‘Buffon é o Yashin deste século’, diz neto do ‘Aranha Negra’
Vasily Frolov, que tentou seguir a carreira do avô, o lendário goleiro soviético, relembra histórias de Yashin e fala da evolução da posição
SÃO PETERSBURGO – Vasily Frolov, de 32 anos, vive uma vida pacata em Moscou. Ele é chefe de uma escolinha de goleiros na terra que mais valoriza a posição – vista como maldita na maioria dos países, justamente por evitar a maior alegria do futebol. A tradição russa de arqueiros está intimamente conectada à linhagem de Frolov. Ele é neto de ninguém menos que Lev Yashin, o maior ídolo do futebol russo e um dos grandes goleiros da história. A VEJA, Frolov falou sobre a posição, relembrou histórias de seu avô e elegeu o Yashin do século XXI: Gianluigi Buffon.
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Frolov também vestiu chuteiras e luvas profissionalmente, mas por pouco tempo. Atuou na equipe B do Dínamo de Moscou, único clube pelo qual seu avô atuou, mas logo percebeu que deveria seguir uma carreira mais “acadêmica”. “Trabalhando com a formação de goleiros, acredito que dou sequência ao legado de Lev Yashin de uma forma melhor.”
Frolov tinha apenas quatro anos quando Yashin morreu, em 1990, vítima de câncer. O “Aranha Negra”, apelido que recebeu por causa de seu inconfundível uniforme todo preto, disputou quatro Copas do Mundo, venceu uma Olimpíada e uma Eurocopa e é até hoje o único goleiro a receber a Bola de Ouro, em 1963. Frolov lamenta não ter muitas lembranças do avô, mas se delícia com os casos contados por familiares, como o encontro com Pelé na Copa de 1958.
Na ocasião, o Brasil venceu por 2 a 0, no primeiro jogo de Pelé e Garrincha em Mundiais. “Tenho uma ótima história, que minha avó, Valentina Timofeevna, contou sobre esse jogo. Ela viajou com meu avô à Copa da Suécia e durante uma visita à concentração, Yashin se aproximou dela com um menino muito jovem e escuro e lhe disse: ‘Este é um jovem super talento da seleção brasileira. Seu nome é Pelé e, no futuro, tenho certeza de que ele será o melhor jogador de futebol do mundo. Pelé tinha apenas 17 anos!”
Hoje um formador de novos goleiros, Frolov aponta uma das grandes ausências do Mundial da Rússia como o atual sucessor de Yashin. “Acredito que o melhor no momento seja o alemão Manuel Neuer. Outro goleiro que me agrada muito, é, naturalmente, o italiano Buffon, uma pena ele não estar no Mundial. Ele, a propósito, é muito parecido com meu avô. A história de suas carreiras se desenvolve de forma semelhante. No início, ambos foram muito agitados, corriam para dividir na marca do pênalti. Perto do fim de suas carreiras, se tornaram mais calmos, já não faziam movimentos desnecessários… E me parece que mesmo fora de campo, de certa forma Buffon se assemelhe ao meu avô, dá para dizer que é o Yashin do século XXI.” Confira abaixo, alguns trechos da entrevista.
O senhor tinha apenas quatro anos quando seu avô Lev Ivanovich morreu. Se lembra de algo?
Lamento muito que não tenha podido me comunicar com ele em uma idade mais consciente, ele teria sido um bom mentor. Lembro de apenas um momento. Eu ainda era muito pequeno, fui para o quarto e meu avô estava deitado na cama. Fazia muito frio. Ele me viu e abriu o cobertor; fiquei encantado e me enfiei debaixo, estava muito bom, bem quente. Esta é a única lembrança que tenho, infelizmente.
Mas certamente já ouviu muitas histórias…
Sim, minha avó sempre se lembra dele com muito carinho e amor. Eu gosto de ir visitá-la, ouvir suas memórias. Suas filhas também o amavam muito, apesar de ele ter sido ausente na infância delas, pois muitas vezes estava viajando para jogar. Ele era um típico homem soviético, prezava por seu trabalho e sua família. Gostava de pescar, tinha um grande círculo de amigos, amava se comunicar. Os amigos falam dele como um líder. Ele entrava na sala, e tudo parecia se encher de luz, meu avô sabia como atrair as pessoas e parecia ter uma autoridade indiscutível. Creio que sua grandeza, consiste não só no fato de que ele era um bom jogador, mas principalmente no fato de que ele era um bom marido, pai e amigo.
