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Pressão, calor, nível da liga: a vida de Odair Hellmann na Arábia Saudita

Após trabalho interrompido no Santos, técnico assumiu o Al-Riyadh no estrelado Campeonato Saudita; confira entrevista exclusiva à PLACAR

Após ter o trabalho interrompido no Santos, em junho, o técnico Odair Hellmann foi anunciado no último mês de outubro como técnico do Al-Riyadh, equipe do estrelado Campeonato Saudita. Desde então, o brasileiro ficou à beira do campo em quatro oportunidades e, logo na estreia, conseguiu o feito de superar o milionário Al-Ettifaq, comandado por Steven Gerrard. Em conversa exclusiva a PLACAR, Odair Hellmann falou sobre a adaptação cultural no mundo árabe, comparou o futebol saudita ao brasileiro e destacou a inerente pressão por resultados.

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“É especial participar da liga e estar aqui nesse momento”, diz Odair Hellmann, fazendo referência ao crescimento do futebol saudita com as contratações que surpreenderam a Europa na última janela. “O nível técnico elevou, mas já havia uma competitividade e organização da liga muito boa antes da chegada desses atletas”.

O técnico brasileiros comparou os dois campeonatos: “Falta organização e divulgação para que o mundo assista o futebol brasileiro da forma como nós assistimos ao futebol de fora… Eu acho que a gente não vende bem o produto futebol brasileiro”. Além disso, o técnico do Al-Riyadh também destacou a pressão por resultados semelhante nos dois países: “Tem redes sociais, tem pressão da torcida, quando perde eles querem a cabeça do treinador, igual no Brasil. Futebol é futebol em todos os lugares do mundo. Agora, eu não consigo ler árabe”.

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Odair Hellmann fechou contrato com o Al-Riyadh até o final da temporada 2023/24 (junho do próximo ano). A equipe luta pela permanência na elite saudita e ocupa a 14ª colocação, a dois pontos da zona de rebaixamento.

Al-Riyadh festeja triunfo contra Al-Ettifaq na estreia de Odair – ROSHN Saudi League

Confira o bate-papo com Odair Hellmann:

Já conhecia o futebol árabe? Como foi a adaptação?
Não é nenhuma surpresa para mim porque eu trabalhei dois anos no mundo árabe. Então tenho já o entendimento da cultura, conhecia muito a liga porque já vi os jogos e também muitos profissionais e amigos que trabalharam aqui. Sei que já havia uma competitividade e uma paixão muito grande pelo futebol. São clubes que colocam 40 ou 50 mil torcedores com facilidade no estádio, então é uma paixão parecida como é para nós, brasileiros. A chegada de jogadores do futebol europeu não só agregaram qualidade técnica às equipes, mas também deram visibilidade da liga ao mundo.

Como é fazer parte deste projeto saudita e olhar de dentro?
Tudo que eu ouvia antes era a respeito de um projeto que se tinha, não só um projeto técnico para um ano ou dois anos, mas um projeto técnico, social, esportivo e de país. Tanto que se confirmou com a Copa do Mundo de 2034 na Arábia Saudita. Vendo tudo agora no meu dia a dia, há um projeto de médio e longo prazo para se desenvolver cada vez mais. Não só dentro de campo como também fora e em termos de organização, de estrutura. Tudo para tornar a competição igual as grandes ligas do mundo.

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O projeto abraça as categorias de base e a formação do atleta saudita?
É um projeto de organização para todo o futebol, para toda a parte esportiva do país. Isso reflete no futebol feminino, que já passa na televisão, e vai refletindo nas categorias de base cada vez mais. É um país onde sempre recebeu escolas de profissionais, de comissão técnica de outros países. Então tem muitos profissionais estrangeiros trabalhando na base também. Há uma preocupação com essa estruturação, com essa formação dos jogadores, e o jogador saudita é um jogador de qualidade.

Como você analisa a chegada dos jogadores do futebol europeu?
Existe uma diferença técnica maior. No Ittihad jogam Benzema, Kanté, Fabinho, Hamdallah, Romarinho, Coronado e Luiz Felipe. Ou seja, estamos falando de um time internacional. O atacante é um cara que estava entre os três melhores do mundo. O volante também. O nível técnico elevou, mas já havia uma competitividade e organização da liga muito boa antes da chegada desses nomes. Há comparações com times europeus, brasileiros e de qualquer parte do mundo quando falamos desses atletas. Pode-se comparar com qualquer time do mundo.

