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A proposta do economista Stefan Szymanski para evitar falência dos clubes

‘É preciso tomar uma medida drástica: tratar as dívidas independentes como se fossem uma só’, disse o autor do celebrado livro ‘Soccernomics’

O economista Stefan Szymanski, professor do curso de gestão esportiva da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, é um dos mais respeitados analistas do impacto econômico do futebol na sociedade — seu livro Soccernomics, escrito em parceria com Simon Kuper e traduzido para o português, é um best-seller global. Dada a crise financeira causada pelo coronavírus, Szymanski elaborou uma proposta, a qual chamou de “plano de consolidação”, que visa justamente a evitar a falência dos clubes. O economista inglês falou a VEJA, por telefone, e contou detalhes de como o plano funcionaria. PLACAR publica a entrevista na íntegra.

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O futebol está à beira da falência? Em circunstâncias normais, um clube que vive problemas financeiros pode falir sem afetar o resto do mercado. O caso atual é diferente: trata-se de uma falha sistêmica. Se aplicarmos as regras de hoje, é provável que grande parte dos times de todo o planeta esteja tecnicamente falida. Na hipótese de um calote em massa, a falência torna-se contagiosa. A meu ver, nesta situação é preciso tomar uma medida drástica: tratar as dívidas independentes como se fossem uma só.

Como seria aplicada essa ideia? Se a interrupção do futebol for longa, é provável que os clubes não tenham dinheiro em caixa para pagar salários ou os valores devidos a outros clubes pela compra e venda de jogadores. O plano é, então, pegar essa quantia que deveria ser desembolsada nos próximos anos e consolidá-la em um fundo. Times e atletas abririam mão desse dinheiro agora para recuperá-lo mais à frente — e haveria como socorrer os mais frágeis. Um modo de crescer o bolo, hoje, seria a venda antecipada de direitos de transmissão, por exemplo, a um investidor que pudesse garantir o funcionamento dos clubes (assista ao vídeo abaixo e entenda em detalhes a proposta de Szymanski).

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Qual o risco dessa proposta? As grandes potências teriam menos a ganhar e poderiam perguntar: “Por que devemos socorrer os pequenos? Nós poderíamos sair dessa sozinhos”. Se os clubes gigantes não embarcarem, não haveria como comercializar os direitos de TV de forma coletiva.

Essa seria a única saída? Faço uma analogia da situação do futebol com a crise sanitária. Como os médicos nos dizem, a evolução da pandemia depende do que fazemos agora. Podemos tomar precauções e agir de maneira sensata ou negligenciar o problema e cada um se virar sozinho. Com o plano de consolidação, acho que o mercado da bola emergiria com relativa rapidez. Caso contrário, a recuperação seria mais lenta.

Vivemos o estouro de uma bolha? Não. A longo prazo, não vejo nenhuma razão real para pensar que o mercado do futebol diminuirá de tamanho. Penso que, daqui a dez anos, será tão grande, se não maior. A menos que, surpreendentemente, o isolamento faça com que deixemos de amá-lo. Basta ver o que aconteceu após a Segunda Guerra Mundial. Houve uma explosão nas arquibancadas, presença em massa a partidas de futebol, ainda maior que antes da Guerra. Nos esportes americanos, por exemplo, há registros de greves coletivas bastante longas. Já houve paralisação no beisebol que durou uma temporada inteira, no hóquei também. Na época, houve quem dissesse que os fãs perderiam interesse pelo esporte, e que isso seria terrível para a modalidade. Nunca aconteceu. O esporte salta do buraco volta maior do que era. Isso reflete o fato de que todos nós sermos obcecados por essas disputas – uns mais do que outros, claro, ao menos uma fração muito grande do planeta é obcecada por esportes. E dentro dessa parcela, boa parte é obcecada pelo futebol. Quando nossas economias voltarem ao normal, a quantidade de dinheiro dedicada ao futebol deve aos níveis do passado recente ou ainda maior.

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Então um jogador de nível internacional vale mesmo 200 milhões de euros (o preço pago pelo Paris Saint-Germain por Neymar em 2017)? Sim. Se você observar os valores pagos pelos direitos de transmissão, é absolutamente um preço realista. Se os valores gastos com a transferência de atletas fossem muitas vezes superiores ao que as emissoras pagam seria o caso. Mas esses valores parecem caminhar juntos. O choque nas finanças não foi causado por conceitos equivocados dos dirigentes. A pandemia atingiu toda e qualquer atividade econômica. Veja o caso dos restaurantes, por exemplo. Eles estão em um negócio semelhante ao do futebol, no sentido que seus empresários precisam que as pessoas venham visitá-los regularmente e que fiquem umas próximas das outras. O mesmo vale para as companhias aéreas. Qualquer modelo de negócio que depende de muitas pessoas confinadas em espaço limitado está ferrado no atual cenário. O futebol não está em uma situação pior que esses outros segmentos. Agora parece um ótimo momento para entrar no ramo de equipamentos médicos, certo? Em resumo: essa crise seria catastrófica independente da qualidade dos dirigentes e da gestão do futebol.

