Reinaldo exalta fim do jejum do Atlético-MG: ‘Corrige injustiças’
A PLACAR, artilheiro e ídolo atleticano relembrou vezes em que bateu na trave com o Galo e relacionou frustrações a seu ativismo contra a ditadura
“A justiça do esporte está sendo feita. Estamos corrigindo uma história em que fomos tão prejudicados.” Assim definiu o título do Campeonato Brasileiro conquistado nesta quinta-feira, 2, pelo Atlético Mineiro o maior ídolo da história do clube, Reinaldo, 64 anos, em entrevista exclusiva a PLACAR, dias antes do feito, nas obras da Arena MRV, em Belo Horizonte. A conquista de 2021 encerrou um jejum de 50 anos que nem mesmo o espetacular artilheiro dos anos 70 e 80 conseguiu evitar. Sem deixar de lado a felicidade pela fase excelente de seu time do coração, o “Rei do Mineirão” manteve a personalidade forte de sempre e não freou a língua ao relembrar seus momentos de “quase” pelo Galo.
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Nascido em Ponte Nova, cidade da Zona da Mata Mineira a 180 km de Belo Horizonte, José Reinaldo de Lima chegou à base do Atlético Mineiro em 1971, quando tinha apenas 14 anos e, ainda assim, em treinos com os adultos, incomodava os defensores. Naquele ano, o elenco profissional se tornou o primeiro campeão do Brasileirão, com gol de Dadá Maravilha. Reinaldo vestiu outras camisas, até a do Cruzeiro, mas sempre foi alvinegro. É assim até os dias de hoje, pois trabalha com as categorias de base do Galo, é homenageado frequentemente e vibra a cada partida.
Desde sua estreia profissional no time da capital mineira, em 1973, até 1985, ano em que encerrou a passagem pelo clube do coração, Reinaldo conviveu com lesões no joelho e muita, mas muita bola na rede (255 gols fazem dele o maior artilheiro da história do Atlético). Entre títulos importantes, sete estaduais e uma Copa dos Campeões da Copa do Brasil. Contudo, o eterno ídolo guarda mágoas de alguns torneios em que uma boa campanha terminou em frustração e revolta.
Mágoa e grito entalado
Ao falar da conquista de 2021, Reinaldo logo se lembra do esquadrão do Atlético-MG de 1977 que, invicto, ficou com o vice do Brasileirão ao ser derrotado pelo São Paulo, nas penalidades, na final. Ele não pôde jogar, bem como Serginho Chulapa, o artilheiro Tricolor, em razão de uma suspensão referente a um cartão vermelho recebido na terceira fase (uma antes das semifinais).
“Eu fui impedido de jogar a final de 1977 pela Ditadura Militar. Tirou o brilho do campeonato, além de macular o título do São Paulo, porque eu era artilheiro do campeonato, fiz gol em todos jogos. Foram 28 gols em 18 jogos, maior média do futebol daqui. Com certeza, no Mineirão, eu faria gol. Mas por uma entrevista minha que não agradou os militares, eu fui afastado e a justiça me julgou antes. Não existia recurso, era AI-5”, alega Reinaldo, que comemorava seu gols com o punho direito cerrado, em oposição à ditadura. Reinaldo e Serginho entraram com efeito suspensivo, mas ambos tiveram de ficar de fora da decisão.
Logo em sequência, o artilheiro relembrou da final de 1980, quando o título foi do Flamengo, ao bater o Galo na decisão: “Em 80, quem deu o título foi o chamado ‘eixo do mal’, o eixo Rio-São Paulo, pois a imprensa da época repercutia somente os dois estados. Nós de Minas Gerais nunca tivemos muita moral. Então fomos roubados descaradamente pelo José Assis Aragão.” A rivalidade entre o Atlético e o clube carioca passou a se acirrar na época, assim, Reinaldo também tocou na polêmica partida entre os clubes pela Libertadores de 1981. “No ano seguinte, na Libertadores, fui expulso por aquele canalha do [José Roberto] Wright. Aliás, fui expulso nos dois jogos contra o Flamengo (1980 e 1981), porque eu sempre fiz gol neles.”
O ídolo do lado alvinegro de Belo Horizonte ainda relembrou a semifinal do Campeonato Brasileiro de 1985, quando o Galo foi eliminado pelo Coritiba (campeão da edição): “Depois, em 85, aqui, contra o Coritiba, também fomos prejudicados profundamente pelo Luis Carlos Felix, árbitro de federação carioca. Agora corrigimos a história.”
Hulk, Hulk, Hulk
No Mineirão ou nas ruas de Belo Horizonte é extremamente fácil escutar a torcida atleticana gritar “Hulk, Hulk, Hulk, Hulk” antes de explodir em alguma música. Líder técnico do time e artilheiro do Campeonato Brasileiro, o jogador de 35 anos já é ídolo e, caso vença a Copa do Brasil, entrará no mais alto patamar. Quem garante é Reinaldo. “Hulk já é nosso grande super herói. Conquistando esses títulos, estará no patamar mais alto dos ídolos, no topo. Ele já está gravado na nossa mente, nos nossos corações. Ele trouxe a joia da coroa.”
Da mesma forma, o Rei encheu a bola dos atributos de Hulk e relembrou da reação de muitos quando o jogador foi contratado pelo Atlético-MG: “Hoje o Atlético tem um time de jogadores de extrema qualidade. Sobretudo o Hulk, que nós brasileiros desconhecíamos e tínhamos uma imagem de um ‘só forte’. Mas ele é privilegiada fisicamente, veloz, inteligente, habilidoso e um jogador de grupo. A pretensão dele era ser campeão e isso contagiou todos. Foi a melhor contratação dos últimos anos, sem a menor dúvida.”
Punhos cerrados
A comemoração com o punho cerrado é apenas o símbolo da resistência de Reinaldo. Politizado, defensor da democracia e ativista contra o racismo, o ex-jogador usou de sua influência como jogador nos anos 70 e 80 para bater de frente com a Ditadura Militar. “Eu, como jogador, participei da vida política no país pois era o que o país exigia. A gente vivia em uma ditadura. Éramos oprimidos. O povo andava cabisbaixo e sob agressão do exército. Pô, um exército agredir seu povo? Deveriam defender as fronteiras, não matar, torturar e prender os filhos da pátria.”
De peito aberto, quando questionado sobre uma omissão política dos atuais jogadores, Reinaldo ponderou, mas fez questão de enfatizar sua luta pensando no futuro: “Lutei para que a juventude desfrutasse da liberdade. Mas vemos que ainda há um fantasma em se manifestar. Por isso muitos ainda preferem omitir.” Amigo pessoal de Sócrates (1954 – 2011), craque dentro dos campos e figura política fora, o ídolo atleticano admitiu sentir falta do Doutor. “Sinto falta dele em todos os aspectos. A morte dele abriu um vácuo, um vazio completo.”