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Na contramão da Europa, Brasil proíbe protestos – legítimos – nas arquibancadas

Árbitro interrompeu clássico paulista para tentar conter reclamações da torcida corintiana contra a Globo, dirigentes e políticos

Uma cena inusitada ocorrida na vitória do Corinthians sobre o São Paulo, em Itaquera, retratou o atraso do futebol brasileiro em relação à Europa e levantou um debate sobre democracia nos estádios. No início da segunda etapa, o árbitro Luiz Flávio de Oliveira avistou faixas penduradas por uma torcida organizada do Corinthians, em protestos contra a Rede Globo, dirigentes, políticos e o alto valor dos ingressos. O árbitro, então, interrompeu o clássico e pediu que o capitão corintiano Felipe fosse até o local para pedir que a torcida retirasse as faixas – o que não aconteceu. Mas, afinal, por que não é permitido protestar nas arquibancadas?

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As reclamações da torcida organizada Gaviões da Fiel já haviam causado confusão na partida anterior, diante do Capivariano, na quinta-feira. Na ocasião, a Polícia Militar tentou retirar as faixas e entrou em confronto com os torcedores. Neste domingo, não houve repressão policial, mas partiu do árbitro a tentativa de conter os protestos. Na súmula, o árbitro Luiz Flávio de Oliveira explicou sua atitude.

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“Aos 51 minutos de partida, comuniquei ao Sr. Felipe Augusto de Almeida Monteiro, atleta de n. 28, da equipe SC Corinthians e o delegado da partida, Sr. Agnaldo Vieira que comunicou também a comandante do policiamento, Tenente Letícia, através da escolta da arbitragem, para que retirassem três faixas que se encontravam atrás da meta defendida pela equipe visitante no 2º tempo, com os seguintes dizeres: “ingresso mais barato”, “quem vai punir o ladrão de merenda, futebol refém da Rede Globo”, “CBF, FPF, vergonha do futebol”. Fomos informados pelo policiamento que, por motivo de segurança da partida e do público, as faixas não seriam retiradas”, aponta o documento.

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A insatisfação da Gaviões da Fiel tem vários alvos: a Rede Globo, pelo fato de controlar o calendário do futebol nacional, e, sobretudo, por marcar as partidas de meio de semana para as 22 horas; a diretoria do Corinthians, por manter os ingressos muito caros, a Confederação Brasileira de Futebol e, sobretudo a Federação Paulista, que, recentemente puniu a Gaviões pelo uso de sinalizadores; e Fernando Capez, atual deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa, e ainda um velho opositor das organizadas no período em que trabalhou no Ministério Público – atualmente, Capez é suspeito de participar de fraude em contratos para o fornecimento de merenda escolar.

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Protestos como estes já haviam sido coibidos em diversos estádios do país nos últimos anos. No ano passado, o próprio Corinthians teve que retirar do Itaquerão uma faixa com os dizeres “Caso Amarilla 2013: vergonha do futebol”, em referência à desastrosa arbitragem do paraguaio Carlos Amarilla na eliminação do Corinthians para o Boca Juniors, na Libertadores de 2013. Em outro caso recordado, um jogo do Náutico foi paralisado até que fosse retirada uma faixa com a mensagem “Não irão nos derrubar no apito”.

Normas – O Estatuto do Torcedor de fato estabelece restrições a manifestações em estádios: o artigo 13-A, inciso quarto, diz que os torcedores não podem “portar ou ostentar cartazes, bandeiras ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo”. Evidentemente, racismo, xenofobia, ou qualquer tipo de preconceito devem ser combatidos exemplarmente – como, inclusive, ocorre na Europa, onde a discriminação nos estádios é algo frequente. Assim como o racismo, calúnia e difamação são outros crimes que devem ser punidos. No entanto, os protestos realizados pela torcida do Corinthians neste domingo em nada ferem a liberdade de expressão que deveria ser regra em um país democrático.

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A Rede Globo escondeu as imagens do protesto durante a transmissão (o que é um direito estratégico seu), mas não cabe ao árbitro vetar uma manifestação legítima. O gesto de Luiz Flávio levanta ainda outra questão: o capitão corintiano Felipe tinha obrigação de pedir que a torcida retirasse as faixas? Se tivesse se negado, poderia ter sido punido com cartão amarelo ou vermelho?

A discussão ocorre justamente no mês em que um protesto bastante simbólico surtiu efeito na Europa. Na semana passada, torcedores do Liverpool protestaram contra o aumento dos preços dos ingressos em jogos em casa, deixando o estádio Anfield aos 77 minutos de jogo (em referência ao preço de 77 libras por entrada proposto pela diretoria). Diante de uma enorme repercussão negativa e de críticas até do primeiro-ministro britânico David Cameron, a diretoria do Liverpool desistiu do aumento dos preços.

Na mesma semana, torcedores do Borussia Dortmund, da Alemanha, foram ainda mais incisivos em seus protestos: atiraram bolas de tênis no gramado, em partida contra o Stuttgart. A intenção era reclamar da “elitização” do futebol, em uma alusão aos caríssimos ingressos dos Grand Slams de tênis. O gesto, muito menos “civilizado” que o dos corintianos, recebeu elogios em toda a Europa, onde as ligas – e, claro, a democracia – têm muito a ensinar ao Brasil.

https://youtube.com/watch?v=q7Gnj98WcLM%3Frel%3D0

(da redação)

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