Mattos não vê risco de Atlético ‘cruzeirar’: ‘Investimento consciente’
Recentemente demitido do Galo, diretor de futebol avalia sua passagem como positiva e acredita que o clube poderá chegar ao patamar de Flamengo e Palmeiras

Um dos nomes mais conhecidos dos bastidores do futebol, o diretor Alexandre Mattos se vê sem clube desde janeiro, quando foi demitido pela nova direção do Atlético Mineiro, liderada pelo presidente eleito Sérgio Coelho. Durante os nove meses em que o dirigente de 44 anos esteve no clube, o Galo gastou mais de 140 milhões de reais em contratações e conquistou apenas o Campeonato Mineiro. Apesar disso, Mattos avalia como positiva a sua trajetória e acredita que o Atlético, apoiado por investidores de peso como Ruben Menin, fundador da construtora MRV, se consolidará entre as potenciais nacionais nos próximos anos.
Mattos foi um dos entrevistados de VEJA para uma matéria publicada nesta sexta-feira, 5, sobre como a pandemia ampliou as disparidades entre os clubes ricos e os endividados – quem se organizou foi premiado, enquanto os maus exemplos de gestão foram, na maioria dos casos, castigados. Flamengo e Palmeiras se mantiveram como as principais potencias financeiras, seguidos pelo Grêmio. O Atlético, por sua vez, aparece como uma incógnita: conta com um renomado time de mecenas, liderado por Rubens Menin, fundador da construtora MRV — e atleticano doente — que visa a construção de uma arena, a manutenção de um elenco forte e, claro, troféus.
Em 2020, o grupo investiu alto, mas os títulos nacionais escaparam. Para este ano, o Atlético seguirá apostando em estrelas do calibre de Hulk e do argentino Nacho Fernández. O tiro pode ser certeiro — ou sair pela culatra. Para Mattos, peça importante no planejamento do clube, o Galo não corre riscos de “cruzeirar”, expressão que se popularizou após o rebaixamento do rival Cruzeiro, que gastou mais do que podia para manter um elenco milionário e ganhou as páginas policiais com denúncias de corrupção na diretoria.
“No caso do Atlético, os investidores são conscientes, pessoas de enorme sucesso em diversos ramos, que sabem o que fazer com seu dinheiro. Mas no futebol tem o imponderável, você pode fazer tudo certo, trazer os melhores jogadores, o melhor treinador, e mesmo assim a bola não entrar,”, diz Alexandre Mattos. Em entrevista a PLACAR, ele traçou semelhanças entre os projetos vencedores dos quais participou, por Cruzeiro e Palmeiras — venceu dois Brasileiros por cada, mais uma Copa do Brasil pelo clube paulista — e revelou seus novos planos. Confira:
Como avalia o trabalho no Atlético Mineiro? Temos de dividir em etapas. O Atlético começou 2020 com um planejamento e em menos de três meses ele foi alterado em razão das eliminações precoces da Copa do Brasil e da Sul-Americana. A diretoria quis fazer uma mudança drástica no comando técnico e direção do futebol. Dez dias depois da minha chegada, veio a pandemia e tudo parou por três meses. Fizemos várias mudanças, 22 rescisões e várias contratações, incluindo a do técnico (Jorge Sampaoli). O Atlético tem investidores, fora da receita normal do clube, que visam a formatação de um time. Dentro deste cenário de remodelação, num contexto pós-pandemia, o Atlético ganhou o Estadual e disputou até o fim o Brasileirão mesmo diante de uma ruptura política. Diante de tudo isso o Atlético ficou em terceiro, foi uma campanha honrosa. Mas como no Brasil a gente só valoriza quem ganha, fica uma sensação de decepção.
Ficou chateado com sua saída? Não, é um direito da nova direção montar sua equipe. A saída do antigo presidente, Sergio Sette Camara, foi um pouco conturbada, mas o Atlético tem um projeto de enorme protagonismo que se mantém e pode acarretar em títulos. É o que está acontecendo com quem se organizou há mais tempo, como Palmeiras, Flamengo e Grêmio. Todos anos eles estão brigando e a chance de ganhar aumenta. É o que o Atlético está buscando.