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Que outro tipo de correlação entre economia e futebol é usada, em sua visão, de forma equivocada? Tem gente que diz que a falência de um clube de futebol seria algo catastrófico para a comunidade local. É como se um time fosse equivalente a uma fábrica de aço, por exemplo. No caso da fábrica, a comunidade sofre pois a renda das pessoas está diretamente ligada a produção. Caso ela migre para outro país, acontece uma crise terrível. A recuperação dessa região talvez demore algumas décadas. Mas não é o mesmo quando um restaurante fecha as portas. Você pode até ser nostálgico, mas ele não tem força para atingir a comunidade em grande escala. Pelo contrário, geralmente a população se beneficia da abertura de um novo estabelecimento: a comida pode ser melhor, ou pode ser mais interessante para aquele momento. O futebol está mais perto do caso dos restaurantes do que da fábrica de aço.

No Brasil, muito se fala sobre a instituição do clube-empresa. Essa seria a solução para o nosso futebol? O flagelo do futebol em boa parte do mundo é a corrupção. No Brasil, especialmente, esse parece ser o caso. Não vejo problema algum em um clube de futebol ser gerido por meio do modelo associativo, sem fins lucrativos. Podem dar a eles condições fiscais diferenciadas, não vejo problemas nisso, desde que haja transparência. Só assim podemos perceber se há algo de errado sendo feito. Minha única resistência a esse modelo é sobre a permissividade que sobre o seu modo de financiamento. O plano de consolidação evitaria esse tipo de situação pois todos teriam que abrir seus registros contábeis. Isso pode não acontecer na América Latina, mas na Europa a situação financeira dos clubes é muito mais conhecido do que grandes franquias esportivas dos Estados Unidos, seja de basquete, beisebol ou futebol americano.

Szymanski: ‘Não vejo problema em clube sem fins lucrativos, desde que com transparência’ ./Divulgação

Então o modelo americano, sem rebaixamentos e com teto salarial, está longe do ideal? Em um cenário normal, penso que o formato com rebaixamento torna o futebol mais atraente para os fãs. E se um clube vier a falir em razão de seguidas quedas seria um preço a pagar por um modelo ao qual apreciamos. Meu receio é que essa crise seja usada para promover o sistema “fechada”. Acho isso desastroso, e não pelo argumento financeiro. Os proprietários do clubes ganhariam muito mais dinheiro com ele. Nunca entendi porque um torcedor vibra com o balanço positivo de seu clube. Como um economista, estou nem aí para os lucros. Meu é desejo é de que os participantes concorram em um mercado de modo a oferecer aos consumidores bons produtos e serviços. O formato com rebaixamento é tão competitivo que os força a fornecer o que queremos. E essa é uma das razões pelas quais o futebol é o esporte dominante no mundo e não o basquete.

Mas na Europa, por exemplo, se fala sobre a criação de uma Superliga, apenas com os maiores clubes do continente. Isso é algo que vêm sido falado há mais de uma década. Esse assunto vem e vai e nunca sai do papel. Apesar de supostamente interessar aos maiores clubes do planeta. Acho que a ideia da Superliga ainda não foi concretizada porque a maioria dos fãs realmente odeia o conceito. Outra razão tem a ver com a popularidade desse formato: se não há apoio popular, os políticos europeus devem entrar na discussão para barrar a ideia. Em suma, uma mudança tão radical pode até ser mais viável do que era em tempos normais, mas, a meu ver, não faz sentido.

O que dizer a quem argumenta que o governo teria outras preocupações e prioridades neste momento? Em relação à economia brasileira, os clubes de futebol são uma gota no oceano (Nota da redação: em 2018, a receita dos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro representou cerca de 0,8% do PIB). Ou seja, ajudá-los não seria algo tão absurdo. E de alguma forma você poderia argumentar que o futebol é um serviço essencial, que dá às pessoas um maior senso de comunidade. Meu colega Simon Kuper, coautor de Soccernomics, escreveu recentemente sobre como os suicídios diminuem em época de Copa do Mundo. Não sou fã da nacionalização deste setor, mas o governo poderia entender a volta do futebol como o retorno do senso de normalidade em suas vidas. Novamente, vamos voltar à analogia da II Guerra Mundial. Em muitos países da Europa, como na Inglaterra, o governo tomou as rédeas da organização do esporte, mantendo-o mesmo durante o conflito.

Mas hoje criticamos o uso do resgate oferecido à empresas por clubes milionários do Campeonato Inglês… Na verdade, não vejo porque não poderiam fazê-lo. Por que seus donos são bilionários? Para mim, a questão que se apresenta é outra: sobre como as grandes riquezas deveriam ser taxadas. É uma discussão para antes ou depois da pandemia. Na crise, todas as regras deveriam voar pela janela. Precisamos repensar tudo.

Em artigo publicado em VEJA há nove anos, escrito pelo senhor, o senhor questionava o tamanho do impacto da realização de um grande evento esportivo, como a Copa do Mundo ou a Olimpíada, na economia de um país. De alguma forma, o senhor vê hoje o adiamento dos Jogos de Tóquio causando um grande rombo nas contas do Japão? Embora sejam um pouco chutadas, vi que o impacto desse adiamento será algo em torno de 6 bilhões de dólares na economia japonesa. Ou seja, embora seja lamentável, é algo que será superado. Tóquio esperava que a Olimpíada ajudasse a promover o turismo no Japão. Eles estão tentando abrir suas portas, dividindo a dependência de sua economia da manufatura, que a levou para o topo do mundo, com o setor de serviços. Sempre achei isso um tanto complicado, não vejo o crescimento do turismo associado à Olimpíada. Já via essa questão com a Copa do Mundo, mesmo com a maior chance de os torcedores de futebol viajarem para um determinado país. Eles farão o mesmo para apoiar sua equipe de tiro com arco? Duvido muito.

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