É Campeão!, uma babel organizada
O mais interessante programa da Copa é uma ideia extraordinária que só pôde sair do papel graças à interpretação simultânea. Em ‘É Campeão!’, do canal por assinatura SporTV, quatro craques que ergueram a taça conversam numa mesa-redonda ao vivo em quatro idiomas
O programa É Campeão!, no ar pelo canal por assinatura SporTV desde o início das partidas de oitavas de final da Copa, é o mais interessante da maciça cobertura de televisão do Mundial. A princípio, parecia apenas um golaço de simplicidade: uma mesa-redonda comandada por um jornalista, André Rizek, e quatro capitães que levantaram a taça em quatro Mundiais – o brasileiro Carlos Alberto Torres (1970), o argentino Daniel Passarela (1978), o alemão Lothar Matthäus (1990) e o italiano Fabio Cannavaro (2006). Ao vivo, sempre às 21 horas dos dias de jogo, os cinco conversam, cada um em seu idioma, sobre o que aconteceu nas partidas que acabaram de assistir e analisam o torneio. Tinha tudo para ser uma babel eletrônica, repleta de silêncios, mal-entendidos e confusão. Deu extraordinariamente certo, graças à interpretação simultânea – um trabalho sempre em segundo plano, mas fundamental, capaz de dar sentido e compreensão a refregas diplomáticas, a duras negociações comerciais e, agora, também de ajudar nas conversas engraçadas de um exército brancaleone de ex-craques.
Sempre que Matthäus, Cannavaro ou Passarela falam, um intérprete traduz, em tempo real, o que cada um acaba de dizer. “Por ser uma mesa-redonda, o trabalho mais difícil é manter a interação”, conta Marcello Lino, a voz do capitão do tetra italiano. “Para isso, tivemos de aprender os termos do futebol e estudamos a maneira como cada um fala.” Lino é um dos cinco intérpretes que, dentro de cinco cabines isoladas ao lado da ilha de edição, localizada numa sala do prédio principal da Ilha Fiscal, no Rio, fazem o programa acontecer. George Sperber interpreta Matthäus. Juan Hersil é Passarela. Além das três vozes que chegam ao público pela televisão, outras duas profissionais que não são ouvidas pelo telespectador permitem que o argentino e o italiano – Cannavaro fala espanhol – consigam entender o que o alemão diz e vice-versa.
A presença de Matthäus representa uma das grandes dificuldades do programa. No idioma alemão, o verbo principal vem no fim da frase. “É infernal. Você precisa imaginar para onde o raciocínio dele vai e, eventualmente, usar um verbo auxiliar para dar fluência”, diz Martha Moreira Lima, intérprete do alemão para o espanhol, responsável por fazer Passarela entender o ex-capitão da Alemanha. Ursula Pabst faz o caminho contrário. “Os intérpretes conseguem nos passar o raciocínio completo muito rapidamente e sem perder o ritmo da discussão”, disse Matthäus a VEJA e PLACAR. Para Maria Eugenia Farré, vice-presidente da Associação Profissional de Intérpretes de Conferência (Apic), a qualidade do trabalho é extraordinária. “Até ironias e traços da personalidade dos jogadores podem ser percebidos na versão para o português”, diz ela.
Em algum momento do desenho do programa, houve a ideia de tentar legendá-lo. “Mas a closed caption, que traz em texto o que está sendo dito, na maioria das vezes não vem em tempo real”, afirma Ingo Ostrovski, diretor do programa. “A legenda deixaria o programa muito frio”, completa Raul Costa Júnior, diretor de conteúdo do SporTV e um dos criadores do formato. Para alcançar o resultado que já foi ao ar seis vezes, houve meses de treinamento, com atores no papel dos jogadores. “Deu muita coisa errada nessa fase, mas, felizmente, desde que entramos no ar, tudo está correndo bem”, diz o âncora Rizek. Uma das preocupações foi evitar aquilo que, no jargão da interpretação simultânea, é chamado de relay – ou seja, a tradução da tradução. Um exemplo: Passarela falaria espanhol, um intérprete traduziria para o inglês, por exemplo, e os demais intérpretes usariam o inglês para as versões nos demais idiomas. A qualidade do trabalho cairia, e É Campeão! não seria a azeitada sinfonia de idiomas em que se transformou.
Até o fim da Copa do Mundo, os capitães se reencontrarão outras quatro vezes – em cada um dos dias de jogos pelas semifinais e outras duas depois da decisão do terceiro lugar e da grande final no Maracanã. Nos últimos dois programas, os quatro capitães terão a companhia de Franz Beckenbauer. O kaiser alemão, que levantou a taça em 1974, não vem ao Brasil. Suspenso pela Fifa por não querer colaborar com as investigações de corrupção na escolha do Qatar como o país-sede da Copa de 2022, ele fará o programa de Munique, onde mora. E, para o último programa, Costa Júnior sonha alto, com um sexto capitão: “A ideia é trazermos o Thiago Silva”. Tomara. Ojalá. Hoffentlich. Magari.