Tite cita Roger e admite preconceito estrutural contra técnicos negros
Treinador da seleção brasileira repercutiu a fala de Marcão, do Fluminense, único empregado na função em toda a Série A do Campeonato Brasileiro
Na última entrevista antes de enfrentar a Venezuela, o técnico Tite foi além dos preparativos da seleção brasileira para a partida desta quinta-feira, 7, às 20h30 (de Brasília), em Caracas, válida pela 11ª rodada das Eliminatórias da Copa de 2022. O treinador afirmou haver um preconceito estrutural contra treinadores negros no país fazendo coro a fala de Marcão, do Fluminense, único negro empregado na Série A do Campeonato Brasileiro. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele reclamou da falta de oportunidades a nomes como Cristóvão Borges e Andrade, desempregados.
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“Eu vou me posicionar. Luto e lutei minha vida toda contra minha ignorância. Procurei ler, aprender e estudar. E continuo. E contra a hipocrisia. Que é brincar de faz de conta. Prefiro responder quando não quero. Há sim um preconceito. E ele é arraigado, estrutural, sim”, disse, antes de completar mencionando como principal exemplo Roger Machado.
”O que posso dizer é que tenho um respeito muito grande e, talvez, um dos maiores atletas que trabalhei, e tenho um respeito muito grande, chama-se Roger Machado. Pela conduta pessoal, pelo conhecimento profissional, pelos momentos bons, difíceis, e exemplo nele de um dos profissionais que tenho mais profundo respeito. Devemos lutar contra o preconceito, porque há na relação ao técnico negro e, talvez, ampliando numa situação generalizada e maior em termos sociais”, afirmou o treinador.
Logo após o posicionamento de Tite, o auxiliar César Sampaio, que também participava da entrevista, pediu a palavra: “como o Tite bem disse, durante muito tempo na história não só do nosso país, mas do mundo, nós negros fomos cerceados de alguns direitos em todos os segmentos. Entendo que o mundo hoje, com esse avanço tecnológico, trouxe a tona essa realidade com alguns absurdos que infelizmente acontecem. E mais do que um posicionamento, são atitudes. Então, me sinto muito feliz em ocupar esse espaço, e capaz de estar aqui, e falo para a classe negra em geral que possam lutar. Sou um defensor ativo aqui deste espaço que ele não tem cor, não tem credo, não tem raça, um espaço onde todo aquele capaz deve ocupar. E mais do que falar temos trabalhado muito para isso”.
Marcão foi escolhido no Fluminense como o substituto de Roger Machado, demitido após a eliminação da Libertadores para o Barcelona de Guayaquil, em 21 de agosto. Desde então, detém o melhor aproveitamento entre todos os técnicos da competição: 15 pontos de 21 possíveis, 71,4%.
Além disso, ostenta também um recorde de invencibilidade de 16 partidas sem ser derrotado na competição nacional, somadas as três vezes em que assumiu: 2019, 2020 e 2021. “Há algo que sempre falo: se capacite. Não adianta dizer que alguém precisa de espaço e não se capacitar, não buscar. Mas vejo vários treinadores que são negros, altamente capacitados, sem oportunidade ou que não recebem a chance que muitos têm. Por isso, digo que meu clube é maravilhoso. O Roger esteve aqui, mas isso precisa tocar mais os outros clubes, também. Não é pela cor da minha pele que devo ser excluído ou colocado. Olharam para mim e me viram capaz”, explica.
Além dele, o técnico do Sampaio Corrêa-MA, Felipe Surian, é outro representante negro na Série B nacional. Marcão e Roger Machado trabalharam juntos no Fluminense e protagonizaram, em 2019, um encontro atípico entre dois técnicos negros na Série A, no confronto entre Fluminense e Bahia.
Roger usou o espaço para pedir por igualdade de oportunidades a profissionais da categoria. Também fez um discurso emocionado sobre democracia racial. “Negar é silenciar, é confirmar o racismo”.