Sem meias palavras: o que as coletivas de Tite, Ceni e Abel têm em comum
Acostumados a tom cauteloso, treinadores reclamaram de comportamento de atletas, falta de reforços, gramado, arbitragem e organização de um dos torneios
Tite, Rogério Ceni e Abel Ferreira rasgaram o verbo na noite da última quarta-feira, 23, em rodada com jogos da Copa América e do Campeonato Brasileiro. Em comum, o fato de que os três treinadores deixaram assuntos de dentro de campo como secundários e não pouparam críticas a problemas externos que atingiram as suas equipes: comportamento de atletas, falta de reforços, gramado, arbitragem e até a organização de um dos torneios.
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O mais comum é ver treinadores, incluindo os protagonistas da vez, refugando ou tomando cuidado a cada palavra dita. Tite mesmo, recentemente, disse que não responderia sobre nada hipotético para não se complicar ao ser questionado se voltaria a trabalhar com o presidente afastado da CBF, Rogério Caboclo. Desta vez, no entanto, o treinador foi mais direto.
Ceni e Abel, porém, foram os primeiros a não economizar nas palavras. O técnico do Flamengo reprovou publicamente a manifestação do atacante Pedro, que demonstrou insatisfação ao dar lugar a Rodrigo Muniz, aos 20 minutos do segundo tempo, na vitória por 2 a 1 sobre o Fortaleza – chegando a chutar uma garrafa de água e esbravejar no banco de reservas, proferindo socos e arremessando as caneleiras.
O ex-goleiro relacionou o episódio a tensão pela recente queda de braço entre o clube carioca e a CBF com relação a presença do jogador nos Jogos Olímpicos de Tóquio. O clube afirma que não irá liberá-lo por não se tratar de uma data Fifa, entendendo que a ausência do jogador por longo período prejudicaria ainda mais o clube, que já não conta com Gabriel Barbosa e Éverton Ribeiro, com a seleção principal, além de Gérson, que irá para o Olympique de Marselha.
“Fico triste, acho desrespeitoso não só comigo, mas com o atleta que vai entrar. Não é da característica do Pedro, que é bom menino. Acho que essa coisa de seleção mexe com a cabeça do garoto. Foi uma cena lamentável, que não cabe mais no futebol. Acho feio, mas entendo que a cabeça dele pode estar embaralhada com essa situação de seleção. Não é uma atitude condizente com o que eu conheço do Pedro”, disse Ceni.
“Acho que nenhum jogador gosta de ser substituído. Vejo pelo outro lado… Esses dias me perguntaram sobre o número e gols que o Flamengo perdeu, mas eu vejo o número de chances que o Flamengo criou. Cada um tem um comportamento e age de uma maneira”, ponderou o treinador, que viveu episódio semelhante, há cerca de um mês, envolvendo Gérson, além de casos com Gabigol.
No Palmeiras, Abel fez duras críticas a ausência de reforços após a derrota por 3 a 1 para o Red Bull Bragantino. Em diversos momentos da entrevista, repetiu “esses são os jogadores que temos, e é com esses que temos que trabalhar”, em claro descontentamento por não ter recebido reforços recentes, a não ser os retornos de Deyverson e Dudu, que não estreou.
Até mesmo em menção ao goleiro Cleiton, Abel aproveitou para cutucar, em tom crítico: “Perguntem quanto pagaram por ele. Por isso fez a diferença”. O goleiro, destaque do Atlético-MG, foi comprado pelo clube de Bragança Paulista em fevereiro de 2020 por 5 milhões de euros (23 milhões de reais à época).
“Em março, para que fique claro para todos, entreguei um relatório para direção com tudo que era preciso. Eu precisava dos jogadores, o Palmeiras precisava de jogadores para disputar Recopa, para a Supercopa, a final do Paulista. Eu, neste momento, não conto com reforços. Há muito fiquei sem esperança de reforços. Os reforços que vamos ter vão chegar quando? Em agosto? Em agosto já passou e vai ser difícil. Esta é nossa equipe, este é nosso elenco, estes são nossos jogadores”, afirmou Abel, que ainda fez citações ao técnico Pep Guardiola, do Manchester City.
“Fico desiludido porque o Guardiola, na final da Liga dos Campeões, fizeram-lhe uma pergunta sobre o Foden, que é o único jogador que esta equipe tem da formação no time titular. Ele disse “não sei como vai ser no próximo ano, se vai estar disposto a ouvir da mesma maneira, se vai dar tudo pela equipe e ficar no banco quando tiver de ficar”. É esse recado que queria deixar a todos. Depois de ganhar há uma cobrança e exigência muito maior para todos”, afirmou, se defendendo pela queda de rendimento após as conquistas da Copa do Brasil e da Copa Libertadores.
Tite, por fim, não poupou críticas ao gramado do estádio Nilton Santos. A seleção brasileira venceu a Colômbia por 2 a 1, de virada, com gols marcados nos minutos finais do segundo tempo. “Não vou dizer horríveis [condições], mas muito ruins para jogar futebol. Que prejudicam todo o espetáculo. Quem quer criar não consegue. Foi muito rápido o tempo de fazer isso [deixar o gramado em condições] e não dá muito rápido para fazer. É inadmissível atletas de duas equipes jogarem na Europa com tamanha qualidade de gramado e com espetáculo melhor terem de jogar em um campo com essas condições. A bola fica picotada, nervosa, a fluência das jogadas fica toda prejudicada”.
O treinador ainda cutucou organizadores da Copa América e reclamou da atuação do árbitro Néstor Pitana. “Foi muito rápido o tempo de fazer isso, e não dá para fazer muito rápido. É inadmissível atletas de duas equipes de alto nível, que jogam na Europa com tamanha qualidade de gramado e espetáculo melhor, maior, virem jogar num campo nessas condições”, explicou.
A mudança de sede do torneio, inicialmente previsto para Argentina e Colômbia, ocorreu a menos de duas semanas da estreia. Vale dizer que, na véspera, o treinador criticou o fato de o Brasil receber o torneio, criticou a Conmebol e a CBF e chamou a organização de “atabalhoada”. Em todos os momentos, o técnico refutou que o posicionamento tivesse um viés político.
Dias antes, jogadores prometeram a divulgação de um manifesto que colocava em xeque a participação da seleção brasileira após o afastamento do presidente da CBF, Rogério Caboclo, acusado formalmente de assédio moral e sexual por uma funcionária da entidade. O posicionamento foi marcado por frases de patriotismo e que pouco explicaram sobre a decisão, de fato, de jogadores e comissão técnica. O documento foi vago, não expôs os motivos para a insatisfação do grupo e sequer mencionou a palavra “pandemia”, assim como questões políticas.