Olho no lance! Silvio Luiz está de volta e quer emplacar novos bordões
Aos 87 anos, contratado pela Record para as transmissões do Paulista, ele continua o mesmo: sem papas na língua. O desafio, agora, é convencer outra geração
Tente lembrar da última vez que você ouviu uma voz rouca, de tom mais grave e acompanhada por algum desses bordões inconfundíveis: “olho no lance”, “balançou o capim no fundo do gol”, “pelo amor dos meus filhinhos”, “pelas barbas do profeta”, “vai mandar lá no meio do pagode”, “quê que eu vou dizer lá em casa?”, “o que foi que só você viu?”, “acerte o seu aí, que eu arredondo o meu aqui”. Se sentiu saudade, ou nostalgia, saiba que eles estarão de volta no Campeonato Paulista, estadual mais badalado do país.
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Pouco antes do sorteio que definiu os grupos dos 16 clubes que disputarão a próxima edição do torneio, no início da tarde de terça, 10, outra informação tomou conta das redes sociais: o veterano narrador Silvio Luiz, 87 anos, dará voz as transmissões digitais da Record, nova detentora dos direitos de transmissão da competição.
“Primeiro, não me chama de senhor que já estou muito velho, p….”, inicia Silvio a PLACAR. “Segundo, tenho um compromisso com a RedeTV e não posso fazer as transmissões em TV aberta. Será, portanto, somente pela internet. É um contrato de cinco meses e, depois disso, vamos ver se tem algo mais”, acrescenta.
Além de Silvio, segundo o colunista Flávio Ricco, do R7, a emissora paulista também já acertou as contratações do repórter Márcio Canuto e do ex-árbitro Renato Marsiglia. Agora, busca por um comentarista para as transmissões da competição que começa no dia 26 de janeiro.
“A minha idade é um problema e a Covid brecou tudo muito mais na profissão. Fiquei quase um ano sem sair de casa. Estou fazendo o que a ciência manda, mas, agora, com a terceira dose tomada preciso começar a sair para jantar, fazer alguma coisa para pisar fora porque as transmissões serão no estúdio”, conta.
Silvio Luiz é bem mais do que um prolífico criador de bordões que caíram na boca de gerações. Ele já integra, ainda em atividade, um seleto grupo de narradores inesquecíveis como Galvão Bueno, Luciano do Valle (1947-2014), Osmar Santos, Geraldo José de Almeida (1919-1976), José Silvério, Fiori Gigliotti (1928-2006) e outros tantos. Parar ainda não está nos planos, por enquanto.
“Quero continuar porque parar ou aposentar não dá nesse país”, afirma, sem deixar de criticar a presença de ex-jogadores e profissionais não formados na profissão: “se fizerem a conta de quantos ex-jogadores estão dando palpites e quantos jornalistas formados estão sendo demitidos vai ficar feio, hein? Você faz a faculdade, paga a faculdade, estuda por quatro anos e aí vem um cara, que pode ser um pé de rato, e fica dizendo bobagens? O Marcelinho [Carioca], que tanto criticam, ao menos teve vergonha e entrou numa faculdade. Todos tinham que fazer isso”.
Nas transmissões online, o alvo agora é conquistar o público mais jovem. O desejo por criar novos bordões ainda existe, mas somente na base do improviso, ele diz: “só o tempo dirá [se consigo emplacar bordões]. Eles (bordões) vão aparecendo e eu vou usando. As vezes pega, as vezes não pega. Quando pega, eu repito, mas isso aconteceu para uma geração diferente. Agora, estou diante de uma geração nova e muito estranha. Espero conseguir”.
O narrador conta que tem acompanhado de perto o futebol, jogos do Campeonato Brasileiro e da Libertadores, mas ainda é resistente a transmissão de partidas de outros países, tendência nas últimas décadas. Ele não poupa críticas ao Flamengo, alvo de pressão e críticas por recentes maus resultados no Campeonato Brasileiro e a eliminação na Copa do Brasil.
“Tenho acompanhado mais o Brasileiro, a Libertadores também faz parte, mas, sinceramente? O resto não interessa muito, não. Os caras (Inglaterra, Espanha e outros campeonatos europeus) são mais organizados que a gente, claro, mas a minha torcida está aqui, não está lá fora. Só tem molecada com camisa lá de fora: Paris Saint-Germain, Barcelona, Napoli…”, cita.
