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A chance de redenção de Neymar

Ao levar o PSG a uma final inédita da Liga dos Campeões contra o Bayern, o jogador tem uma grande oportunidade de deixar para trás sua pior faceta

O isolamento imposto pela pandemia ajudou Neymar a fazer andar o sonho de uma vida — ser eleito o melhor jogador de futebol do mundo, caminho que só poderia ser trilhado se levasse o PSG à final da Liga dos Campeões. Conseguiu, e a complicadíssima final contra a azeitada máquina do Bayern de Munique, no domingo 23 de agosto, em Lisboa, tem tudo para ser sinônimo de redenção do camisa 10 brasileiro, craque também em confusões dentro e fora de campo. A quarentena parece ter funcionado. Enclausurado em sua mansão em Mangaratiba, litoral do Rio, entre um treino intenso com seu preparador físico particular e uma animada jogatina com os “parças”, Neymar buscou inspiração diante da televisão. Em poucos dias, devorou a série The Last Dance, documentário da Netflix em torno da derradeira temporada de Michael Jordan pelo Chicago Bulls. Fã incondicional — e parceiro comercial — do astro do basquete, o atacante se encantou com a obstinação do americano por ser o número 1. Gostou tanto que decidiu marcá-lo na coxa esquerda, em uma tatuagem com a imagem de Jordan segurando a taça da NBA e uma frase motivacional: “Posso aceitar o fracasso. Mas não posso aceitar não tentar”. Para o tatuador Fil’G, amigo de longa data, o desenho “tem tudo a ver com a filosofia de vida e com o momento que o Ney está vivendo”. Como tatuagens, hoje, são um modo de comunicação imprescindível para futebolistas — equivalente às postagens no Instagram e no Twitter —, convém tratá-la como um mantra.

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Neymar quer porque quer reconstruir sua trajetória. Em 2019, ele enfrentou quatro desilusões em sequência: foi acusado de agressão e estupro por uma modelo (acabaria absolvido); depois, foi cortado por lesão da Copa América; forçou a barra, sem sucesso, para retornar ao Barcelona; e, de quebra, nem sequer ficou entre os trinta indicados à Bola de Ouro. As pancadas vieram de todos os lados, inevitavelmente. Foi vaiado e comparado a uma prostituta pela torcida do PSG. Até mesmo a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, em tom de brincadeira, mas com doses de seriedade, impôs uma condição para perdoá-lo. “Ganhe a Liga dos Campeões”, ela avisou. Neymar entendeu o recado e, desde então, mudou completamente sua postura (até a próxima recaída).

Em campo, passou a jogar de forma mais coletiva, com o altíssimo nível de sempre. Traumatizado pelas contusões que o atormentaram, cuidou como nunca da parte física. A calculada repaginação de sua imagem repete roteiro de outros ídolos, como Ronaldo Fenômeno e Cristiano Ronaldo, e, claro, teve orientação de seu estafe. O tom é conciliatório. Nas raras entrevistas que deu, fez questão de elogiar a França e os franceses e até se arriscar no idioma de Voltaire, que ainda não domina. Seu controverso pai fugiu dos holofotes. A estratégia ainda inclui uma paradoxal volta às origens: enquanto os críticos cobram amadurecimento do pai de família aos 28 anos — grassa nas redes sociais o epíteto “adulto Ney” —, muitos de seus fãs clamam pelo retorno do menino da Vila, de óculos escuros e caixa de som a tiracolo. Lamentam, romântica e erroneamente, o sumiço do “bad boy”, mas certamente não o do “cai-cai” da Copa de 2018.

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Ele ri, distribui postagens ingênuas — “o pai tá on” é seu novo bordão, para anunciar que está aí, firme, forte e vencedor — e desfila impávido com seu carisma entre os companheiros de time. “Ele uniu a todos nós”, diz o meio-campista espanhol Ander Herrera, presença constante nos churrascos do PSG. As farras chegaram a incomodar a diretoria do clube, mas foram fundamentais para aparar antigas arestas. “Hoje é mais fácil o Messi ir para o PSG do que o Neymar voltar ao Barcelona”, disse a VEJA seu agente, Wagner Ribeiro. A inédita classificação do PSG à finalíssima foi celebrada ao som de samba brasileiro no ônibus da delegação. Mas Neymar, o mestre-sala, sabe que não pode desafinar. Despachar o Bayern será a glória — e para quem chegou até aqui na leitura desta reportagem, e só o fez depois da partida de domingo, com eventual vitória alemã, é o caso de avisar: com derrota, o brasileiro terá de subir tudo novamente, condenado como Sísifo, o personagem da mitologia grega, destinado a passar a eternidade empurrando uma pedra até o cume da montanha.

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Publicado em VEJA de 26 de agosto de 2020, edição nº 2701

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