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‘Ninguém queria saber do Brasil’, diz técnico do handebol

O dinamarquês que levou a seleção feminina ao título mundial no domingo, na Sérvia, fala sobre a evolução da equipe, a criação de um estilo de jogo próprio e de sua paixão pelo futebol brasileiro: ‘Na Copa do Mundo de 1982, eu chorei’

“Handebol nas escolas está muito bacana, é fantástico. Mas o que eu estou falando é de esporte de alto nível. Com três anos, posso levar meu filho na Dinamarca para começar a treinar em um clube altamente preparado para formar atletas”

O dinamarquês Morten Soubak assumiu o comando da seleção brasileira feminina de handebol em 2009, mas já tem uma ligação antiga com o Brasil – pelo menos no aspecto emocional. Apaixonado pelo futebol brasileiro e fã incondicional de Zico, ele torceu para a seleção de Telê Santana mesmo numa Copa do Mundo em que a Dinamarca foi uma das grandes atrações (no México-1986). Quatro anos antes, foi às lágrimas com a eliminação da equipe para a Itália. Aquela seleção brasileira não foi campeã, mas uma outra, bem menos temida pelos adversários, levantou a taça no último domingo, na Sérvia. O primeiro título mundial do handebol do país, uma surpresa até mesmo para a equipe, coroou o grande trabalho do técnico escandinavo, que já tinha levado a equipe ao ouro no Pan de Guadalajara-2011, ao 5º lugar no Mundial de 2011 e ao 6º lugar na Olimpíada de Londres. Ele conversou com VEJA sobre a busca por um estilo de jogo brasileiro, sobre o que falta para a modalidade crescer ainda mais e sobre como os oponentes mudaram de opinião sobre o handebol do país: “Os olhos do mundo se abriram para atletas da seleção feminina e masculina. O ano de 2013 foi o melhor da história do handebol brasileiro”.

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Qual foi a chave do sucesso da seleção, fora a dedicação do grupo? A experiência internacional foi mesmo o fundamental? Já faz uns 10 anos que temos um grupo de meninas atuando na Europa, o que é fundamental, mas não é carimbo de qualidade. Tem que jogar em um clube de ponta, que participe da Champions League ou da Winners’ Cup, os dois principais campeonatos europeus. Nos primeiros anos de experiência internacional, os clubes das atletas brasileiras não eram tão fortes. Agora, quase todas jogam em clubes que participam de ligas ou campeonatos importantíssimos. Antes, elas também não eram consideradas importantes nos clubes. Agora, elas são titulares e até capitãs. São muito mais valorizadas hoje. Além disso, chegam na seleção brasileira com muito mais bagagem, já tendo enfrentado as melhores jogadoras do mundo.

A parceria com o clube austríaco Hypo NÖ foi um divisor d´águas para o sucesso? Eu tenho certeza que essa parceria está ajudando e já ajudou muito a seleção. Pode ser que não tenha sido tão bom para o clube, mas para a seleção foi maravilhoso. Já melhoramos os resultados significativamente. Nesse período, elas se classificaram para a Olimpíada, chegaram às quartas de final do mundial em 2011 e agora fomos campeões. Para melhorar o nível do Hypo NÖ, o clube precisa ter mais jogadoras de ponta para jogar a Champions League. Falta voltar a contratar. Para a seleção, a parceria permite que eu tenha uma rotina com as jogadoras. Treinamos juntos, pelo menos, duas vezes por dia, independente da liga, num altíssimo nível. Isso cria um senso de coletividade importante. No ano passado, elas ganharam com o Hypo a Winners’ Cup. Essa experiência internacional é fundamental.