“O Flamengo é a casa da sogra. O Renato [Gaúcho] fica de nariz empinado e nem sempre as coisas acontecem como a gente quer. O Atlético Mineiro já ganhou o Campeonato [Brasileiro], não há mais condições. Ganhou com méritos, aliás, porque o Palmeiras deu uma segurada pensando na Libertadores. Aliás, é irritante isso de final simples agora (em jogo único). Se fosse final dupla, um cá e um lá, eles encheriam o c… de dinheiro”, completa.
Na Rede TV, Silvio comandava as narrações da Série B do Campeonato Brasileiro, mas precisou se afastar durante a pandemia. Ele emprestou voz na campanha de retorno do Internacional à elite do futebol nacional, em 2017. Na Record, volta para a emissora onde trabalhou como narrador e diretor de programação durante a década de 1970.
O auge da popularidade vivida na televisão ocorreu na Bandeirantes, nas décadas de 1980 e 1990, antes da criação dos canais fechados de esporte. Também trabalhou na TV Gazeta, onde fortaleceu laços de amizade com um então jovem repórter Flávio Prado, hoje apresentador da emissora.
Em 1999, o narrador precisou ser submetido a uma cirurgia para a retirada de um pólipo benigno nas cordas vocais. Ainda atuou como comentarista de arbitragem – foi auxiliar e juiz, nas décadas de 1960 e 1970, durante uma pausa na profissão – e participou de diversas coberturas de Olimpíada e edições de Copa do Mundo. “Tomara que dê tudo certo agora, também”, conclui.
Nas páginas de PLACAR
Na edição de 6 de novembro de 1981 de PLACAR, ainda de circulação semanal e com Mário Sérgio Pontes de Paiva (1950-2016) como destaque principal da capa devido a excelente fase vivida no São Paulo, a reportagem “Sílvio Luís (com acento e ‘s’), o craque da televisão” contava a trajetória de um novo fenômeno na comunicação do país. “Com seu estilo irreverente, às vezes grosseiro, Sílvio Luís consegue em São Paulo, nas transmissões de jogos pela TV Record, uma proeza que parecia impossível: enfrentar a poderosa Rede Globo de Televisão”.
A matéria é assinada pelo jornalista Sérgio Martins, que morreu em 2013, autor de célebre reportagem em edição de 1982 sobre a máfia da loteria esportiva. Ele explica o efeito da tendência dos bordões e o jeito escrachado nas narrações. “A Globo chegou mesmo a pensar em contratar o radialista Osmar Santos, da Rádio Globo paulista, para tentar conter a hemorragia de audiência que sofria para a Record dentro do Estado”, menciona em um trecho.
“Portanto, fica claro que a Globo não está perdendo para a Record, mas, sim, para o seu narrador. Um narrador que foge completamente aos ‘padrões globais’ de bom gosto, objetividade e seriedade. Nos jogos da Seleção, como o da semana passada, xinga o juiz de ladrão, goza a falta de habilidade dos adversários, implica com o flamenguista Tita. Nos jogos normais, agride seu comentarista e até mesmo goza seu amigo e rival Luciano do Valle, imitando-lhe a formalidade na descrição dos lances”, relata.
A matéria menciona também o casamento com a cantora Márcia (intérprete de ‘Eu e a Brisa e ‘Ronda’), com quem está há mais de cinquenta anos, e sobre o início da trajetória profissional: em 1954, como repórter de campo na TV Paulista, e de 1962 a 1976, como auxiliar e árbitro da Federação Paulista de Futebol (FPF). As narrações começaram na Record, em 1977.
Silvio chegou a ser conhecido como “uma das pessoas mais odiadas de São Paulo” pelas suas participações no programa “Quem tem medo da verdade?”, da Record. “Foi difícil apagar essa imagem. Não voltaria jamais a fazer isso. De qualquer maneira, aquela fase vem provar que sempre me comuniquei. Ou como bandido ou como mocinho”, desabafou o narrador na ocasião.
Ele ainda admite um entrevero com Pedro Luís, comentarista com quem atuava nas jornadas esportivas, e ameniza o ápice do sucesso vivido. “Tenho consciência de que essa fase de sucesso não é eterna”, explicou. “A mim, honestamente, não representa nada ganhar da Globo”, acrescentou.
A matéria diz que o narrador era alvo preferido de imitações de craques do futebol baiano, principalmente de jogadores do Vitória e do Bahia. Procurado, Luciano do Valle, então na Globo, confessou que acompanhava de perto o sucesso de Silvio Luiz e que a concorrência entre eles era sadia. “Somos amigos e a nossa luta é limpa”.