Nikão superou bebida e rejeição no Atlético para virar ídolo no Athletico
Na final da Copa do Brasil, atacante espera manter boa fase e afastar de vez o passado ruim em Minas; partida acontece às 17h30, no Mineirão
Foi em um pequeno quarto de hotel em Lins, nos primeiros meses de 2014, que Nikão, hoje principal nome do Athletico Paranaense, acreditava ter chegado ao fim a carreira como jogador de futebol profissional. Ele dizia a Wanilton Cézar Silva, o Cezinha, seu descobridor nos campos de Montes Claros (município no norte de MG) e inseparável companhia nos clubes por onde passava, que dificilmente teria forças para continuar.
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Apesar dos 22 anos, até ali o jogador vivia uma vida nômade no futebol. Já havia rodado por mais de dez clubes diferentes na carreira, sendo boa parte deles por empréstimo nos anos de contrato com o Atlético Mineiro, equipe onde se profissionalizou após chegar indicado por Vanderlei Luxemburgo, em 2010.
“Teve uma madrugada em que o presidente [José Hugo Gentil, do Linense] ligou para mim dizendo que ele queria ir embora e largar tudo de qualquer jeito porque o treinador [Roberto Fonseca] tinha o tirado contra o Ituano. Ele tinha impulsos assim. Praticamente não falava nada, não abria a boca. Sabia que o Linense era o parâmetro mais baixo da carreira”, conta Waldir Lins a PLACAR, diretor de futebol do clube do interior paulista.
“Me recordo que no Santos [em 2009] o Narciso [treinador do sub-20] perguntou uma vez para ele: ‘Nikão, quantos anos você tem afinal? Jogou em dezenas de time’. Ele tinha um chute incrível e muito potencial, mas víamos que ficava ausente e carregava muitas dificuldades particulares”, lembra o zagueiro Rafael Caldeira, ex-companheiro no clube, hoje no Democrata-MG.
Cansado ao final desse mesmo ano, e já sem contrato com o Galo após passagens por Vitória, Bahia, Ponte Preta, América Mineiro, Linense e Ceará, uma oportunidade surpreendente do Athletico Paranaense mudaria para sempre a história do jogador.
Neste domingo, 12, a decisão do título da Copa do Brasil põe justamente o passado ruim e o presente vitorioso de Nikão a sua frente novamente. A primeira final entre Atlético Mineiro e Athletico Paranaense acontece às 17h30, no Mineirão (veja como assistir).
“O [Mario Celso] Petraglia [presidente do Athetico] tinha visto o Nikão em meu CT, em Mirassol, quando ele tinha só 12 anos. Queria levá-lo, mas ele ainda era muito novo. Quando oferecemos a ele novamente estava já sem rumo na carreira, bem mais velho. Somos muito gratos, pois essa chance mudou a vida do Nikão. O Athletico trabalhou a cabeça dele em tudo”, conta a PLACAR empresário Carlos Roberto Carvalho, chamado de pai por Nikão e responsável por cuidar do jogador desde os 12 anos na base do Mirassol.
Detentor de seis títulos e hoje candidato a condição de maior ídolo da história do clube paranaense – colocado por muitos a frente até de Sicupira (1944-2021) –, causou estranheza a conselheiros e torcedores do Athletico a apresentação de um jogador de passado conturbado e ainda visivelmente fora do peso ideal em 15 de janeiro de 2015.
“O clube foi fazer uma excursão fora do país e ele ficava preso lá no CT do Caju. Treinava três períodos por dia e me dizia que não aguentava mais. Liguei para o Petraglia novamente e pedi para lhe dar uma chance maior, de colocá-lo para jogar. O time venceu o Nacional-PR por 5 a 0 com um gol e duas assistências dele”, lembra Carlos Roberto.
Nikão começou no Mirassol, em 2004, com 12 anos. Carregava no clube do interior o apelido de “Maradona Negro”, com direito a passagens por PSV, CSKA Moscou e outros clubes do exterior. Apesar da fama de craque, também trazia duras marcas. Com oito anos, perdeu a mãe devido a um câncer. Aos 16, a avó. Um ano depois, o irmão mais velho, de 23 anos, vítima de um acidente de carro. Não conheceu o pai e passou a beber desde cedo.
“Minha relação com o álcool começou aos 12 anos e foi até os 22 anos. Chegou um momento em que eu jogava para sustentar o meu vício da bebida. Onde tinha bebida, eu estava junto. Bebia vodca, uísque, cerveja, vinho, champanhe”, conta em entrevistas.
Ao UOL, ele afirmou em recente depoimento que o primeiro apartamento em Curitiba foi escolhido pela proximidade de um bar, que apelidou de “barzinho do Nikão”. Diariamente, passava na frente do local para beber com frequentadores.
“Isso aconteceu há sete anos. Hoje, estou liberto e através da minha história posso ajudar pessoas que enfrentam o mesmo problema, o mesmo vício”, contou na mesma entrevista.
“É um menino de alma limpa, eu diria. Sempre teve muitas dificuldades na vida, mas sempre foi muito trabalhador. Algo que o atrapalhava era o fato de que seus direitos eram fatiados por várias pessoas diferentes. Queríamos comprá-lo, mas o Atlético Mineiro supervalorizou. Sabíamos do histórico dele e sempre o tivemos por perto, não nos deu tanto trabalho”, lembra a PLACAR Ocimar Bolicenho, ex-diretor da Ponte Preta.
O camisa 11 viveu no Atlético Mineiro a fase mais nebulosa de sua vida pessoal e da carreira profissional. Logo na chegada, integrou a equipe sub-23 comandada por Rogério Micale. “A gente tinha muita preocupação com o que ele poderia se tornar, por essa rebeldia e extra-campo. Nikão me deu trabalho demais”, afirmou o treinador ao site UmDois Esportes.
Micale contou que chegou a tentar disciplinar o jogador o tirando de partidas e acompanhando constantemente. A ausência da família atrapalhava. Para se reerguer na carreira, além do Athletico, a esposa Izabela é vista como um dos maiores alicerces.
Agora regenerado ele quer fazer a diferença na decisão da Copa do Brasil para selar com chave de ouro uma possível despedida do clube que o resgatou.