Pelé 80 anos: a matemática do gênio
Pouco depois de marcar seu milésimo gol, em 1969, Pelé entrou numa corrida para completar 1 000 partidas. O feito foi alcançado em 1971
O mundo do futebol já se prepara para a festa: no próximo dia 23 de outubro, Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, completa 80 anos de vida. A revista PLACAR, apenas três décadas mais jovem e de história indissociável à do camisa 10 – basta dizer que a edição inaugural, de março de 70, trazia Pelé na capa e vinha com um brinde, uma moeda com a efígie do craque – preparou uma edição especialíssima, histórica, que traz um compilado de grandes reportagens sobre o Rei do Futebol, escolhidas e comentadas por ele próprio. Daqui até o grande dia, PLACAR publicará diariamente em seu site algumas das reportagens da edição de setembro, que está nas bancas e disponível para dispositivos iOS e também Android. Boa leitura!
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Os recordes de Pelé eram acompanhados com interesse incomparável. Pouco depois de marcar seu milésimo gol, contra o Vasco, em 1969, começou uma espécie de contagem regressiva para o jogo de número 1 000. Em janeiro de 1971, PLACAR publicou um resumo da carreira do Rei até então: 862 jogos pelo Santos, noventa pela seleção brasileira contra outros países, dezoito pela seleção contra clubes, treze pela seleção paulista “oficial”, dois pela seleção do sindicato, dez pelo time das Forças Armadas e quatro pelo combinado Santos-Vasco. Total: 999. No dia 28 daquele mês de verão, ao entrar em campo pelo Santos contra o Transvaal, do Suriname, a nova marca seria enfim alcançada. Apenas três outros atletas tinham ido tão longe: o goleiro soviético Lev Yashin fez 1 787 jogos, o inglês Stanley Matthews entrou em campo 1 371 vezes (Pelé chegaria a 1 363 partidas) e o brasileiro Arthur Friedenreich teria atuado em 1 103 ocasiões. PLACAR registrou o milésimo jogo de Pelé com exclusividade na imprensa brasileira. Mandou fazer uma camiseta (nas cores verde e preta) com o número 1 000 na frente, e o maior jogador de todos os tempos entrou em campo, no acanhado estádio de Paramaribo, a capital surinamesa, vestindo, com orgulho, a “nossa camisa”.
UMA NOITE DE FESTA
PLACAR acompanhou com exclusividade o milésimo jogo de Pelé. Foi num pequeno estádio em Paramaribo, a capital do Suriname. E o repórter e fotógrafo Lemyr Martins estava lá
Oito horas da noite, dia 28 de janeiro de 1971. O Suriname Stadium, com capacidade para 13 000 pessoas e único em Paramaribo, começa a viver os momentos mais importantes de sua história. Dentro de alguns minutos Pelé estará começando a jogar a sua milésima partida, além de ajudar, com a sua presença, para a queda do índice de mortes por acidentes de trânsito na cidade. Com o lucro desse jogo os organizadores vão iniciar a construção de um viaduto, perto do mercado, onde, no ano passado, houve 104 mortes. O Transvaal, campeão local, é o primeiro a entrar em campo: uniforme verde, com algumas listras finas.
Às 8h10, tendo Pelé como “capitão”, o Santos aparece e ganha mais aplausos. Como é uma partida especial, os jogadores não ficam um ao lado do outro: formam um círculo e, no meio dele, fica Pelé. O estádio inteiro, inclusive o primeiro-ministro, o representante da rainha e as demais autoridades de Paramaribo, não para de gritar o nome de Pelé. Ele ganha taças e lembranças. O primeiro-ministro anuncia que PLACAR vai entregar a Bola de Prata ao atacante, na última homenagem antes do início do jogo. Pelé veste a camisa de PLACAR e posa ao lado do time do Transvaal. No estádio, um torcedor está bastante nervoso. Ele é Marius Pinas, que é chamado de “Pinas Pelé” por seus amigos, tão grande é sua admiração pelo brasileiro. Marius tirou três dias de licença da firma onde trabalha “para acompanhar Pelé e tirar uma foto ao seu lado, para completar a minha felicidade”. Como ele, o restante do estádio está impaciente.
São 31 minutos do segundo tempo e Pelé não fez o seu gol. Mas, nesse momento, Edu, depois de driblar vários adversários, é derrubado na área. O bandeirinha confirma que foi dentro da área. É o bastante para o estádio todo começar a gritar “Pelé, Pelé”. Com muita calma, ele caminha para a marca do pênalti. O juiz apita, Pelé corre para a bola, dá a “paradinha”, chuta no canto direito e o goleiro Baron cai para o esquerdo. Depois, com a mesma tranquilidade, caminha para o meio do campo.
Publicado em PLACAR de junho de 2020, edição 1467