Com o auxílio do grupo de investidores, o time segue contratando nomes de peso como Hulk e Nacho Fernández. Existe o risco de o Atlético ‘cruzeirar’? A questão do Cruzeiro é muito diferente do habitual, não à toa muitas pessoas estão indiciadas. Teve a gestão temerária, mas não só, virou caso de polícia, um escândalo que não me lembro de ter visto no Brasil, talvez só no Barcelona. No caso do Atlético, os investidores são conscientes, pessoas de enorme sucesso nos mais diversos ramos, que sabem o que fazer com seu dinheiro. Mas no futebol tem o imponderável, você pode fazer tudo certo, trazer os melhores jogadores, o melhor treinador, e mesmo assim a bola não entrar. Tem adversário também. As pessoas têm de ter paciência e manter o investimento. Foi o que aconteceu no Palmeiras e em outras equipes e acredito que acontecerá no Atlético.
Você ganhou diversos títulos nacionais por Palmeiras e Cruzeiro. Havia semelhanças nas gestões? Ambos vinham de momentos técnico e financeiros muito ruins. Tem gente que diz que só trabalho com clube rico, mas nestes casos eu assumi com uma dívida enorme e tivemos de fazer uma engenharia financeira criativa, com base em networking. Ambos quase caíram e estavam em descrédito enorme com suas torcidas. Outro fator comum foi trabalhar sempre dentro do orçamento, sem jamais atrasar salário. Outra particularidade: os investimentos foram aumentando de acordo com o sucesso em campo. E sempre que precisou vender, os atletas foram bem negociados, Lucas Silva, Ricardo Goulart e Everton Ribeiro, no Cruzeiro, no Palmeiras foram mais de 600 milhões de reais em vendas, com Gabriel Jesus, Mina e outros tantos.
Hoje ainda é possível ser campeão com uma gestão ruim? Olha, a gente já viu isso acontecer muitas vezes. O Santos quase ganhou a Libertadores esse ano atrasando salário, o Palmeiras ganhou a Copa do Brasil em 2012 da mesma forma. Isso acontece no futebol, ganhar um campeonato depende de vários fatores, seu jogador tem de estar num dia bom, o adversário num dia ruim, tem a questão dos sorteios que pode ajudar. Mas, na maioria das vezes, eu chutaria uns 80 a 90%, os times campeões são os que tem boa estrutura e salário em dia.
Clubes como Vasco e Botafogo, recentemente rebaixados, não ganham grandes títulos há anos e vivem verdadeiros dramas financeiros. Crê que será difícil para eles retomar um dia a grandeza que tiveram no passado? Não sei. Se você voltar sete anos no tempo, haveria gente dizendo que o Palmeiras nunca mais voltaria a ser o que foi. A situação era parecida com as de Botafogo e Vasco hoje. Existe a chance, sim, são equipes com milhões de torcedores, grandes marcas. Se organizando bem, eles podem retomar, claro. Em 2012, o Palmeiras caiu, não tinha receita, salário atrasado. Veio o Paulo Nobre, Crefisa, o Mauricio Galiotte deu sequência e o clube voltou a ser uma potência. Mais do que isso, houve grande profissionalismo. Só patrocínio ou estádio não adiante se não tiver planejamento e profissionalismo. A metodologia segue lá até hoje. O processo profissional não se perdeu. É a mesma coisa com o Flamengo. O problema é que muitas vezes no futebol os processos se perdem com as mudanças políticas.
Qual o melhor caminho, primeiro atrair investidores como Palmeiras ou se organizar internamente como Flamengo? São duas alternativas que levantaram dois gigantes que estavam em dificuldade. São modelos que deram muito certo e que podem, sim, ser copiados. Tem muito torcedor rico que gostaria de ajudar o clube, mas às vezes não confia pois não sente firmeza. Se o clube oferecer um planejamento, pode atrair investidores. E é preciso ter paciência, como o Flamengo teve, ele demorou anos para chegar a este nível.
Quais são seus próximos planos de carreira? Depois de 15 anos sem uma parada estou aproveitando esse momento para buscar conhecimento, fiz o curso de executivo da CBF e o primeiro curso de gestão da Fifa, foi um processo seletivo difícil que consegui passar. Estou fazendo algumas interações com CBF Academy, tudo em busca de conhecimento e aprendizado, e estou tranquilo, esperando um bom projeto. Sou um cara de coração, raça e energia e quando um bom projeto aparecer vou abraçar.