Robson Caetano: “Adoro ser chamado de tio”
O medalhista olímpico de 56 anos conta como reencontrou o equilíbrio dando aula em uma escola
O esporte me deu tudo o que tenho, inclusive o fôlego para enfrentar as adversidades e conseguir me reinventar. Nasci em uma área pobre, a favela Nova Holanda, na Zona Norte do Rio de Janeiro, e fui criado pela minha bisavó. O atletismo surgiu por acaso na minha vida. No início da adolescência, com uns 13 anos e já com as pernas gigantes, meu grande sonho era ser jogador de futebol. Um dia, durante uma pelada em um campinho de várzea, veio o convite para fazer um teste em um clube. E aí, a surpresa: não era para tentar a sorte como craque da bola, mas para ser atleta de salto triplo e a distância — e depois velocista. Passei por diversas equipes e, ao longo de quase duas décadas, integrei a seleção brasileira de atletismo, sempre como o número 1 do time. Treinava até nove horas por dia, e os resultados vieram rápido. Fui campeão brasileiro, sul-americano e, aos 16, já disputava com os adultos. Venci três Copas do Mundo de Atletismo nos 200 metros e competi em quatro Olimpíadas. Participei de cinco finais e subi ao pódio duas vezes, conquistando bronzes. Uma trajetória que muito me emociona e orgulha.
Fui do brilho à vida longe dos holofotes, uma mudança radical. Atualmente, dou aulas de educação física em uma escola particular e, como a maior parte dos brasileiros, passo por apertos. O lado bom é que virei o “tio” Robson e aprendi a adorar isso. Quando você se torna medalhista olímpico, o mundo parece estar aos seus pés. Aparece convite para tudo: de presença na TV a comemorações em boates, lançamento de grifes e batizados. Nunca fiquei rico. Até tive uns carrões na época em que morei cinco anos nos Estados Unidos, só que o dinheiro que recebia era quase todo para cobrir despesas com treinamentos, viagens e a equipe que me apoiava. Amo o esporte, porém é duro viver dele. Ainda mais em meu tempo de atleta — hoje, dependendo do patrocinador e do desempenho nas competições, dá para alcançar uma estabilidade. Nas Olimpíadas, ganhei status, sim, mas isso não se converteu em conforto financeiro. E segui na batalha.
Uma de minhas decisões acertadas foi jamais ter deixado de estudar. Fiz faculdade de educação física e de jornalismo. Assim que parei de competir, eu me tornei comentarista esportivo na TV. Em 2013, já longe das câmeras, notei que estava acontecendo algo diferente comigo, uma tristeza, mas demorei a perceber que o que enfrentava era depressão. De 85 quilos, cheguei a 101 (ele tem 1,90 metro). Minha mulher, que também é minha empresária, e nossa filha, de 17 anos, me transmitiram uma força essencial. E foi o esporte, mais uma vez, que me fez ter um norte e me salvou. Comecei a atuar como personal trainer e a dar treinos funcionais na praia, o que ainda faço e me traz uma imensa alegria.
Ao longo de minha carreira, tive a chance de conhecer inúmeros artistas e personalidades, como o príncipe Albert de Mônaco, Magic Johnson e Carl Lewis. Fora das pistas, quando precisei me ajustar à nova realidade, não tive vergonha. Trabalhei como DJ, virei ator, participei de programa de reality show — no momento, estou na Super Dança dos Famosos, do Faustão. Não sou do tipo que fica olhando para o retrovisor, tanto que tomei a decisão de me desfazer de mais de 800 medalhas que juntei em competições, guardando apenas as mais importantes. É com os estudantes que me sinto realizado nesta fase da minha vida. É claro que fico feliz quando, volta e meia, um pai me reconhece. Mas vários alunos nem sequer sabem que fui atleta olímpico. Não me ressinto disso, é outra geração. E a troca de experiência com essa garotada é compensadora. Ensino e aprendo. Hoje, quem brilha são eles, os meus alunos.
Robson Caetano em depoimento dado a Sofia Cerqueira
Publicado em VEJA de 9 de junho de 2021, edição nº 2741