PLACAR lembra da estreia do Brasil na Copa de 70 pelos olhos de quem ‘viu’
O “comentarista do futuro” de PLACAR volta no tempo, meio século para trás, e diz o que viu e o que revelou sobre o futebol atual para a turma daqueles anos
Claudio Henrique já trabalhou com esporte em jornais, na TV e no rádio. Mas realizou sua maior aventura jornalística ao descobrir uma máquina que permite viajar no tempo. Não teve dúvidas: foi direto para 3 de junho de 1970, há exatos 50 anos, e assistiu à estreia da seleção brasileira na Copa do Mundo do México, contra a Checoslováquia. Descoberto pelos coleguinhas da época, publicou crônicas em extintos jornais brasileiros daqueles anos, apresentando-se como o “Comentarista do Futuro”, e revelou alguns fatos vindouros do futebol. Eis o que ele escreveu depois da goleada por 4 a 1, em 3 de junho de 1970. Sua próxima parada: dia 7, domingo, cinquentenário da vitória sobre a Inglaterra por 1 a 0.
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México, 3 de junho de 1970
Dos milhões de “técnicos” que existem no mundo, o que mais entende e enxerga o futebol é o TEMPO. Ele consegue tanto criar e eternizar mitos e craques como destruir injustamente reputaç��es no esporte. Pensava nisso quando deixei 2020 e embarquei numa máquina do tempo, enviado como comentarista, para analisar os jogos do passado da nossa seleção – que no próximo século já será pentacampeã (mas, por favor, não espalhem!). Vim e vi, aliás, como tantos, pois foi essa a primeira Copa transmitida em tempo real para o Brasil. E a cores, embora televisores coloridos no país, bem sei, sejam, hoje ainda tão raros quanto o número de “gols feitos” perdidos por Pelé em sua carreira (no futuro, acreditem, teremos um em cada botequim de esquina, e transmitindo futebol todo santo dia). Nessa partida de estreia, o Rei perdeu um gol, em lance que desconhecia antes da minha investida pelo tempo. A jogada jamais será selecionada entre os “melhores momentos”, embora mereça, pelo ineditismo. Mas lances memoráveis não faltaram. Vendo, enfim, os 90 minutos, certificarei aos torcedores de amanhã que foi um belo jogo esse Brasil 4 x 1 Checoslováquia. Abre-alas do grandioso desfile que se seguirá da nossa melhor Seleção de todos os tempos, pois aproveitem: outra assim não teremos!
Devo adiantar que no futuro dirão que esse “escrete canarinho” de 70 conseguiu a proeza de reunir entre os 11 em campo muitos “camisas 10”. De fato, vários dos craques com a amarelinha envergavam a 10 em seus clubes de origem. Mas em campo o criador dessa mística fez valer a sua autoridade. Pelé esteve mais uma vez “Eterno” (bom nome para um filme! Fica a sugestão…): o melhor jogador de todos os tempos. Anos depois, vou logo avisando, muitos tentarão contestar esse título irrevogável, atribuindo predicados e hipérboles a atletas como Maradona, um canhoto argentino muito bom de bola que em breve vocês conhecerão. Um cracaço, sem dúvida, que inspirou magias no esporte mas se perdeu aspirando outros feitiços. A chama insistente desta campanha contra o Rei só se apagará anos mais tarde, mas substituída por outra, ao surgir nos campos outro canhoto hermano, Messi. Desconfio que nos próximos 200 anos serão mais e mais pretensos candidatos ao trono. Talvez todos argentinos. Pobres mortais.
Mas vamos à bola rolando. Essa preta e branca, incomparável, acariciada por chuteiras que também ainda não exibem outras cores. Sim, o futuro do futebol é de chuteiras amarelas, lilás… Esta simplicidade que me fazia, na infância, acreditar que todos aqueles craques, como eu, jogavam de ki-chute. Ainda no primeiro tempo, vimos o “negão” (expressão que uso aqui porque no futuro não me será permitido) surpreender a todos e mais alguns tentando um gol do meio campo, ao observar o goleiro tcheco adiantado. Épico. Nas próximas cinco décadas, não serão poucos os jogadores que tentarão façanha semelhante, alguns com sucesso. Mas foi ali, naquele minuto sagrado da partida em Guadalajara, que pela primeira vez se viu algo parecido, tamanha genialidade. E Pelé não erra. Mesmo quando a bola não entra, seus lances ganham a História. A bola não entrou, mas foi gol. Gol do futebol.
O tento adversário, que certamente deixou tensa a torcida brasileira (a mim não, claro, pois já conhecia esse enredo), não retratou o que víamos em campo. O Brasil não tremeu nessa estreia. Preparem-se, pois nas próximas edições do Mundial teremos primeiros jogos da Seleção infinitamente mais dramáticos. Não quero entregar o final do filme, mas, só para dar uma ideia, acreditem que daqui a quatro anos, na Alemanha, vocês terão que aturar o Brasil empatando os dois primeiros jogos, contra Iugoslávia e Escócia, e se classificando após um suado 3×0 contra o Zaire, com gol espírita de Valdomiro, nosso ponta após décadas de Garrincha e Jairzinho. Aguardem… A Alemanha, aliás, é protagonista de outro momento dramático da Seleção no futuro. Mas esse prefiro deixar em segredo. E tenho sete motivos para isso.
Todos jogaram bem, até o Everaldo, que não errou um chutão que deu na defesa e nem no ataque, isolando a pelota na arquibancada no único momento em que visitou o campo adversário. Foram perfeitas homenagens ao Sputnik dos russos. Jairzinho foi um destaque. Vocês já deram a ele o apelido de Furacão? Deixa eu ver aqui no Goo.. Deixa eu pesquisar… Não, alguém ainda o batizará assim pelo fato de vir a marcar em todas as partidas no México. Foram dois nesse certame. Lindos, mas um deles fadado a ser eternamente uma incógnita na arbitragem mundial. Estaria o Furacão em posição de impedimento no terceiro gol brasileiro? Não temos aqui, ainda, câmeras laterais, que ajudam nessa avaliação, e nem uma tecnologia, ou melhor, uma “estrela” dos gramados que só chegará ao futebol daqui a quase 50 anos: o VAR. Outro segredo que não revelo. Mas decidirá muitos jogos.
Gerson e Rivelino também ganhariam notas altas no meu quadrinho de atuações, fosse eu o responsável em qualquer jornal brasileiro que hoje circula, mesmo sob censura. No futuro, todos saberemos das notícias do futebol por uma sistema chamado Internet, sobre o qual não cabe aqui explicação – e este “cabe” refere-se literalmente ao tamanho da resenha, que prometi publicar na revista PLACAR quando voltar a 2020. Sim, podem comemorar, ainda teremos nossa PLACAR! E também canais de televisão exclusivos de esporte. No século 21, de onde vim, teremos muitas coisas que vocês não desfrutam, amigos, como TV a cabo, liberdade de imprensa… Curiosamente, em 2020 também serão muitos os militares no poder. E muitos os dias em casa, confinados pela Pandemia do Corona. Mas deixemos isso pra lá. Sempre teremos a alegria de ser brasileiro. E de termos tido Pelé. E Riva, Gerson, Jair, Tostão… Que venha a Inglaterra!