Essa desigualdade financeira entre os clubes prejudica o campeonato?
Existe uma diferença técnica entre os clubes, mas a liga e os organizadores sabem disso. Fizeram também investimentos nos clubes médios ou menores. Eles sabem que para ter uma liga cada vez mais forte você não pode ter apenas cinco clubes, precisa ter uma estrutura para todos competirem. Acho que existe essa visão a longo prazo. Ela vai se fortalecer. Claro que o dinheiro faz muita diferença no futebol. Muita diferença. Mas eu tenho certeza que os organizadores têm essa visão. Eles já estão ajudando todos os clubes e vão ajudar cada vez mais.

Dá para comparar o futebol saudita com o brasileiro?
Eu sou suspeito para falar do futebol brasileiro. Eu sou apaixonado pelo futebol brasileiro. Eu acho que o futebol brasileiro é o melhor futebol do mundo. E os times brasileiros são os melhores times do mundo porque fazem muito com pouco. Muitos clubes endividados, muitos clubes com dificuldade de pagar salário, fazem um futebol competitivo, de alto nível. O jogador brasileiro é a melhor matéria-prima do mundo. Só que falta organização e divulgação para que o mundo assista o futebol brasileiro da forma como nós assistimos ao futebol europeu. Então tem a questão da venda desse produto. Eu acho que a gente não vende bem o produto futebol brasileiro.

Acho que nós temos capacidade para vender esse produto para o mundo, falar do futebol como a gente que está aí sabe e conhece. A gente conversa com pessoas de todo o mundo que trabalharam no futebol brasileiro e todos falam que o futebol brasileiro é diferente de tudo no mundo. A questão técnica e tática já está lá em cima. Eu acho que nesses aspectos não devemos nada a ninguém.

Existe pressão no futebol saudita igual no futebol brasileiro? Como é isso?
Hoje é tão difícil essa relação, porque virou uma terra de ninguém. E aqui também tem redes sociais, tem pressão da torcida, quando perde eles querem a cabeça do treinador, igual no Brasil. Futebol é futebol em todos os lugares do mundo. Agora, eu não consigo ler árabe e não consigo entender o que eles falam na televisão, por exemplo. Já por natureza eu não assisto e não leio. E se no Brasil eu não vejo nada, imagina aqui então que não entendo árabe. O futebol só não tem pressão enquanto a bola tá rolando. Depois que a bola rolou, um é bandido e o outro é herói – infelizmente. Nem todo mundo que perde é ruim.

Como a cultura árabe interfere no futebol?
É preciso respeitar a cultura local. Existem determinados horários de oração, por exemplo. Então marcamos o treino ou antes ou depois da oração, e não para ter uma pausa no meio do treinamento. Tem a temporada de calor que é muito forte. A gente precisa treinar às 09h ou 10h da noite. Tem o ramadã que quando acontece só podemos treinar às 9h da noite. Então tem essas adaptações que precisamos fazer. Ter o respeito ao país, respeito à sua cultura e às regras. É preciso ter a capacidade de adaptação e fazer o seu melhor.

Quais as principais dificuldades? É o calor?
O que eu senti mais dificuldade em termos de rendimento físico das equipes e dos jogadores individualmente é o calor. É muito calor. Você dá um pique e parece que vai morrer. Por isso que os clubes dão quase dois meses de férias, para tentar pegar apenas o final do verão. E realmente o jogo fica mais lento. O jogador cansa muito mais, o segundo tempo vira um perde ganha maior por conta da capacidade física… e aí os erros são maiores, o campo cresce.

Qual o objetivo do Al-Riyadh no Campeonato Saudita?
O objetivo da equipe é a continuidade na liga para que no próximo ano possamos dar passos importantes em relação a estrutura e qualidade. O clube tem um objetivo bem claro e cada jogo para nós é uma final. E são jogos difíceis, não é só Al-Hilal ou Al-Ittihad… Todas as equipes têm jogadores estrangeiros, têm jogadores locais bons, e acaba sendo jogos muito difíceis.  É importante a gente não oscilar tanto no campeonato, ter regularidade para que a gente consiga o objetivo no final.

Quais os próximos passos do técnico Odair Hellmann?
Depois do acidente que tive no Brasil de Pelotas, não só mudou a minha profissão, como mudou meus pensamentos, mudou muita coisa na minha vida. Eu sou outra pessoa. Tenho organização, claro que eu tenho projetos, eu tenho pensamentos, ideias a longo prazo, mas eu vivo o hoje. A gente se preocupa demais em fazer longos projetos e não cuida da saúde, não cuida do filho, não diz que ama o pai, a mãe. E depois disso eu mudei muito. A minha profissão já é difícil de planejar. Eu não sei como vai ser o desenvolvimento do trabalho aqui. Eu tenho que estar, como profissional, aberto às oportunidades. Se for a oportunidade de ter continuidade aqui eu vou ficar, porque eu estou feliz. Sou feliz aqui. Estou num ótimo clube, estou num ótimo projeto e estou numa ótima liga.

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