A Fifa estabeleceu o fim de dezembro como prazo máximo para a entrega dos seis estádios que faltam para 2014. A pouco mais de um mês dessa data, nenhum está pronto. O Itaquerão era considerado um dos mais avançados entre eles
A Copa do Mundo de 2014 parece estar fadada a confirmar as piores expectativas dos brasileiros sobre o evento. Quando o país foi anunciado como sede do torneio, em 2007, os mais pessimistas temiam, por exemplo, que o Mundial consumiria dinheiro público nos projetos errados (em estádios, em vez de obras de infraestrutura); que os custos previstos inicialmente seriam inchados; que haveria poucos benefícios diretos à população. Outra preocupação muito comum era com um velho costume dos gestores brasileiros: a construção das novas arenas ficaria para a última hora, elevando custos e, pior ainda, aumentando os riscos, já que as obras, com prazos cada vez mais apertados, não teriam nenhuma margem de erro. Não deu outra. Na manhã desta quinta, os responsáveis pela construção do palco da abertura da festa tentavam planejar um esquema emergencial capaz de concluir o projeto e entregar o Itaquerão a tempo à Fifa. O acidente que matou dois operários na quarta ainda nem sequer foi investigado. As vítimas ainda não foram sepultadas. Ainda assim, os encarregados pela obra já precisam pensar em como retomar os trabalhos. Até a próxima segunda, pelo menos, o canteiro ficará fechado.
Nenhum outro país-sede de Copa do Mundo teve tanto tempo para fazer seus preparativos quanto o Brasil. A candidatura única foi aceita oficialmente no mês de outubro de 2007, mas já se sabia muito antes que o torneio aconteceria aqui. Ainda assim, as obras no primeiro estádio da competição só começaram quatro anos depois, depois de uma longa indefinição sobre o palco paulista da Copa. Para complicar a situação, os inúmeros percalços burocráticos e financeiros que atrapalharam o andamento da obra deixaram os prazos ainda mais apertados em Itaquera. Depois do trágico acidente de quarta, a Fifa e o Comitê Organizador Local (COL) se apressaram para garantir que não haveria nenhuma mudança de planos e que o estádio do Corinthians seria mantido como palco da abertura. O atraso na obra foi estimado em até 60 dias, mas alguns especialistas acreditam que a demora adicional depois do acidente será maior, podendo chegar a até três meses. Além da apuração completa do ocorrido na quarta, há a necessidade de reparar o que foi destruído com a queda do guindaste, além de verificar se nenhuma parte do setor atingido foi comprometida. A obra já funcionava em ritmo acelerado pela necessidade de entregar o estádio no mês que vem. Depois do acidente, não haverá mais nenhuma margem de erro na reta final do projeto.
Horas depois do acidente, a Defesa Civil da cidade de São Paulo interditou preventivamente 30% da parte leste do estádio, o que representa pouco menos de 10% da obra. Assim que sair o auto de interdição da área, a construtora Odebrecht pedirá autorização para obras de emergência no local afetado pela queda do guindaste. Ao contrário do que fez o COL, o coordenador da Defesa Civil, Jair Paca de Lima, disse que ainda não é possível fazer uma previsão sobre a reconstrução da parte danificada. “Isso vai depender de a própria empresa colocar em segurança o local. Aí ela fala para a subprefeitura: ‘Tiramos a estrutura, colocamos a área em segurança. Podemos continuar a obra?’. Estando tudo certo, as coisas são retomadas”, explicou Lima. As obras, que fechariam o mês de novembro com 97% de conclusão, provavelmente não serão interrompidas por completo mesmo durante a investigação do acidente. “A obra é modular. A parte que foi afetada não prejudica o restante da obra. Parece que os operários foram dispensados por uns dias, mas, se a empresa quer continuar a obra nos outros setores, pode continuar tranquilamente. Se há algum risco de queda de estrutura, é só naquela área interditada”, afirmou o coordenador da Defesa Civil. A interdição do setor atingido deverá ser confirmada na manhã desta quinta, em nova visita da Polícia Técnico-Científica.
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‘Tudo funciona’ – O problema dos prazos não é exclusivo do Itaquerão. No caso do estádio paulistano, o acidente só agravou ainda mais o aperto provocado pela demora das obras. Mas a situação é ruim também nas outras sedes ainda incompletas. A Fifa estabeleceu o fim de dezembro como prazo máximo para a entrega dos seis estádios que faltam para 2014. A pouco mais de um mês dessa data, nenhum está pronto. O Itaquerão era considerado um dos mais avançados entre eles, junto com o remodelado Beira-Rio. As arenas de Curitiba, Manaus, Natal e Cuiabá podem não ficar totalmente prontas dentro do cronograma combinado. É possível, aliás, que o Brasil encerre o ano sem ter entregue nenhum dos seis estádios prometidos à Fifa. Na Copa das Confederações, a entidade cedeu duas vezes e adiou em nada menos que seis meses o prazo de entrega das seis sedes. A Fifa avisa, porém, que isso é impensável na Copa do Mundo, um evento de dimensões e complexidade muito maiores. Mas ninguém pode dizer que Joseph Blatter, Jérôme Valcke e companhia não sabiam no que estavam se metendo: o próprio Ministro do Esporte, Aldo Rebelo, escalado pela presidente Dilma Rousseff para conduzir os preparativos para 2014, fez uma defesa apaixonada do jeitinho brasileiro ao ser questionado sobre tantas obras deixadas para a última hora: “O brasileiro tem um jeito próprio de organizar, mas sempre entrega o que precisa. A gente atrasa até para sair de casa para o cinema ou restaurante. É correndo que o menino vai para a aula, certo? Então, isso é uma coisa da nossa cultura. Mas tudo funciona.” Como já se vê nos preparativos para a Copa, nem tudo.