que tem o direito de escalar quem quiser. Romário está forçando sua escalação e, se não jogar bem, vai deixar Lazaroni na mão.
Como está sua situação na Roma?
Alguns dias atrás, disseram que me recusei a ficar no banco de reservas numa partida contra a Sampdoria. Isso foi uma grande mentira, já que, na ocasião, fui liberado pelo técnico. Voltei a jogar na semana retrasada, na vitória da Roma contra o Como por 1 x 0.
Você é feliz em Roma?
Gosto daqui e sou tratado como um rei pelos torcedores. Meus problemas são com alguns jogadores da equipe e parte da imprensa, em que a maioria dos jornalistas é romanista.
E quais seriam os motivos para eles perseguirem você?
Os jogadores ficam loucos comigo porque sou estrangeiro, bonito e ganho mais dinheiro que eles. Além disso, apareço mais nos jornais e as mulheres continuam pegando no meu pé. Eles só podem mesmo me odiar (risos).
As italianas são mais ferozes que as brasileiras?
Muito mais. Elas arranham, rasgam camisa e querem me beijar a qualquer preço. À marcação é cerrada, mas tento driblá-las como posso (risos)…
Qual seu grande desafeto no time?
Não posso falar o nome do sujeito porque ele é da Seleção Italiana. Vivia pegando no meu pé e até já saímos no tapa. O cara é tão encrenqueiro que havia brigado com dois outros jogadores antes de mim.
Por que a Roma, uma equipe tradicional, atravessa uma fase tão ruim?
Simplesmente porque vive do nome. E um time fraco e cheio de jogadores velhos, muitos com mais de 30 anos. Além disso, as únicas contratações de peso para esta temporada foram a de Andrade e a minha. O resto veio da Segunda Divisão. Para quem sonha em ganhar o “scudetto”, foi muito pouco.
O relacionamento desgastado entre você e alguns jogadores não contribui ainda mais para essa má fase?
Lógico. Não interessa a meus inimigos que eu jogue bem. Por isso sou boicotado dentro de campo. Eles me queimam na maior cara-de-pau e, sempre que podem, falam mal de mim. Mas sigo os conselhos de Sócrates, que também passou maus bocados na Fiorentina: não dou mole para italiano.
Você continua frequentando a noite romana?
Nos primeiros seis meses, achei que devia ir devagar e só fui duas vezes a boates. Depois pensei: “Que porra é essa? Não faço nem um terço do que fazia no Rio e, mesmo me cuidando, ainda me deixam na reserva?” Não estava vivendo e perdia a alegria. Resolvi me divertir um pouco mais.
Depois de quase um ano, qual sua visão do futebol italiano?
E um futebol ridículo. Não fossem os jogadores estrangeiros, ninguém falaria do Campeonato Italiano. A história de que o forte é a marcação é pura balela. Na verdade, dão muita porrada para truncar a jogada e nada mais. Se o Flamengo me quiser, volto no ato.
Isso não parece choradeira comum de jogador brasileiro que não gosta de ser marcado?
Eu até admito que não jogo bem quando me marcam em cima. Mas segurar a camisa é marcação? Só na Itália. Falta é técnica ao italiano para marcar um bom jogador somente na bola. Por isso eles apelam para a porrada mesmo.
Os boatos de que a Roma contratará os brasileiros Müller, atualmente no Torino, e Mozer, hoje no Benfica, tiram sua tranquilidade?
De modo algum. Eu mesmo indiquei Mozer, porque sei da necessidade de um grande zagueiro para o time. Entre os três estrangeiros da Roma — Andrade, o alemão Vôller e eu — nada indica que a minha cabeça será a escolhida.
A contratação do técnico Ottavio Bianchi, hoje no Napoli, para o lugar de Nils Liedholm, seu desafeto, poderá melhorar sua situação na Roma na próxima temporada?
Sinceramente, não sei. Liedholm, de 66 anos, tem idéias ultrapassadas e seus treinamentos são piores que os das escolinhas de futebol do Brasil. E um sufoco ter de repetir exercícios primários, que não faço há muitos anos. Uma mudança, de qualquer maneira, vai ser bem aceita.
A torcida brasileira pode confiar na seleção de Lazaroni?
Lazaroni está trabalhando sem seis ou sete titulares que estão no exterior. E como pode ser culpado por ainda não acertar? A torcida deve esperar os “estrangeiros” para depois fazer cobranças.
O que você conversou com Lazaroni em Udine, na Itália, no jogo de despedida de Zico?
Ele me deixou muito seguro em relação a essa polêmica de um reserva, como eu, ser convocado. Garantiu que basta eu estar bem fisicamente para jogar na Seleção. Estou me esforçando nos treinamentos porque sei que vou estourar na Copa do Mundo.
O Brasil ganha a Copa de 1990?
Sem ufanismo, acho que vai ser fácil. No pouco contato que tive com os jogadores da Seleção, senti muita vontade e seriedade. Esta é a fórmula para se conquistar alguma coisa. Futebol, a gente ainda tem.
Capa da edição de 12 de maio de 1989 – PLACAR