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Acusação de doping contra tenista traz à luz um novo tipo de anabolizante

Em exame feito no mês passado, a brasileira Bia Haddad foi flagrada com duas substâncias proibidas em seu organismo, ambas da categoria conhecida como Sarm

Até a última semana, a tenista paulistana Beatriz Haddad Maia vivia um período auspicioso na carreira. Com os bons resultados recentes, entre eles ter alcançado a segunda rodada do tradicional torneio de Wimbledon, a atleta de 23 anos voltava ao grupo das 100 melhores tenistas do mundo — no passado, ela chegara à 58ª posição do ranking. A atual colocação a credenciava automaticamente a disputar os maiores campeonatos do circuito profissional, entre eles o Aberto dos Estados Unidos, que começa em 26 de agosto. A sorte de Bia inverteu-se na terça 23, quando a Federação Internacional de Tênis anunciou que ela está suspensa, em caráter preventivo. Em um exame feito no mês passado, a brasileira foi flagrada com duas substâncias proibidas pela Agência Mundial Antidoping (Wada) em seu organismo. A prova e a contraprova apontaram na urina da tenista metabólitos das drogas S-22 e LGD-4033, conhecidas pelos nomes comerciais de Ostarina e Ligandrol, respectivamente. Ambas estão na categoria que a medicina chama de modulador seletivo do receptor de androgênio — na sigla em inglês, Sarm. Esses medicamentos foram criados com o objetivo de ajudar hormônios como a testosterona, produzida naturalmente pelo corpo humano, a ligar-se dentro das células, o que estimula o aumento de massa óssea e muscular. Os Sarms, portanto, têm efeito anabolizante.

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Descobertos na década de 40, esses moduladores são uma alternativa aos esteroides, os hormônios artificiais que imitam o funcionamento da testosterona e são usados com fre­quên­cia por atletas trapaceiros — caso do infame velocista canadense Ben Johnson, que manchou a final dos 100 metros rasos do Jogos de Seul, em 1988, com sua musculatura bombada por estanozolol (leia o quadro). Os Sarms não foram criados para “bombar” atletas artificialmente. Sua utilização na medicina se dá no tratamento de pacientes com sarcopenia — condição de perda da força dos músculos agravada por doenças como câncer e aids. “São substâncias com grande potencial clínico”, afirma Guilherme Renke, médico titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). “O problema está no uso em dosagens que ainda não foram devidamente estudadas.” Os benefícios imediatos para um atleta são tremendos. Além de provocar ganho de força, a substância pode reduzir a quantidade de gordura corporal e agiliza a reconstituição muscular após grandes esforços. Por representarem tamanha vantagem, os ­Sarms são vetados pela Wada desde 2008. Mesmo assim, o número de esportistas flagrados com as dezenas de variações dos moduladores em seu organismo impressiona: em 2017, ano do último levantamento divulgado pela Agência Mundial Antidoping, foram 376 “resultados analíticos adversos”, entre eles o do jogador de basquete Joakim Noah, à época no New York Knicks.

Os principais consumidores desse tipo de droga em todo o mundo, porém, não estão nas quadras e campos de prova do esporte profissional, mas sim nas academias de ginástica. Uma busca rápida pela internet permite encontrar uma série de vídeos de aficionados de fisiculturismo falando sobre as maravilhas dos Sarms. Alguns sites os apontam como “esteroides legalizados” ou “anabolizantes seguros”. Nem uma coisa nem outra. “Mesmo em doses não tão elevadas, alguns tipos de Sarms têm efeitos na produção de enzimas hepáticas e diminuem o colesterol HDL, o que pode acarretar problemas cardiovasculares”, diz Eduardo Rauen, nutrólogo do Hospital Albert Einstein, especialista em medicina do exercício e do esporte. Nos Estados Unidos, embora não sejam aprovados pela FDA, a agência nacional reguladora de medicamentos, os moduladores são vendidos como suplementos. No Brasil, a rigor, os Sarms só podem ser adquiridos em farmácias de manipulação e com prescrição médica. A prática mostra que qualquer portal de vendas on­-line disponibiliza as substâncias a um clique de distância.

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TRAPAÇA – Ben Johnson, em 1988: força extra criada por esteroides ROMEO GACAD/AFP

Desde o anúncio do “resultado adverso” e sua punição, Bia não se pronunciou sobre o assunto. Seu advogado, Bichara Neto, especialista em casos de doping desportivo, divulgou comunicado em que se limita a dizer que a tenista “jamais procurou obter vantagem indevida” e “sempre respeitou o jogo limpo”. Em conversa com a reportagem de VEJA, Bichara afirmou que há indícios de falha grave na coleta das amostras, o que, segundo ele alega, poderia levar à anulação do processo. Caso a tenista não consiga provar sua inocência, será uma tremenda bola-fora.

Publicado em VEJA de 31 de julho de 2019, edição nº 2645

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