Tostão define Pelé: ‘Perfeição e simplicidade’
Em artigo antes da Copa de 1998, ex-companheiro lembrou como conheceu o Rei, tratou da parceria e garantiu que nunca haverá outro jogador tão grande
“Conheci o Rei Pelé na Copa de 1966, quando fui convocado pela primeira vez para uma seleção brasileira. Eu tinha 19 anos e, obviamente, ele já era um jogador consagrado, o Rei do Futebol. Naquele ano, o Cruzeiro ganhou a Taça Brasil, vencendo o Santos por 6 a 2 no Mineirão. Após o título, fui fotografado com uma coroa e, no dia seguinte, vi no jornal a manchete: ‘Tostão, o novo Rei do Futebol”.
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Fiquei envergonhado e constrangido, sentindo-me um usurpador do trono. Logo que o encontrei, na convocação para a Copa de 1966, fiquei fascinado com sua presença, simpatia e simplicidade. O Rei era alegre e brincalhão, igual aos seus súditos, e me colocou à vontade na roda dos outros craques da sua geração: Garrincha, Bellini, Orlando, Djalma Santos, Gilmar, que estavam se despedindo da seleção.
Em Caxambu, cidade mineira onde o Brasil treinava, recebi a visita do meu querido pai. Apresentei-o a Pelé e, ao vê-lo, papai ficou emocionado, com os olhos cheios de água. Pelé, com sua simpatia, brincou, e o deixou à vontade, feliz. Eu imaginava: “Será que ele é assim mesmo, natural, humilde, ou é tudo uma questão de marketing?”. Hoje os jogadores vivem cercados de seguranças e secretários, não atendem o telefone, como se fossem reis.
Antes da Copa de 1966, tive a primeira oportunidade de jogar ao lado de Sua Majestade num amistoso na Suécia. Na época, eu era considerado seu reserva e diziam que não poderíamos jogar juntos, pois tínhamos a mesma característica. Pelé voltou a brilhar no Santos e, em 1969, durante as Eliminatórias, estava no auge de sua forma. Eu ficava impressionado com sua qualidade técnica. Ele tinha todas as características de um grande atacante: driblava curto e em velocidade, tinha uma visão periférica ampla, um passe preciso, chutava forte, saltava alto e cabeceava com os olhos abertos. Era imaginativo, sempre surpreendendo o adversário. Logo nos entendemos pelo olhar.
Antes de a bola chegar aos seus pés, ele me mirava, indicando o que ia fazer e para onde eu deveria ir. Além disso, Pelé era um guerreiro em campo, e seu futebol crescia quando muito marcado. Sua perfeição confundia-se com a simplicidade. Além do brilho e da magia, o Rei jogava com grande objetividade. Quase não fazia embaixadas, não driblava para os lados, mas sempre em direção ao gol. Sua genialidade e condição física eram naturais, geneticamente determinadas. A natureza lhe deu quase tudo, e ele fez a parte que lhe cabia, jogando com alegria, garra, determinação e humildade.
É muito comum os ídolos, qualquer que seja a área em que atuam, serem angustiados e se sentirem divididos na sua identidade. Perdem a referência do cidadão comum. Queixam-se da fama, mas gostam e não abrem mão da posição de estrelas. Pelé me pareceu ser uma exceção — ele sempre demonstrou felicidade e alegria em ser Rei”.