Covid-19: por que estádio na Hungria estava lotado na Eurocopa
Apesar de taxa de mortalidade alta, país tem vacinação avançada e um governo interessado em desenvolver o futebol — e usá-lo como propaganda política
Não foram apenas os gols e recordes de Cristiano Ronaldo que chamaram a atenção na vitória de Portugal sobre a Hungria, em Budapeste, pela primeira rodada da Eurocopa nesta terça-feira, 15. Mais de 60.000 torcedores balançaram as arquibancadas da Puskás Arena, na capital húngara, aglomerados em uma festa que fez lembrar os saudosos tempos pré-pandemia. Esta é a única das 11 sedes do torneio cuja capacidade do estádio foi totalmente liberada. Há explicações sanitárias e, claro, políticas para tal.
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Todos os fãs que estiveram na Puskás Arena — estádio inaugurado em 2019, ao custo de mais de 560 milhões de euros (equivalente a 3,4 bi de reais, pela cotação atual), segundo a imprensa local, e batizado em homenagem ao ídolo do futebol local na década de 1950 — tiveram de apresentar um comprovante de vacinação, ou teste de PCR negativo, no caso dos estrangeiros. Reuniões em ambientes fechados, restaurantes, teatros, cinemas e museus também estão liberados para todos que comprovem sua imunização.
Governada há quatro mandatos pelo primeiro-ministro Viktor Orbán, um líder de populista de extrema-direita absolutamente apaixonado por futebol (e interessado em seu uso como propaganda política), a Hungria investiu em uma ambicioso e controverso programa de vacinação. O premiê desafiou a União Europeia ao comprar vacinas disponíveis na Rússia e na China e acelerou suas liberações.
Com isso, apesar de ter a segunda maior taxas de mortalidade (atrás apenas do Peru), com mais de 300 óbitos a cada 100.000 habitantes, a Hungria tem vacinação avançada: segundo dados da Our World in Data, plataforma mantida pela Universidade de Oxford, mais da metade da população já recebeu ao menos uma dose (43% dos 9,8 milhões de húngaros já estão completamente imunizados).
Orbán definiu a vacina como um “colete à prova de balas” contra o coronavírus e fez da realização da Euro uma de suas bandeiras nacionalistas. O resultado foi sentido nesta terça, quando, mesmo após derrota por 3 a 0, atletas e torcedores se juntaram para cantar o hino nacional no gramado.
Em busca de uma quinta vitória seguida na eleição do próximo ano, Orbán não esconde seu objetivo de “tornar o futebol húngaro grande novamente”. Na última década, os clubes e a seleção nacional foram abraçados não apenas por torcedores simpáticos à extrema-direita, mas também por empresários e setores de mídia ligados ao governo.
Os resultados do investimento, aos poucos, começam a aparecer, com clubes locais participando com maior frequência da Liga dos Campeões, a seleção classificada à Euro e com a presença de atletas de certo destaque em ligas europeias. O sonho de voltar a ter uma seleção admirada como a Hungria de 1954, vice-campeã mundial com nomes históricos como Ferenc Puskás, Sandor Kocsis e Nandor Hidekguti, porém, ainda está bastante distante. E nem mesmo os ídolos locais escapam da truculência de Orban.
No ano passado, o governo alterou a constituição da Hungria para proibir a adoção de crianças por casais solteiros e LGBT. O goleiro Péter Gulácsi, da seleção e do RB Leipzig, da Alemanha, desafiou Orbán ao defender “as famílias do arco-íris!” em postagem no Facebook, mas acabou sendo vítima de críticas e ataques de apoiadores do governo, que questionavam seu patriotismo. Gulácsi permaneceu no time, enquanto um ex-jogador, János Hrutka, foi demitido do posto de comentarista ao defender o posicionamento do goleiro.
Por ironia do destino, o sobrenome Orbán foi bastante ouvido na derrota da Hungria para Portugal, mas por motivos infelizes: o defensor Willi Orbán, que não tem qualquer parentesco com o governante, cometeu um pênalti e desviou contra as próprias redes a bola no primeiro gol.