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Qual foi a filosofia de jogo que você quis implementar para o time? É uma filosofia do handebol nórdico? Quando eu comecei em 2009, eu falei: nós somos conhecidos pelo quê? Todas ficaram mudas. Não éramos conhecidos por nada. Agora estamos construindo uma identidade brasileira, um jeito brasileiro de jogar, com a influência do estilo nórdico. Adaptamo-nos ao estilo das jogadoras da seleção. Aprendemos a jogar em um estilo de defesa chamado seis a zero, jogando com bastante movimentação, usando o físico e a força máxima também. Evoluímos muito nesse quesito. A defesa se movimenta muito, é rápida, fechadinha e muito bem preparado na parte física. No ataque, encontramos um estilo que se adaptou às jogadores, que não são muito altas. Estamos conseguimos construir jogadas que envolvem bastante movimentação como troca de posições com muita velocidade. Acho que isso foi um estilo nosso, que funcionou. Nós, nórdicos, gostamos de jogar no contra-ataque e retornamos muito para marcar. Ensinei isso a elas. O brasileiro gosta de fazer gol, por isso tiveram que aprender a se defender. Quando eu voltei ao Brasil, em 2005, as jogadoras não sabiam fazer o retorno para defesa.

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Havia um complexo de vira-lata no handebol brasileiro? Talvez existisse porque acreditávamos que nós não éramos ninguém. O pensamento era: ‘O Brasil tem boas jogadoras, que ganham de vez em quando, mas na final não vão chegar’. Essa era uma visão. A outra era de que somos um país sem tradição. Perdíamos porque o respeito não estava no lugar certo. Isso mudou. Tenho certeza que seremos vistos a partir de agora com outros olhos. Depois da Olimpíada de Londres, recebi alguns contatos. Muitos pediram informações sobre as jogadoras do Brasil. Ninguém queria saber do Brasil e, agora, os olhos do mundo se abriram para atletas da seleção feminina e masculina. O ano de 2013 foi o melhor da história do handebol brasileiro.

O que você buscou implementar nesses quatro anos à frente da seleção principal? Além das técnicas de defesa e retorno, vamos implementar outras novidades para a Olimpíada no Rio de Janeiro. O Brasil ainda precisa evoluir para 2016. Começamos a pensar em mudanças táticas e técnicas. Pouco a pouco, vamos lançar mais, só que ainda é segredo. O que posso dizer é que estamos pensando lá na frente. Chegamos ao nível que não podemos fazer igual às outras, precisamos nos diferenciar. Mas, como faremos isso, não vou revelar.

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Você disse que decidiu ir para Europa, treinar o Hypo NÖ, para ficar mais próximo das meninas da seleção. Não deveria ser assim, certo? Como é a estrutura dos clubes e da formação das novas atletas no Brasil? Meu sonho, eu espero, é ver mais jogadoras, meninas, tentando mais chance na liga nacional brasileira. É muito difícil encontrar lugares para treinar fora do ambiente escolar. O Brasil precisa construir mais lugares para jogar handebol de alto nível. A evolução será natural. Handebol nas escolas está muito bacana, é fantástico. Mas o que eu estou falando é de esporte de alto nível. Com três anos, posso levar meu filho na Dinamarca para começar a treinar em um clube altamente preparado para formar atletas. No Brasil, todos começam com dez, doze anos. É muito tarde. Não conheço um jogador de futebol que tenha começado com 12 anos.

Como chegou ao Brasil e como é sua relação com o país hoje em dia? Meu primeiro encontro no Brasil foi em 1993, numa viagem de três semanas. Fiz alguns contatos. Fui visitar o Manoel Luiz Oliveira (presidente da Confederação Brasileira de Handebol) em Sergipe, mas não aconteceu nada. O primeiro contato profissional foi em São Paulo, 1995. O dirigente Eduardo Macedo demonstrou interesse e me ligou para treinar um clube de Osasco. Mantive contato, mas nada sério. Depois, como dirigente do Pinheiros, Macedo voltou a me convidar para ser técnico em 2005. Aceitei. Devo muito a ele por minha vinda para o Brasil. Pessoalmente, já me apaixonei pelo Brasil antes. Sempre gostei de futebol. Na Copa de Mundo de 1982, chorei. Nunca vou esquecer da equipe e do Zico. Foi irreal conhecê-lo mais tarde. Em 1986, torci como se fosse um jogo da Dinamarca. Mas era do Brasil. Minha primeira redação na escola foi sobre o Pelé.

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