Conte-me sobre sua carreira profissional.
No momento, trabalho como chefe de academias de goleiros, numa rede nas cidades de Moscou, Riga e Paphos. Lá sou responsável por todo o trabalho relacionado com os goleiros. Antes disso, trabalhei cinco anos na academia do Dínamo de Moscou, o clube pelo qual meu avô fez história, como treinador de goleiros. Além disso, tenho meu próprio projeto, uma escola de goleiros que leva o nome de Lev Yashin. Eu queria criar algo somente meu e agora estou fazendo isso com prazer.
Mas antes o senhor foi goleiro também. Por que decidiu seguir esta carreira?
Fui enviado para a escola de futebol que havia perto da casa aos seis anos de idade, a escola Torpedo. Dois anos depois, o treinador me disse para ficar no gol e gostei imediatamente.
Ser neto de um dos melhores da história ajudou ou atrapalhou?
Era uma enorme pressão e responsabilidade. Eu mesmo era muito rigoroso comigo mesmo e é difícil experimentar o fracasso. Me aposentei do futebol profissional aos 23 anos e, para ser honesto, até demorei para perceber que o nível era muito alto para mim. Agora, trabalhando com a formação de goleiros, acredito que dou sequência ao legado de Lev Yashin de uma forma melhor.
É verdade que na Rússia, que teve nomes como Yashin e Dasaev, existe uma tradição especial de goleiros?
Claro, as seleções da União Soviética foram reconhecidas por seus goleiros, sempre foi uma das posições mais fortes do time. E meu avô é claro, elevou imensamente o nível.
O atual goleiro, Igor Akinfeev, segue essa tradição?
Sim, neste momento a nossa seleção tem um goleiro muito forte. Tenho a mesma idade de Igor e quando tínhamos 10 anos, joguei contra o CSKA, e testemunhei uma conversa: o treinador do CSKA disse que tinha alguns jogadores promissores, especialmente um goleiro brilhante. Ele falava sobre Akinfeev, que já se destacava entre os outros goleiros de sua idade. Ele confirmou a expectativa com uma carreira bem sucedida. Ele é o melhor goleiro da Rússia na última década, estou tranquilo quanto a isso na Copa do Mundo.
Por que o senhor acha que a equipe russa, que nos tempos soviéticos era uma das mais fortes do mundo, hoje está longe da elite? A principal tarefa das pessoas em qualquer campo de atividade é desenvolvê-lo, arriscar, inventar algo novo, entender que tudo se desenvolve. Infelizmente, agora na Rússia, na minha opinião, nos acomodamos um pouco no que foi desenvolvido na União Soviética. Em vez de seguir em frente, estamos nos apegando a esse sistema antigo. O tempo está passando, tudo está mudando e precisamos mudar também.
O senhor já esteve no Brasil?
Não, mas adoraria. Joguei com brasileiros que estavam no Dínamo, e eles são pessoas muito positivas! São diferentes do nosso povo, porque são sempre alegres, estão se divertindo, brincando, como se na vida não tivessem nenhum problema. Acho que esta é uma característica muito boa.
Você gosta de algum jogador brasileiro?
O Brasil é famoso por seus jogadores. Todos os anos, há um mega jogador de futebol do Brasil em todas as posições. Hoje o melhor é o Neymar, mas o primeiro brasileiro que me marcou foi Romário. Depois veio o lendário Ronaldo, eu o amava. Foi o atacante mais forte na minha opinião. Se eu fosse o treinador da seleção brasileira de todos os tempos, Pelé teria jogado junto com Ronaldo no ataque. O Brasil é um país do futebol e produz jogadores bons como uma fábrica. Penso que as crianças já nascem com futebol no coração. Além disso, há um clima favorável, que ajuda a criar craques. Os brasileiros enxergam o futebol como um jogo, não como uma guerra.
(Colaborou Iaroslav Eremeev)