Fabiana Murer relembra críticas e apoia Biles: ‘O atleta tem sentimentos’
Campeã mundial de salto com vara diz que redes sociais amplificam a pressão sobre os competidores e que manter o foco requer maturidade e acompanhamento
A decisão da ginasta americana Simone Biles, principal estrela dos Jogos de Tóquio, de abandonar as disputas para priorizar sua saúde mental reacendeu o debate sobre a pressão psicológica imposta sobre atletas de elite. Uma brasileira conhece bem do assunto. Fabiana Murer, campeã mundial e pan-americana do salto com vara, hoje aposentada aos 40 anos, falou a VEJA sobre os momentos mais duros que passou: as eliminações precoces nos Jogos de Pequim-2008 e Londres-2012, quando chegou como favorita à medalha.
“Chegar no topo é difícil e se manter é muito mais, devido a vários fatores como os treinos, a motivação e a pressão psicológica, isso para qualquer atleta. Imagine no caso da Simone Biles, que é uma das maiores estrelas da Olimpíada, que todos esperavam que ganhasse várias medalhas de ouro. Fiquei surpresa, mas entendo totalmente o lado dela porque já passei por situação semelhante, sei o quanto é difícil”, afirmou a ex-atleta, que vem trabalhando nos Jogos como comentarista do Grupo Globo.
Fabiana relembra um momento da carreira, pouco antes dos Jogos de Londres, em que o overtraining (excesso de treinamentos) lhe causou uma espécie de pane mental. “Em 2010, tive um ano maravilhoso, perfeito, ganhei vários campeonatos e fui ficando super animada para o ciclo de Londres, mas depois cheguei no ponto de overtraining. Eu estava super bem treinada, o problema era o cansaço mental, eu não conseguia saltar. Não sentia dores físicas, o meu esgotamento era psicológico, chegava a chorar nos treinos. Meu técnico identificou o problema e as coisas foram melhorando, mas é difícil descobrir qual é o limite de cada atleta. Não é frescura, é necessário ter o respaldo uma equipe multidisciplinar.”
Fabiana detalhou o episódio ocorrido nos Jogos de Pequim-2008, quando teve sua participação prejudicada pelo sumiço de sua vara favorita, específica para um determinado tipo de salto. Posteriormente, o Comitê Organizador dos Jogos chegou a enviar uma carta à delegação brasileira pedindo desculpas formais pelo incidente. Fabiana conta que, apesar da decepção com o resultado (10º lugar), se sentiu acarinhada pela torcida e opinião pública.
“Não adianta ficar remoendo, eu sempre fui uma pessoa que procurava olhar para frente. O caso do sumiço das minhas varas, em 2008, não me afetou em nada psicologicamente, a não ser, claro, o fato de eu ter passado a ter cuidado maior com o meu material. Nesse período, recebi muito carinho, as pessoas diziam que choraram junto comigo, me deram força. Já em Londres foi o oposto”, disse. Na ocasião, ela não saltou, pois percebeu que não conseguiria transpor o obstáculo em razão dos fortes ventos, uma condição que considerou perigosa.
“Eu já sabia das condições climáticas, sabia que poderia fazer frio ou calor e até nevar em um mesmo dia, então fui preparada para isso. Mas tive um problema do vento, que atrapalhou a mim e várias outras atletas mais leves. As críticas foram pesadas, me chamaram de fraca, disseram que deveria ter saltado e me machucado, que não poderia ter desistido. Foi um momento duro, em que precisei me desligar bastante das redes sociais. Com o tempo, entendi que as pessoas se frustravam justamente porque torceram por mim, tentei levar para um outro lado.”
Fabiana recorda uma conversa que teve com a campeã olímpica da Rio-2016, a grega Ekaterini Stefanidi, e outras atletas que vinham sofrendo com ataque nas redes sociais antes da competição. “As aconselhei de que devemos ficar quietas, ignorar, pois essas pessoas queriam justamente nossa atenção, que entrássemos em polêmica. Mas tem gente que não consegue ficar quieto, depende muito da personalidade de cada um”, explica a ex-atleta nascida em Campinas (SP).
Por fim, ressaltou que atletas de elite devem ser tratados como seres humanos, com suas virtudes e fragilidades. “Eu também fui criticada por falar a verdade. As pessoas têm de entender que o atleta não é uma máquina, é uma pessoa com sentimentos, que chora em dias ruins. O atleta precisa de acompanhamento para conseguir conciliar a agenda de treinos, compromissos publicitários e o descanso. No início eu não gostava de atender imprensa e patrocinadores, mas depois fui entendendo que era importante, e que eu precisaria encaixar isso na minha rotina, montar estratégias. Não é fácil e requer maturidade, mas essas demandas fazem parte da carreira, assim como a pressão. Não tem como ser uma atleta de elite sem sofrer pressão, mas é preciso respeitar o ser humano.”